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Direito ao esquecimento na área cível: Toffoli conta casos históricos

Os ministros iniciaram julgamento de caso de Aída Curi, mulher que teve a trágica história exibida pelo antigo programa "Linha Direta", da Rede Globo, sem autorização dos familiares.

3/2/2021

Nesta quarta-feira, 3, o plenário do STF deu início a julgamento histórico para saber se é aplicável o direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares.

Na tarde de hoje, houve apenas a leitura do relatório, as manifestações das partes e dos interessados e a primeira parte do voto do relator, o ministro Dias Toffoli, que rememorou casos históricos que tratam do importante tema. 

(Imagem: Arte Migalhas)

A sessão plenária

Quem presidiu a primeira parte da sessão de julgamentos foi a vice-presidente Rosa Weber. Luiz Fux se ausentou para representar o STF na abertura do ano legislativo. Logo após, o ministro Luís Roberto Barroso declarou sua suspeição no presente caso ficando, portanto, fora do julgamento. 

Extra autos, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, iniciou sua fala dando destaque à “epidemia do feminicídio”, que tem a ver com o tema dos autos. Dias Toffoli salientou que o tema provoca o Judiciário e que a Justiça tem trabalhado contra esta triste realidade.

Em seguida, Toffoli falou sobre a falência do Tribunal do Júri, trazendo dados do Atlas da Violência, que em 2018 mostrou que foram registradas mais de 57 mil mortes violentas, no entanto, segundo Toffoli, o trabalho do Júri não conseguiu resolver boa parte dos casos contra a vida que chegaram ao Judiciário.“[O Tribunal do Júri] não se presta a penalizar, a sancionar o que gera esse sentimento de impunidade na sociedade”, disse.

O ministro abriu seu voto citando casos históricos da doutrina francesa e alemã que versam, indiretamente, sobre o direito ao esquecimento. Estes casos envolveram publicações de biografias e exibição de materiais de vidas de pessoas anônimas. Em alguns destes episódios foi prestigiado o direito à privacidade na “perspectiva de ser deixado em paz”, expressão que passou a ser utilizada como representação do direito ao esquecimento.

"Mesmo que o fato seja verdadeiro, e em algum momento tenha se tornado público, o esquecimento seria pretensão legítima de seu partícipe, sendo oponível até mesmo aos meios de comunicação, sempre que a recordação fira a sensibilidade do indivíduo e inexista interesse histórico dos fatos."

Já em outros casos, como na Alemanha, no qual assassinos não queriam a veiculação de uma reportagem do crime ocorrido dez anos antes, mas o Tribunal negou esse direito. Toffoli também citou o caso norte-americano conhecido como “Red Kimono”, nome de filme que retratou a vida pregressa de uma mulher quando era prostituta. No julgamento, a Corte da Califórnia entendeu que a mulher retratada no filme tem “direito à felicidade”, que inclui ser reabilitada na sociedade livres de ataques.

O ministro observou que muitos dos precedentes mais longínquos apontados no debate do direito ao esquecimento, na verdade, passaram ao largo do direito autônomo ao arrefecimento de fatos, dados ou notícias pela passagem do tempo, tendo os julgadores se valido essencialmente de institutos jurídicos bastante consolidados, tais como: ressocialização, proteção ao nome a imagem do indivíduo.

Embora tenha trazido casos históricos, Toffoli afirmou que é na contemporaneidade que se tem campo fértil para o debate do tema, especialmente no que se refere ao desenvolvimento tecnológico para a privacidade das pessoas. 

Pelos familiares de Aída Curi, que ingressaram com a ação, falou o advogado Roberto Algranti Filho, que ressaltou as consequências negativas que uma tragédia como essa pode causar na vida dos familiares; dentre elas, a síndrome de estresse pós-traumático. O advogado salientou que o programa exibiu cenas mórbidas e afirmou: “Se V. Exas. assistirem, saberão que presenciaram a perpetuação de uma dor”. Por fim, o causídico defendeu que não há precedentes a impedir o reconhecimento ao direito ao esquecimento. O advogado refutou o argumento de que o direito ao esquecimento se equipara à tese de “queima de livros”, já que o caso passa pela esfera individual e particular da vida de uma pessoa que não é pública. 

Pela Rede Globo, o advogado Gustavo Binenbojm defendeu que não há diploma legislativo que contemple o direito ao esquecimento. Para o causídico, nem a vontade do titular, nem o mero decurso do tempo podem justificar o apagamento de fatos da memória coletiva. “É um silêncio eloquente”, defendeu. O advogado salientou que o direito de informar, de se informar e de ser informado não se refere apenas a fatos contemporâneos, mas também a fatos pretéritos.

