A Corte Especial do STJ extinguiu a punibilidade da desembargadora do TJ/RJ, Marília Castro Neves, que afirmou nas redes sociais, há época do assassinado de Marielle Franco, que a vereadora estava "engajada com bandidos". Em decisão unânime, o colegiado considerou que a magistrada se retratou das ofensas.
A família de Marielle apresentou queixa-crime ao STJ após postagem da desembargadora Marília Castro Neves, do Rio de Janeiro, que afirmou nas redes sociais, há época do assassinado da vereadora, que Marielle estava "engajada com bandidos". O comentário da magistrada foi feito em um post do juiz de Direito aposentado Paulo Nader, que comentava o caso.
Marília Castro respondeu dizendo que "Marielle não era apenas uma ‘lutadora’” e que teria sido eleita pelo Comando Vermelho, suposta facção criminosa.
Sustentações
- Acusação
A advogada que representa a família de Marielle, Samara Castro, em sustentação oral, ressaltou que Marielle sofreu muitas desonras após o assassinato. “Fake news foram disseminadas, mentiras tentaram deslegitimar a luta de uma vereadora assassinada em pleno exercício do mandato”, disse.
“Da fala de uma desembargadora, espera-se a verdade. Quanto à opinião de uma desembargadora, espera-se bom senso. Diante de palavras proferidas nas redes sociais de uma desembargadora, a respeito de uma vereadora brutalmente assassinada, espera-se, no mínimo, que haja verdade, coerência, sensatez e empatia. Se nada disso é possível, o silêncio.”
Evelyn Melo, também advogada da família, sustentou que a desembargadora imputou à falecida vereadora a prática de promover organização criminosa. A advogada disse que durante o interrogatório a desembargadora reiterou as calúnias e só se retratou mais de dois anos após o post.
“O papa Francisco ligou para a família de Marielle Franco uma semana após a execução. O papa, do Vaticano, conseguiu o telefone da mãe da Marielle e ligou para a família para demonstrar sua solidariedade. Mas a desembargadora alegou ser impossível, ela que mora na mesma cidade que os familiares, conseguir entrar em contato.”
- Defesa
O advogado Carlos Eduardo Machado, representante da desembargadora, alegou a ausência de dolo e efetividade da retratação. O causídico ressaltou que a desembargadora se retratou, dizendo que se precipitou, dois dias depois da postagem.
Retratação
A relatora, ministra Laurita Vaz, considerou que o momento e a forma que se deu a retratação foi dentro do limite temporal e em conformidade da diretriz do Código Penal.
“Ao contrário do sustentado, a retratação admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não pressupõe aceitação da parte ofendida. A lei não exige isso.”
A ministra ressaltou que, se tratando de ofende irrogada por meios de comunicação, como no caso, o parágrafo 1º do art. 143 do CP, dispõe que a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.
“A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja feita pelo mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do ato, que é essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça uma faculdade.”
Para a ministra, se o ofensor, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo veículo para apresentar retratação, não se figura razoável desmerecê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal.
Laurita ainda destacou que respeita o sentimento de frustração da família de Marielle. No entanto, a lei penal brasileira admite a retratação ao tempo e modo em que ela foi feita.
Dessa forma, declarou extinta a punibilidade da desembargadora, com base nos arts. 107, inciso 6º e 143 do CP. A decisão foi unânime.
- Processo: APN 912