Empresas e patrões podem demitir seus funcionários por WhatsApp? Se, por um lado, o aplicativo de mensagens encurta distâncias, facilita a comunicação e já é aceito inclusive como instrumento de citação, por outro, a impessoalidade do processo tem sido alvo de questionamento no Judiciário e o que se vê são decisões em sentidos diversos.
Em Campinas/SP, uma empregada doméstica receberá R$ 5 mil de indenização do ex-patrão por ter sido acusada de ato ilícito e demitida por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Para a 6ª turma do TST, o instrumento utilizado para a dispensa justifica a condenação. Já uma decisão do TRT da 2ª região, também do Estado de São Paulo, confirmou a validade da dispensa de uma educadora de escola infantil feita por meio do aplicativo.
Diante do embate, perguntamos a especialistas: haveria impedimento de um empregador dispensar um funcionário por meio do aplicativo?
O advogado Otavio Pinto e Silva (SiqueiraCastro) pontua que a CLT prevê, no art. 487, que não havendo prazo estipulado para a duração do contrato de trabalho, a parte que quiser rescindi-lo sem justo motivo deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de trinta dias. Quanto à forma em que se deve dar essa comunicação, por sua vez, não há uma previsão expressa.
Flavio Aldred Ramacciotti (Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Simões Advogados) destaca que a comunicação precisa ser inquestionável. Assim, entende que o WhatsApp pode ser utilizado, desde que seja um meio de comunicação habitual entre patrão e empregado.
A demissão tem que ser um ato inequívoco, ou seja, o empregado tem que ter ciência de que foi desligado. Caso o patrão faça isso, e o empregado não confirme que recebeu a mensagem e a responda, então o advogado sugere que o empregado seja convocado para comparecer na empresa para que seja feita a demissão (devendo, em sua visão, contar o prazo para pagamento da rescisão a partir do envio do WhatsApp).
E a forma, esclarece, não evita que o patrão pague todas as verbas rescisórias e entregue todos os documentos dentro do prazo previsto na legislação.
O que, em sua visão, pode ser questionado na Justiça são atos desrespeitosos, os quais podem causar danos morais.
"Até pode haver juízes que entendem que a comunicação da dispensa por WhatsApp seja desrespeitosa e resulte em danos morais, mas no meu entendimento não é. Obviamente, é necessário que essa comunicação seja respeitosa, ou seja, o empregador não pode, por exemplo, xingar o empregado no WhatsApp quando for fazer a demissão."
Respeito e solenidade
Na opinião do advogado Luís Carlos Moro (Moro e Scalamandré Advocacia), não há resposta binária para o questionamento.
Não é possível dizer que nunca possa ser realizada a dispensa por WhatsApp, porque, a depender das condições, da limitação das comunicações, das circunstâncias que precisariam ser analisadas caso a caso, a dispensa por WhatsApp pode vir a ser possível. Mas, em sua visão, ela “nunca é recomendável”, devendo ser realizada pelo empregador independentemente do grau hierárquico do dispensado na estrutura organizacional, com enorme respeito e solenidade.
Moro observa que, em princípio, o ato da dispensa não é formal, é informal. "Mas não se pode confundir informalidade com desprezo, desrespeito, abuso. E, a depender do meio com o qual o empregador comunica a dispensa ao empregado, pode sim haver abuso implícito, desrespeito evidente."
“Não me parece que seja só o problema do meio empregado, mas o meio somado à forma com que se utiliza do meio. A dispensa evidentemente que é um ato de imposição de sofrimento. A dispensa é um ato indesejável, indesejado, e portanto, por si só, inflige sofrimento, ainda que seja legal. E por isso deve ser especialmente cautelosa - para que o sofrimento não seja imposto para além daquilo que é necessário."
Legislação omissa
O advogado Mansur Jorge Said Filho pontua que a legislação é omissa quanto à forma de comunicar a dispensa ao empregado – por exemplo, nada menciona se seria verbal ou escrita, por meio de carta ou telefonema. Ela apenas versa sobre o procedimento adequado para que a demissão seja formalizada, ou seja, pela anotação na CTPS, comunicação aos órgãos competentes e pagamento das verbas rescisórias.
"Costumeiramente, adota-se o procedimento de comunicar ao empregado verbalmente e formalizar uma carta e/ou apenas por meio de carta. Contudo, diante da lacuna legislativa, é possível fazermos uma interpretação sistêmica da Consolidação das Leis do Trabalho, que em seu art. 6º, parágrafo único entende pela possibilidade do uso de meios telemáticos para a realização do trabalho. Dessa forma, compreendemos que, quanto ao instituto da demissão, assim como para a prestação do trabalho, também poderá ser feita utilizando do mesmo artifício, ou seja, algum meio de comunicação telemático. De forma específica, é possível utilizar o WhatsApp, o e-mail, o Skype, para comunicar a dispensa ao funcionário.”
O advogado diz que a possibilidade, entretanto, apresenta ao menos três ressalvas: 1) que seja possível confirmar que houve, de fato, recebimento da informação pelo empregado; 2) o comunicado seja apresentado com certa formalidade e seriedade que pressupõe um ato de extinção da relação jurídica e 3) que haja respeito à honra e dignidade do funcionário e que ele não seja exposto a nenhuma situação vexatória ao receber o comunicado.
Pessoalidade
Otávio Pinto e Silva entende ser recomendável que a dispensa seja feita presencialmente, "em uma conversa olho no olho, com a posterior formalização por escrito".
Ele destaca que, em tempos de pandemia e de disseminação do teletrabalho, é compreensível o uso dos meios eletrônicos, tal como o WhatsApp. "Mas, em respeito ao trabalhador e à sua dignidade como pessoa humana, seria sempre mais adequada a conversa presencial, evitando a frieza da mensagem eletrônica, tendo em vista que a pessoalidade é uma das características do contrato de trabalho."
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