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Prisões preventivas não reduzem criminalidade, diz juiz em sentença

O magistrado soltou jovem preso em flagrante por suposta prática de tráfico de drogas. De acordo com o juiz de Goiás, “a segregação preventiva de indivíduos em nada influencia na minimização da criminalidade”.

14/10/2021

O juiz de Direito Felipe Morais Barbosa, de Águas Lindas de Goiás, concedeu liberdade provisória a homem preso por suposta prática de tráfico de drogas. Quando da abordagem policial, o homem tinha no bolso e na cueca 20 pedras de crack, 10 porções de maconha de mesmo tamanho, e uma porção maior de maconha.

Na decisão, o juiz reflete sobre o sistema de "guerra às drogas" no Brasil e ainda critica o excesso de segregação preventiva ao salientar as "consequências desastrosas do encarceramento prematuro".

(Imagem: Eduardo Anizelli | Folhapress | COTIDIANO)

Guerra às drogas

Ao apreciar o caso, o magistrado refletiu sobre o papel do Judiciário no cenário de “guerra às drogas”.

Inicialmente, o juiz traçou um panorama do que ocorre não só na comarca de Águas Lindas de Goiás, mas também no Brasil todo:

“A esmagadora maioria dos ‘autos de prisão em flagrante’ decorrem de abordagens ‘eventuais’ à população de baixa renda nos bairros periféricos. Via de regra, indivíduos jovens, advindos de famílias humildes, em atitudes suspeitas, que dispensam porções de drogas ao se depararem com viaturas da Polícia Militar.

O magistrado, então, ponderou a eficácia do sistema punitivo/prisional para as pessoas envolvidas com o tráfico: “se as consequências negativas levassem as pessoas a pararem de usar drogas, não existiria mais adictos”. De acordo com o juiz, “replicamos um sistema que acredita curar dependentes aumentando a dor que sentem”.

“O uso de drogas é sintoma e não a causa do desajuste pessoal e social.”

Prisões preventivas são eficazes?

O magistrado ainda refletiu sobre a necessidade da prisão preventiva nestes casos: “a segregação preventiva de indivíduos inseridos neste locus em nada influencia na minimização da criminalidade”.

“A mão invisível, transformada em punho de ferro criminal, não traz a desejada onipresença estatal.”

Nesse sentido, o juiz concluiu que a prisão preventiva deve ser usada em último caso e, na situação em julgamento, o magistrado entendeu que o suposto delito cometido não possui como elementar a violência e/ou grave ameaça, tampouco, ocorreu em um contexto envolvendo arma de fogo.

O magistrado refletiu sobre os “clientes naturais” das prisões da miséria, que se encaixariam "perfeitamente" no conceito de “ninguéns”, poetizado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano. Leia o poema:

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não tem cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

Por fim, o juiz concluiu:

“Ante o exposto, amparado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, sensibilizado pelo histórico-social e racial em que a política de drogas foi criada e se mantém, e, ciente das consequências práticas desastrosas do encarceramento prematuro de supostos traficantes dentro de um mesmo contexto de abordagem e prisão, CONCEDO a liberdade provisória ao autuado ___.”

Leia a decisão

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