O ministro Luís Roberto Barroso pediu vista e adiou julgamento sobre violação de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro. Até a manifestação, apenas o relator, ministro Marco Aurélio havia votado.
Para o decano, “ocorre violação generalizada de direitos fundamentais no tocante à dignidade e à integridade física e psíquica das pessoas sob custódia. Há falência estrutural de políticas públicas”.
O caso
O PSOL ajuizou ação no STF pedindo que seja reconhecida a violação de direitos fundamentais da população carcerária e, diante disso, sejam adotadas as providências para sanar lesões a preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal, decorrentes de atos e omissões dos poderes públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal no tratamento da questão prisional no País.
“Não há cenário fático mais incompatível com a Constituição do que o sistema prisional brasileiro. O problema é sistêmico e decorre de uma multiplicidade de atos comissivos e omissivos dos Poderes Públicos da União, dos estados e do Distrito Federal. A gravidade do quadro e a inapetência dos poderes políticos, da burocracia estatal e das demais instâncias jurisdicionais para enfrentá-lo evidenciam a necessidade de intervenção do STF.”
Na ação, a legenda sustenta que o equacionamento do que chama de “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário envolverá necessariamente a realização de despesas voltadas à criação de novas vagas prisionais, à melhoria das condições dos estabelecimentos existentes e dos serviços prestados aos detentos.
Para exemplificar o “abismo” entre norma e realidade, o PSOL listou alguns dos principais problemas do sistema carcerário, como superlotação (que qualifica de mais grave), dificuldade de acesso à justiça, falta de assistência aos detentos, direito à educação e ao trabalho e tortura, sanções ilegítimas e uso da força.
O partido também apontou o elevado número de presos provisórios como um dos mais graves problemas do sistema prisional. “Há consenso de que muitas dessas pessoas não deveriam estar presas. Existe, no Brasil, uma banalização na decretação das prisões processuais, o que, além de violar os direitos à liberdade e à presunção de inocência, agrava significativamente o quadro de superlotação do nosso sistema carcerário”, afirma.
Entre as medidas que o STF deve impor aos poderes públicos, segundo o PSOL, estão a elaboração e implementação de planos pela União e Estados, sob monitoramento judicial; a realização de audiências de custódia; a exigência de fundamentação das decisões que não aplicarem medidas cautelares diversas da prisão e a imposição de penas proporcionais à gravidade do ilícito cometido.
"Dignidade perdida"
O ministro Marco Aurélio manteve a posição adotada em 2015, momento em que reconheceu a “inequívoca falência do sistema prisional brasileiro”.
Para o decano, é necessário reconhecer que há um “estado de coisas inconstitucional”, considerando o sistema prisional brasileiro, ante o cenário de superlotação e as condições degradantes às quais submetidos os custodiados.
De acordo com Marco Aurélio, a responsabilidade pelo estágio ao qual as condições carcerárias no país se encontram, não pode ser atribuída a um único e exclusivo poder, mas aos três – Executivo, Legislativo e Judiciário –, tampouco só aos da União, se entendendo aos estaduais.
“Há descompassos tanto na formulação e implementação de políticas públicas quanto na interpretação e aplicação da lei penal. Falta coordenação. O quadro inconstitucional de violação generalizada e contínua dos direitos fundamentais dos presos é agravado em razão de ações e omissões, falhas estruturais, sobressaindo inércia e incapacidade para superá-lo.”
Para o ministro, cabe à Corte atuar incentivando a formulação e a implementação de políticas públicas e permanece reservado ao Legislativo e ao Executivo o campo democrático e técnico alusivo a escolhas, inclusive orçamentárias, sobre a forma mais adequada à superação do estado de inconstitucionalidade, colocado a máquina estatal em movimento e cuidando da harmonia dessas ações.
“Eis o que se espera do Tribunal Constitucional, visando suplantar o quadro de inconstitucionalidades do sistema prisional: assentar a omissão das autoridades públicas, incentivar a saída do estado de letargia, determinar a formulação de políticas públicas e provocar a deliberação política e social, assegurando a efetividade das normas constitucionais e a integração institucional.”
Sobre os pedidos, o relator confirmou seu entendimento anterior, ao determinar:
a) aos juízes e tribunais – que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no artigo 319 do Código de Processo Penal;
b) aos juízes e tribunais – que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão;
c) aos juízes e tribunais – que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal;
d) aos juízes – que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo;
e) à União – que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.
O ministro se manifestou para que os Estados e o DF, observado o prazo de três meses contados da publicação do plano formalizado da União, em harmonia com o nacional, elaborem um plano para que em dois anos seja superado o estado de coisas inconstitucional. S. Exa. propôs, ainda, a adoção das seguintes medidas:
- redução da superlotação dos presídios;
- diminuição do número de presos provisórios;
- adequação das instalações dos estabelecimentos prisionais aos parâmetros normativos, relativamente a aspectos como espaço mínimo, lotação máxima, salubridade e condições de higiene, conforto e segurança;
- separação dos custodiados a partir de critérios como gênero, idade, situação processual e natureza do crime;
- garantia de assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à Justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e remunerado para os presos;
- contratação e capacitação de pessoal para atuação nas instituições prisionais;
- eliminação de tortura, maus-tratos e aplicação de penalidades, sem o devido processo legal, nos estabelecimentos prisionais;
- tratamento adequado considerados grupos vulneráveis, como mulheres e população LGBT;
Após o voto do relator, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista e suspendeu a análise do processo pela Corte.
- Processo: ADPF 347