As propostas de reforma tributária, as regras brasileiras dos Preços de Transferência e os projetos de lei que visam tributar a economia digital foram temas de destaque durante o Brazil Tax Conference 2021, evento realizado no último dia 8 de junho e organizado pelo escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados em parceria com a Exchange Ideas. O encontro reuniu executivos de importantes empresas, professores e a comunidade acadêmica e jurídica para debater as alterações mais recentes na legislação tributária brasileira e internacional.
Dividido em quatro painéis, o evento teve início com a discussão sobre as novidades mais recentes da Reforma Tributária e a intenção do governo de realizá-la em etapas. “Me preocupa a ideia de uma reforma fatiada, porque haveria uma primeira etapa sem saber quais seriam as etapas seguintes. Absorver a primeira, para depois iniciar a discussão das etapas seguintes, não me parece efetivo”, disse Alessandro Mendes Cardoso, sócio do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
Raquel Preto, sócia do Preto Advogados, ressaltou que, com o fatiamento, não será possível fazer uma reforma estrutural e de base. “Se não fizermos diferente, vamos chegar ao mesmo resultado dos esforços anteriores de Reforma Tributária que foram feitos e não levaram a nada”, afirmou.
Já João Francisco Bianco, sócio do Mariz de Oliveira e Siqueira Campos, destacou a complexidade da discussão da Reforma e o fato de ela envolver diferentes desafios. “Nosso sistema tributário é um sistema que foi sendo criado como se fosse uma colcha de retalhos. Foram sendo feitos aumentos de alíquotas aqui, de base de cálculo ali, mas nunca se pensou em uma reforma do sistema como um todo”, ressaltou.
Economia Digital
Já no painel sobre a tributação na economia digital, as participantes destacam o julgamento no STF, em fevereiro, que pôs fim à controvérsia sobre a cobrança de ISS ou ICMS sobre os softwares, e lembraram que, agora, os debates na área tomam um novo foco, principalmente com o surgimento de projetos de lei prevendo a criação de tributos sobre as empresas de tecnologia.
“Por muito tempo a discussão sobre a economia digital ficou concentrada na disputa entre estados e municípios. A partir dessa resolução, nós podemos agora tratar, com o mesmo fôlego, outras questões igualmente relevantes”, disse Tathiane Piscitelli, professora na FGV, lembrando também da discussão já travada em órgãos internacionais, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobre como tributar a economia digital, setor em que as empresas podem atuar em um determinado país sem estarem fisicamente presente nele.
Piscitelli destacou que, embora a OCDE tenha indicado não ser adequado o estabelecimento de um modelo de tributação que se aplique apenas à economia digital, alguns países europeus implementaram esses tipos de tributos, enquanto no Brasil há dois projetos de lei em tramitação no Congresso contrários a essa recomendação. Entre as propostas, estão o projeto de lei 2359/2020, propõe criar a Cide-Digital, e o projeto de lei 131/2020, que prevê a cobrança da Cofins-Digital sobre o setor.
“Quando pensamos na criação de um tributo próprio para economia digital nos países da Europa, que adotaram medidas unilaterais, o contexto desses países não se aplica ao Brasil. Muitas dessas empresas estão sediadas no Brasil, e estando aqui, elas já pagam todos os tributos, inclusive tributos sobre a receita”, ressaltou a professora.
Daniela Lara, sócia do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, lembrou também que uma contribuição como a Cide deveria ser adotada de forma temporária. “Uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico tem que vir em razão de algum desequilíbrio em algum setor da economia. Ela tem que funcionar pontualmente para a resolução desse desequilíbrio e, apesar de não ser o que acontece, deveria ser temporária até que se consiga consertar esse desequilíbrio econômico”.
Já Gisele Bossa, ex-conselheira do Carf, também concordou com o fato de que uma nova tributação sobre essas empresas poderia resultar em excesso de exação, afirmando que a tributação corporativa no país já é alta, principalmente ao considerar-se as retenções na fonte. “A gente pode não só estar onerando as operações transfronteiriças com a retenção na fonte, como ainda estamos cogitando uma Cide”, disse. Para ela, a tributação brasileira inclusive já acomoda a proposta de imposto global de 15% sobre as grandes empresas de tecnologia, proposta recentemente pelo G7, exatamente pela existência de retenções na fonte.
Também presente no debate, a diretora tributária da Microsoft, Carolina Archanjo, ressaltou que na América Latina não há nenhum país que tribute como no Brasil e que, portanto, criar um novo imposto poderia ser contraproducente. Além disso, ela considerou que um aumento na tributação do setor pode ter um significativo impacto social. “Ao mesmo tempo em que se fala em querer tecnologia para todos e em transformação digital no Brasil, isso (um aumento de impostos) vai contra. O custo vai aumentar”, disse. “Tem aspectos que não são necessariamente tributários e que não podem ficar de fora da discussão”, acrescentou a executiva.
Preços de transferência
O encontro também contou com um painel para debater as regras de preços de transferência no Brasil e os padrões adotados pela OCDE. Luis Eduardo Schoueri, professor na USP, lembrando que o Brasil adota o princípio “Arm’s Length”, considerou que, embora com pontos a melhorar e alvo de muitas críticas, traz vantagens jurídicas, por considerar uma margem de preços predeterminada. “Defendo a sistemática brasileira como concepção, mas temos que evoluir para que essas margens passem a ter alguma conexão com a realidade. No meu ponto de vista, uma apuração por setor não é algo em si ruim”, destacou.
Já Patrícia Lopes, gerente global da área tributária da Iochpe-Maxion, considerou que a sistemática brasileira pode trazer segurança jurídica no âmbito doméstico, mas gera incertezas no internacional. “O sistema existente pode favorecer alguns contribuintes em detrimento de outros. A segurança jurídica pode existir sob uma perspectiva doméstica, mas ainda assim há uma incerteza jurídica no âmbito internacional”.
Frederico Fonseca, sócio do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, lembrou que a sistemática brasileira é um dos principais entraves ao ingresso do Brasil na OCDE, porém não é o único. Enquanto Patrícia destacou que, além desse entrave, o país ainda deverá endereçar outras questões. “Tenho também uma preocupação em relação a legislação de lucros no exterior, que é muito divergente das regras internacionais. Não acho que seriam um entrave para a entrada, mas acredito que será uma discussão que virá”, destacou.
Visão europeia
Por fim, o evento contou ainda com uma apresentação do professor da Universidade de Lucerna e advogado, Dr. Roland Pfister, membro do board da Exchange Ideas, que abordou o tema da preservação patrimonial em um ambiente regulado, com foco na legislação da Suíça. “Temos um aumento na regulação. Aqui na Suíça tivemos, por muitos anos, um sistema muito pragmático, mas agora implementamos a regulação europeia, os padrões internacionais, e as dificuldades estão se sobrepondo”, disse.
Além disso, Pfister lembrou que, na Europa, serviços se tornaram mais complexos devido à regulação. “No fim, para um cliente de um banco, mesmo para os clientes suíços, há custos grandes devido à complexidade que devem seguir”, disse, acrescentando que acredita ser correto a adoção de um sistema que garanta que todos estão pagando impostos, mas que é preciso analisar a possibilidade de se reduzir a complexidade.