A advogada Carolina Xavier da Silveira Moreira, sócia da do escritório Costa e Tavares Paes Advogados, acaba de lançar o livro "O dever de renegociar em contratos de longa duração". A obra reflete a preocupação com a necessidade de proteção jurídica célere em meio aos conflitos instaurados nas relações obrigacionais, como forma de consecução da justiça social.
O estudo se mostra pertinente, na medida em que trata das fissuras (ou rompimentos, em alguns casos) nas relações jurídicas negociais em vigor, em grande medida causadas pela crise econômica, cujo embrião está não só ligado à própria crise econômica mundial (2008/2009) - sentida no Brasil a partir da segunda metade de 2014 -, como, também e especialmente, nos reflexos gerados pela operação Lava Jato, que expôs a corrupção sistêmica que contaminava diversos setores da economia.
Setores esses que foram paralisados, tais quais a indústria naval e a construção civil, o que gerou o inadimplemento de inúmeros contratos, já que, no mais das vezes, a relação jurídica existente era complexa. Isto é, envolvia a contratação em cadeia de diversas pessoas. E a paralisação ou suspensão de pagamentos por parte de um contratante, geralmente o principal, ou seja, aquele que havia dado azo à contratação em cadeia, acarretou a imediata suspensão ou paralisação de diversos outros contratos. "É exemplo paradigmático do quanto se afirma o caso Petrobras/Sete Brasil, que gerou reflexos em inúmeros estaleiros nacionais, que tiveram que requerer recuperação judicial (ex. Ecovix, EISA, Enseada etc.)", comenta Xavier.
Ao lado disso, iniciou-se no meio jurídico um movimento bastante acentuado de renegociação contratual, que trazia em seu bojo hipóteses de suspensão da execução contratual e/ou alteração das condições de cumprimento e pagamento da prestação pactuada, muitas vezes acompanhada pela redefinição do escopo do quanto contratado, sem que isso implicasse a novação do contrato.
Geralmente, tais renegociações eram iniciadas por força de cláusulas contratuais nesse sentido, as denominadas cláusulas hardship ou, ainda, por meio das cláusulas escalonadas.
Nesse sentido, na ausência de disposição contratual sobre obrigação de renegociar e se as partes, voluntariamente, não se dispuserem a tanto, a autora questiona se existe alguma ferramenta no ordenamento jurídico apta a determinar que as partes renegociem os parâmetros contratuais, a fim de evitar a resolução de milhares de contratos.
A desnaturação dos riscos assumidos pelas partes contratantes ao longo da execução contratual, em decorrência de alterações das circunstâncias externas inicialmente existentes, reforça a importância do trabalho.
O que se busca, com o estudo, é conciliar a liberdade dos contratantes diante do impacto negativo que o rompimento prematuro de determinada relação jurídica poderá causar na sociedade que a permeia e que com ela tem alguma conexão.
Ao mesmo tempo em que a relação jurídica negocial deve, o quanto possível, estar imune às intervenções externas, deve, também, estar atenta não só ao puro interesse das partes contratantes, como, também, ao interesse daqueles que são atingidos por tal relação contratual. "Isso porque, aqueles que concluem negócio jurídico complexo e de grande porte sabem que aquela relação jurídica gerará a conclusão de diversos outros negócios jurídicos e, em inúmeros casos, será o motor econômico de determinada localidade ou região. Assim, entre romper e conservar, não só o interesse das partes contratantes deve ser sopesado, como, também, o interesse de todos aqueles diretamente impactados por eventual rompimento contratual", diz Xavier.
O dever de renegociar, fruto da convivência entre autonomia privada, boa-fé objetiva e função social do contrato, exsurge como uma solução viável para tal problema, o que encontra fundamento, principalmente, nos artigos 421 e 422 do Código Civil e acaba por dar concretude ao princípio da conservação dos negócios jurídicos.
O dever de renegociar foi, ainda, reforçado pela Lei da Liberdade Econômica, que introduziu o artigo 421-A no Código Civil. Tal dispositivo legal determina que os riscos alocados entre as partes devem ser observados, sendo a revisão contratual medida excepcional. E, se assim é, uma vez desnaturado os riscos inicialmente assumidos pelas partes, estas devem, de boa-fé, renegociar as bases contratuais para que, na medida do possível, a alocação de tais riscos seja devidamente recomposta.
A pertinência da obra ganhou ainda mais relevância com a crise econômica deflagrada pela Covid-19, cujos efeitos já são e serão sentidos por muito tempo na economia e, pois, no Direito Privado.
Em síntese, o objetivo da obra é analisar no negócio jurídico patrimonial de longa duração as intempéries ocorridas durante a execução da obrigação contratada e, especialmente, se o inadimplemento necessariamente deve acarretar a resolução contratual. Em caso negativo, analisa-se como e em que medida o dever de renegociar tem aplicação para que o negócio jurídico seja conservado.
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