O advogado e doutorando Luiz Carlos Avila Junior (Avila Junior Sociedade de Advogados) e a professora Dra. Luciene Dal Ri (uma das orientadoras do doutorando), apresentaram no congresso mundial do IPSA, no dia 14 de julho de 2021, trabalho inovador estabelecendo uma nova forma de atuação do poder executivo que denominaram de “Ativismo Presidencial”.
Segundo os pesquisadores, o mundo encontra-se hoje sob a pressão de dois grandes ideais políticos: a democracia e o constitucionalismo. Aduzem que determinadas atitudes dos presidentes violam direitos fundamentais, competências constitucionais e o sistema de freios de contrapesos, fortalece o discurso de ódio e reduz o pluralismo de ideias políticas.
A doutrina clássica reconhece três formas clássicas de legitimidade: [1] tradicional: sacralização; [2] carismática: ordem emocional, chefes com alta capacidade de mobilização para um designo coletivo; [3] legal-racional, que se subdivide em três: [3.1] legitimidade democrática; [3.2] legitimidade revolucionária; [3.3] legitimidade legal-burocrática.
A patologia do ativismo presidencial surge exatamente na conjunção da legitimidade carismática e democrática, e é uma decorrência da concentração de poder, responsabilidades e expectativas em uma única pessoa, democraticamente eleita para governar o país por mandato fixo durante anos.
Essas características lembram alguns líderes políticos de países latino-americanos, que fazem parte do que se convencionou em chamar de “novo constitucionalismo”.
No caso é importante diferenciar o “novo constitucionalismo” do Neoconstitucionalismo, este surge no pós guerra, e que de forma muito objetiva, se pauta em três enfoques: [1] A discussão sobre o alcance do princípio da legalidade; [2] a dignidade da pessoa humana; [3] o rompimento com o autoritarismo. Apresenta ainda quatro noções peculiares que configuram o seu núcleo: [1] Princípios vs. Nomas; [2] Ponderação vs. Subsunção; [3] Constituição vs. Independência do Legislador; [4] Liberdade dos Juízes vs. Liberdade dos Legisladores. A tipologia do Neoconstitucionalismo é essencialmente a limitação e separação dos poderes, que contém altíssimo nível de “constituição material” que condicionam a atuação do Estado por meio da ordenação de fins e objetivos.
Já o novo constitucionalismo, que tem como característica recuperar e atualizar o conceito de origem democrática da Constituição que amplia a participação popular e por consequência tem como centralidade a legitimidade do sistema constitucional vigente, apontando quatro enfoques: [1] reinvindicação do conceito de soberania; [2] incorporação de mecanismos de fortalecimento da legitimidade democrática do poder constituído; [3] profusão de regras infraconstitucionais/diplomas regulamentares como regra de interpretação de valores axiológicos, o que evita o nominalismo mas facilita a imposição daquela que interessa ao poder constituído; [4] fortalecimento de controle concentrado de constitucionalidade por Tribunal constituído/sob o “domínio” do poder constituído de forma a ser possível impor a vontade da interpretação constitucional tanto ao legislador quanto ao juiz ordinário; [5] reconhecimento de uma constituição forte em relação a legitimação do poder constituído e fraca por estar permanentemente disponível para revisão, [6] o argumento do poder constituído da necessidade de rompimento com a constituição anterior e elaboração de uma nova, que evidentemente permita os itens antecedentes.
Nessa perspectiva, ativismo presidencial é diferente do hiperpresidencialismo, este é tipificado pelo grande número de poderes ou atribuições constitucionalmente concedidas ao Presidente. Enquanto que o ativismo presidencial através de uma personificação mais significativa conduz ao enfraquecimento do sistema deliberativo e da própria democracia, notadamente expandindo as competências constitucionais do Poder Executivo.
Ressoa no ativismo presidencial a pretensão do presidente buscar transmitir ao povo imagem de homem forte, popular, de amplos valores morais, semoto à corrupção e sobretudo com a capacidade quase heroica de resolver todos os problemas. Essas “prerrogativas” conferem sobretudo a legitimidade carismática.
O fato dos líderes terem sido legitimados por milhares nas urnas, o que ao seu sentir ressoa quase como uma legitimidade sacra, lhes permite justificar que os cidadãos sejam afastados do processo de formação da vontade estatal, conferindo portanto uma proeminência ao Estado-Aparelho sobre o Estado-Comunidade.
Nesse caminhar, sob o argumento de concretização de promessas de bem-estar, e construção de uma sociedade de valores morais, reforça a ideia de tratar como inimigos aqueles que se opõe as ideias do presidente ativista.
Portanto a diferença entre hiperpresidencialismo e ativismo presidencial tem nascedouro claramente no “duelo” do constitucionalismo democrático, onde o neoconstitucionalismo tem como valor central a limitação ao poder, e o “novo constitucionalismo” a legitimação do poder e permite, o surgimento do ativismo presidencial.
No Brasil, atos tipificados como de ativismo presidencial podem ser observados, além de outros, na frequência excessiva de Medidas Provisórias e seu conteúdo, forçando reservas institucionais.
Em 2020, por exemplo, tivemos mais que o dobro da média anual histórica de Medidas Provisórias, 107 medidas provisórias. A situação é pior quando o observamos o conteúdo das 78 Medidas Provisórias relacionadas à pandemia, pois conflitam com os requisitos de relevância e urgência; limitar o acesso às informações fornecidas pelos órgãos públicos (ver MP n. 928/2020); tratando do compartilhamento de dados pessoais de empresas de telefonia com entidades vinculadas ao Poder Executivo (ver MP n. 954/20); tratar da não responsabilidade dos agentes públicos (ver MP n. 966/2020), entre outras.
Dados de diversos institutos demonstram que a patologia do ativismo presidencial vai além da América Latina ou do Brasil, tendendo a ser uma patologia global. Isto porque, desde os anos noventa 36 regimes democráticos foram rompidos e iniciados processos de autocracias.
Atualmente, apenas 32 países são classificados como democracias consolidadas, e 87 países com fortes governos nacionalistas (autocracias eleitorais ou fechadas. Esta terceira onda de autocracias, é marcada pela forte capacidade de transformar as garantias constitucionais em meramente aparentes.
De acordo com os pesquisadores, a transformação ou combate ao ativismo presidencial pode ser promovida através da cultura da paz, nos moldes preceituados pelas Nações Unidas para garantir a e existência pacífica dos direitos humanos e fundamentais assim como o fortalecimento da democracia.
Esse programa, embora seja baseado em um sistema internacional e relativamente recente, (resolução da ONU nº 53/243, de 1999), ele se concentra não apenas na paz internacional. É focado principalmente na educação e nas políticas públicas que podem ser aplicadas de forma construtiva para garantir direitos.
A cultura da paz ao promover a democracia tem com clareza o fortalecimento das instituições democráticas, dos diversos poderes e da participação plena no processo de desenvolvimento de uma sociedade melhor.
Essa promoção, de valores historicamente atribuídos ao Neoconstitucionalismo, como a dignidade da pessoa humana e a limitação de poderes, proposta pela ONU, revela que seu papel tem sido cada vez mais orientar aspecto internos e constitucionais que contribuem para uma sociedade global mais igualitária, segura e melhor.
O trabalho final irá compor livro editado em língua portuguesa e inglesa, com publicação prevista para o final de 2021.