Migalhas noticiou, em janeiro, que a maioria dos Tribunais brasileiros aumentaram as custas judiciais para 2021, e apontou que os Estados com maiores custas são exatamente os que têm menor renda per capita.
O magistrado ressaltou que os valores que os Estados e a União repassam para o Judiciário mensalmente, em regra, são suficientes apenas para o pagamento de pessoal. Com efeito, todo o investimento em estrutura predial, informatização e mobiliário, ou seja, tudo o que não tem natureza salarial, é custeado pelos fundos de aparelhamento, recursos provenientes das custas.
“Portanto, as custas judiciais são fundamentais para que os tribunais sigam se estruturando para atender à crescente demanda. E nem se diga que o Estado deveria prover essas despesas, porque o recurso sairia de todos, mesmo daqueles que não demandam. Portanto, para manter o Judiciário sem o pagamento de custas, seria necessário tirar recursos de outras áreas, como educação, saneamento, segurança.”
Renda per capita
Rinaldo Forti acredita que a renda per capita regional não é a solução mais adequada para balizar o valor das custas em um Estado.
“Em regiões extremamente ricas vivem pessoas em situação de miséria. Já disseram que se num grupo de 10 pessoas, 5 comerem um frango inteiro e outros 5 apenas assistirem, poder-se-ia dizer que o consumo de frango naquele grupo foi de meio frango por pessoa. Realmente foi isso?”
Portanto, o juiz acredita que o valor da causa deve representar um percentual razoável, nem tanto que constitua empecilho ao acesso à jurisdição, nem tampouco que não represente contribuição ao funcionamento da máquina e desestímulo à propositura de demandas indignas.
Majorar despropositadamente o valor das custas, ou pretender que ela represente o valor exato do custo de um processo, fatalmente inviabilizará o acesso à Justiça de mais de 95% da população, tornando os pedidos de gratuidade a regra absoluta, alerta o magistrado.
“O ideal é que se atue em duas frentes; a primeira fixando o juizado como via única para as demandas de direito disponível, até 60 salários-mínimos, tendo como partes pessoas capazes e todos os demais requisitos legais. Apenas se houvesse fundados motivos, como necessidade de produção de prova complexa, se admitiria a dedução na via ordinária. A segunda, à exemplo da lei Federal que fixou normas gerais para a cobrança de emolumentos (lei 10.169/00), a União deveria editar lei limitando o percentual das custas em todo o Brasil.”
Para o juiz, até que uma norma Federal não seja elaborada, os tribunais devem se esmerar em conceder gratuidade a quem dela faz jus e impor, pela consolidação de sua jurisprudência, aos que não podem ou não querem pagar, a via dos juizados, significativamente menos onerosa para o Estado.
Processos
O juiz faz relação do crescente número de novos processos no tribunal e o investimento que as Cortes precisam para que a produtividade seja satisfatória.
Segundo relatório do CNJ, Justiça em Números, o Judiciário brasileiro recebeu 30,2 milhões de casos novos em 2019, um aumento de aproximadamente 6,3% em relação ao ano anterior. O relatório mostra, ainda, que em 2019 a Justiça brasileira tinha 77,1 milhões de casos pendentes.
A Justiça Estadual é apontada nos dados como o ramo que mais tem novos casos e casos pendentes. Apesar disso, gráficos mostram que ao longo dos anos o Judiciário aumenta sua produtividade. Em 2019 foram 26,9 milhões de sentenças de 1º grau e 4,1 milhões de decisões no 2º grau.
Para Rinaldo Forti, essa crescente produtividade se deve ao maciço investimento feito em tecnologia da informação, que por seu turno exige a contratação de profissionais da área de Tecnologia da Informação e constante atualização de equipamentos e softwares.
“Para se ter uma ideia, num tribunal como o de Rondônia, 42% da parcela do orçamento destinada ao investimento (não computados salários) é empregada em TI, o que representará no ano de 2021 em quase R$43 milhões de reais. Portanto, a estrutura montada para lidar com mais de 77 milhões de processos não é barata.”
Acesso à Justiça
Segundo o relatório do CNJ, em 2019 o indicador para processos com assistência gratuita atingiu 3.065 arquivados, o maior da série histórica. O TJ/RO é o Estado com maior número de processos arquivados com assistência judiciária gratuita, contabilizando 9.388 em 2019.
Se for analisado os Tribunais de grande porte, como São Paulo (1.840), Rio Grande do Sul (1.784), Minas Gerais (1.729), Paraná (1.314), ou os de pequeno porte, como Sergipe (338), Tocantins (300), Roraima (294) ou Piauí (105), é constatado uma disparidade com o TJ/RO ainda maior.
O magistrado diz que preocupa o fato de que o volume absurdo de processos exige maior investimento do Estado em sua estrutura de Justiça.
“Portanto, tamanho volume de processos por habitante deve ser visto com preocupação e se a gratuidade não é a única responsável por essa distorção, certamente concorre significativamente para ela, dado que não pode ser coincidência que o ‘campeão nacional’ de gratuidade também é o que tem mais processos por habitante.”
Para Forti, restringir a gratuidade apenas aos que dela fazem jus é fundamental para a eficiência do sistema.“Essa deve ser uma preocupação de todos, não só do gestor, pois a conta de um Judiciário caro e incapaz de julgar em tempo razoável o que lhe chega é de toda a população", completou.
Opção gratuita
Os Juizados Especiais são, no Brasil, um importante meio de acesso à Justiça, pois permitem que cidadãos busquem soluções para seus conflitos cotidianos de forma rápida, eficiente e gratuita. Os órgãos servem para conciliar, julgar e executar causas de menor complexidade, que não exceda 40 salários-mínimos. Sendo que as demandas de até 20 salários-mínimos podem ser deduzidas sem a assistência de um advogado.
O juiz explicou que ocorre com frequência que ações ajuizadas na Justiça comum, com pedido de gratuidade, pelo valor e natureza da demanda, poderiam ser deduzidas nos Juizados.
“O que as pessoas ignoram é que pela menor complexidade do sistema os Juizados são muito mais eficientes. Com a mesma estrutura, normalmente uma unidade dos Juizados produz mais do que o dobro de uma unidade da Justiça comum. Consequentemente, ao propor uma demanda na Justiça comum, a parte onerará o Judiciário inúmeras vezes mais que oneraria se deduzisse nos juizados.”
Para o juiz, não se pode negar que os instrumentos passam a sofrer dificuldades de implementação quando o valor das custas supera o razoável. Nesses casos, para o magistrado, perde a população e o próprio Poder Judiciário.
“A primeira porque é privada de um serviço essencial e o segundo porque é reconhecida como uma instituição inacessível, o que, a longo prazo o torna desimportante. Como efeito direto também podemos presumir o elevado número de ações com pedido de gratuidade e, consequentemente, poucos jurisdicionais pagando custas, ou seja, baixa arrecadação.”