Na profissão de advogado, João sustenta bem, presta ótimo atendimento aos clientes, está sempre atento aos prazos, mas é diante de uma folha em branco que vem a dor de cabeça: para escrever uma petição/recurso, ele escreve, apaga, escreve de novo, fecha o arquivo e, quando consegue redigir, não fica satisfeito com o resultado de sua peça.
João é um personagem fictício, mas representa o drama de muitos advogados e advogadas: como elaborar um texto jurídico fluido, claro e conciso?
Sabendo deste desafio, Migalhas conversou com Wanderson Melo, revisor da presidência do STJ e mestre em linguística pela UnB, para descobrir como aprimorar um texto jurídico.
Sem objetividade, textos extensos e outras coisas...
Quando questionado sobre os principais problemas dos textos redigidos por advogados, Wanderson Melo foi categórico: falta de organização prévia e planejamento textual.
O revisor destaca que a falta de planejamento desencadeia uma série de outros problemas, tais como falta de concisão/objetividade e textos extensos (já leu textos que falam, falam, falam e não chegam ao ponto principal?!).
Para barrar este tipo de problema, Wanderson Melo explica que é necessário que o advogado se preocupe com o leitor e delimite qual é a estratégia daquele texto. Em outras palavras, o profissional deve se perguntar “para quem” ele está redigindo e “para quê” aquele texto serve.
"Se ele não tiver essa consciência do 'que' falar e de 'como' falar, invariavelmente, o texto vai ficar extenso e provavelmente ele não vai conseguir atingir o seu objetivo."
Escrevi uma petição: como saber se ela está boa?
O advogado João, do início da reportagem, conseguiu, finalmente, redigir um recurso. O que ele deve fazer, então, para ter certeza de que o texto dele está bom?
Inicialmente, de acordo com Wanderson Melo, o advogado deve analisar se o seu texto atingiu os objetivos a que ele se propôs. Para isso, vale se fazer as seguintes perguntas:
- Os argumentos estão concatenados?
- Os argumentos embasam a minha tese?
- A tese tem sentido lógico?
Se a sua resposta foi "não" para alguma destas perguntas, é melhor repensar e reescrever.
Objetividade demais é ruim?
O advogado João tem problemas com a objetividade. Ele acredita que “ir direto ao ponto” é uma maneira de ser ríspido com o juiz ou com as partes; por isso, sempre “floreia” seu texto.
Wanderson Melo afirma, justamente, o contrário: “ser objetivo é ser educado”. O revisor do STJ salienta que o tempo é algo precioso para todos nós e, por conseguinte, não podemos perdê-lo com textos extensos, que demoram para chegar ao objetivo. “Ser objetivo é ter respeito pelo leitor”, assevera.
Derrapadas...
Enquanto revisor da presidência do STJ, Wanderson Melo conta que os meses janeiro e julho, são os períodos mais tensos de trabalho porque eles recebem muitas petições em HCs. “Essas petições, normalmente, têm textos bem esdrúxulos”, revelou.
Em sua trajetória profissional, o revisor elenca algumas coisas estranhas que já se deparou nos textos:
- Petições com letras muito grandes (tamanho 40);
- Petição dizendo “pelo amor de Deuz” (assim mesmo, com “z”);
- Memes;
- Conversas de app que esqueceram de tirar.
Segundo Wanderson Melo, tais “estranhezas” representam falta de profissionalismo por parte dos advogados.
“Falta consciência sobre o ato da escrita.”
O revisor do STJ acredita que um dos motivos para estes problemas é que, na graduação, os estudantes não têm contato com a língua portuguesa, elaboração de textos. “Eles saem da faculdade soltos”, finalizou.