“O direito à informação não está submetido pela Constituição a nenhuma espécie de decadência ou prescrição. O mero desejo de não ser lembrado não configura direito fundamental.

A advogada Taís Borja Gasparian, representando a Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, admitida como amicus curiae, defendeu que não há registros do vídeo nos dias de hoje, especialmente no que se refere à internet. Para a advogada, o que existe é uma tentativa de proibição de representação do caso de Aída Curi, pois em outras tragédias não há a invocação ao direito ao esquecimento, como no caso de Suzane Von Richthofen.

O Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, amicus curiae, foi representado pelo advogado Carlos Affonso de Souza Neto, que salientou que o Marco Civil da Internet e a LGPD são silentes quanto ao direito ao esquecimento. O advogado pugnou para que o caso de Aída Curi não represente censura ou forma de restrição ao acesso à informação, que é o que o direito ao esquecimento representa, segundo a entidade. 

Por outro lado, Anderson Schreiber, pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil, afirmou que o direito ao esquecimento não é um direito de apagar o registro histórico de um fato de ou de remodelar a história, mas um direito que as pessoas têm de serem retratadas, perante a opinião pública de uma forma fidedigna ao que elas realmente são. O advogado citou como exemplo o caso de uma mulher estuprada e que é constantemente lembrada pela mídia por conta desta tragédia. Nesse sentido, pugnou pelo reconhecimento ao direito ao esquecimento. 

Pelo Google Brasil, por meio do advogado Eduardo Mendonça, entende que a proteção aos direitos de personalidade já acontece. Segundo o advogado, a jurisprudência mostra que, frequentemente, a Justiça determina a exclusão de conteúdos porque extrapolaram o direito à liberdade de expressão, "há uma proteção muito robusta dos direitos da personalidade". Segundo o causídico, o Brasil tem caído sistematicamente em hankings de liberdade de expressão. 

O Instituto Palavra Aberta, pelo advogado Oscar Vilhena Vieira, defende que acolher o direito ao esquecimento seria virar as costas para uma robusta jurisprudência do STF cristalizada no caso das biografias não autorizadas. Segundo o advogado, a Corte reconheceu, por unanimidade, a prevalência do direito à informação sobre a vontade sobjetiva do biografado. 

O advogado José Eduardo Martins Cardozo, pelo Pluris - Insituto de Direito Partidário e Político, entende que o caso versa sobre os limites ao direito ao esquecimento e não sobre sua possibilidade, pois tal instituto já faz parte do Estado de Direito. "O tempo não elimina a dor, a amortece", afirmou o advogado ao relembrar que Aída Curi não era uma pessoa pública, mas a Rede Globo procurou o interesse "do público" ao reproduzir sua história. Se manifestou. por fim, pelo reconhecimento ao direito ao esquecimento.

Pela Yahoo, do Brasil, o advogado André Zonatto Giaccheta defendeu que o direito ao esquecimento, e seus possíveis reflexos na internet, podem trazer maiores problemas do que soluções. Segundo o advogado, a aplicação do instituto pode vir a criar uma "indústria do esquecimento", à semelhança daquela do dano moral. 

Adriele Pinheiro Reis Ayres Britto, pelo Instituto Vladimir Herzog, ressaltou que não se pode conceber a existência de um direito ao esquecimento ou impôr a aplicação desse instituto. "Não se pode impor a quem quer que seja, um dever de esquecer um ato ilítico ou desabonador cometido por outrem. O direito à memória, dotado do mais alto interesse público, é diametralmente oposto à imposição de um dever de esquecimento". A advogada se manifestou pelo reconhecimento de um regime jurídico de direito à memória e não ao de esquecimento. 

O vice-PGR Humberto Martins se manifestou pela negativa de provimento, ao salientar o problema lógico-jurídico que envolve caso. O vice-PGR explicou que é possível descartar do processo uma prova ilícita e analisar o processo como se aquilo não existisse, no entanto, a pretensão de que o jurídico possa se descolar da realidade e do factual, "acho uma pretensão exagerada".

De acordo com Humberto Martins, toda vez que se dá competência e poder a alguém de restringir a expressão alheia, a prudência foi em dizer que estes valores são invioláveis e que a proteção à inviolabilidade não se faz pelo silêncio, apagamento ou esquecimento, mas se faz pelo controle do abuso ou por meio da indenização.

Entenda o caso

Os irmãos de Aida Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do conhecido crime ser apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, já o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.  

Nos Tribunais Superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.

Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O tema ganhou amplitude nos últimos anos, como se nota pela sintética linha do tempo que destaca relevantes decisões sobre a matéria:

 

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