Contestar decisões judiciais por meios processuais idôneos, sim; desrespeitar por ato de puro arbítrio, jamais. A afirmação categórica é do ministro aposentado do STF Celso de Mello que, ao longo de 55 páginas, discorreu acerca da importância do fiel cumprimento das decisões judiciais, quando era relator do inquérito que apura a suposta interferência de Bolsonaro na PF.
Na decisão de maio do ano passado, o ministro observou que Bolsonaro, por meio da AGU, cumpriu determinação judicial e apresentou ao STF a gravação da reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Para Celso de Mello, Bolsonaro, na verdade, fez o que qualquer autoridade pública ou cidadão deveria fazer: obedecer a ordens judiciais.
Embora óbvia, a fala de Celso de Mello nem sempre é seguida à risca, especialmente por aqueles que distribuem à Justiça: não tem sido raro encontrar desobediências às decisões judiciais, especialmente, àquelas que vêm do próprio Supremo.
Obstáculos indevidos
Foi o que aconteceu recentemente com o ministro Lewandowski que observou, por duas vezes, o descumprimento de suas determinações no caso de acesso do ex-presidente Lula a arquivos da operação Spoofing.
Em 29 de dezembro, Lewandowski determinou ao juízo da 10ª vara Federal Criminal do DF o acesso às mensagens. No entanto, a determinação não foi cumprida sob o argumento de necessitar da vista do MP. Em 31/12 e em 4/1, o ministro teve de reiterar o cumprimento de sua decisão, mediante intimação por oficial de Justiça.
Caso semelhante ocorreu com o acesso aos dados do acordo firmado pela Odebrecht. Em agosto do ano passado, a 2ª turma garantiu acesso de Lula a acordos de leniência entre Odebrecht e MPF, no caso em que Lula é acusado de receber supostas vantagens da empreiteira.
Meses mais tarde, em novembro, o ministro Lewandowski teve de reafirmar o cumprimento da decisão colegiada. Em sua decisão, o ministro Lewandowski afirma que o Juízo da 13ª vara Federal de Curitiba impôs “obstáculos indevidos” ao cumprimento da decisão do STF, afrontando, de modo direto, uma determinação da Corte, ao submeter a entrega dos elementos de prova a escrutínio do MPF e da empreiteira.
Resistência
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes também viu sua decisão desobedecida pelo juízo da 35ª Zona Eleitoral do Ceará. Gilmar Mendes mandou que aquele juízo procedesse à imediata diplomação de José Firmino de Arruda e Marcelo Ferreira Moreira, prefeito e vice-prefeito eleitos de Viçosa do Ceará.
O juízo eleitoral havia solicitado ao gabinete do relator no Supremo esclarecimentos sobre a liminar deferida na reclamação, mas, para Gilmar, a decisão na reclamação era "clara e inequívoca" e que aquele aquele órgão "resiste injustificadamente ao cumprimento das ordens emanadas desta Corte".
Gilmar advertiu a 35ª Zona Eleitoral dizendo que novo descumprimento da determinação ensejaria encaminhamento de cópia dos autos aos órgãos disciplinares da magistratura.
Do RJ
Em novembro do ano passado, o juiz Federal Marcelo Bretas se recusou a devolver o passaporte de um acusado mesmo após determinação do ministro Rogério Schietti, do STJ. Bretas alegou que a devolução iria expor o servidor designado à covid-19.
O ministro Schietti, então, reiterou a decisão ressaltando que a pandemia não pode interferir na prestação jurisdicional e na solução de questões urgentes, que demandem serviços presenciais, principalmente aquelas relacionadas ao direito de locomoção.
Bretas, então, emitiu outro despacho/decisão dizendo ser curto o prazo fixado pelo ministro (de 24 horas e que o juízo está administrativamente submetido ao TRF-2), que estabeleceu procedimento a ser seguido para realização de atividades presenciais.
Após a nova decisão do ministro, Bretas oficiou a diretoria a fazer a entrega, mas reiterou que os servidores estariam impossibilitados de realizar atividades presenciais.
Desobediência parlamentar
Em 2016, o descumprimento veio do Senado. Contrariando decisão do ministro Marco Aurélio, a Mesa Diretora decidiu que esperaria a manifestação do plenário para deliberar acerca do afastamento de Renan Calheiros, à época presidente da Casa. Veja como o Senado se manifestou naquele ano:
No dia seguinte à manifestação do Senado, o plenário do STF decidiu manter o senador Renan Calheiros como presidente do Senado, com a ressalva de que ele não poderia assumir a presidência da República em caso de sucessão ou substituição. O Tribunal manteve apenas parcialmente a liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que afastava Renan do cargo em função da condição de réu em processo penal no próprio STF.