Nesta quarta-feira, 25, o plenário do STF retomou julgamento de dois recursos que tratam da possibilidade de diferenciação de data e horário, em concurso e estágio probatório, em razão de crença religiosa. Até o momento, há três correntes de entendimento:
- Toffoli e Nunes Marques: não impor ao Estado a obrigação de disponibilizar diferenciação para candidatos e servidores em razão da crença religiosa;
- Edson Fachin: o Estado deve oferecer condições alternativas para que seja assegurada a liberdade religiosa ao candidato e ao servidor;
- Moraes, Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia e Lewandowski: há a possibilidade de alteração de data e horário, desde que observados limites, tais como razoabilidade, isonomia e não gerar ônus à Administração Pública.
O julgamento continua na sessão de amanhã, 26.
Casos
No RE 611.874, a União questiona decisão do TRF da 1ª região que entendeu que um candidato adventista poderia realizar a avaliação em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.
O ARE 1.099.099, por sua vez, foi interposto contra decisão do TJ/SP que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado.
- Pela não obrigatoriedade de o Estado possibilitar diferenciação:
O relator Dias Toffoli afirmou que o Estado assegura a liberdade dos indivíduos de crerem de que o sábado deva ser resguardado às atividades religiosas, todavia, daí não decorre o direito de exigir do Estado, ou mesmo de outros particulares, a modificação da forma de cumprimento de obrigações espontaneamente assumidas.
Assim propôs as seguintes teses:
“Não há direito subjetivo à remarcação de data e horário de diversos daqueles previamente fixados pela comissão examinadora, com base na liberdade religiosa, mas pode a Administração Pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público.”
"Inexiste dever do administrador de: em face do direito à liberdade de crença, disponibilizar a servidor público em estágio probatório forma alternativa de cumprimento de seus deveres funcionais, sem prejuízo da possibilidade da avaliação administrativa quanto à conciliação do interesse público com o interesse ao pleito do servidor."
O ministro Nunes Marques seguiu o entendimento de Dias Toffoli, ou seja, a realização da prova aos sábados não viola o direito de culto e não existe dever do administrador de disponibilizar a servidor público, em estágio probatório, forma alternativa de cumprimento de seus deveres funcionais por crença religiosa.
Nunes Marques salientou o alto custo imposto ao Estado para atender aos interesses de determinados grupos religiosos: "Alto custo social e administrativo para a remarcar". O ministro afirmou que não há previsão em lei para obrigar o Estado disponibilizar possibilidades sobre o tema e, no caso, não havia previsão no edital.
"A liberdade de crença impõe o reconhecimento de cada pessoa tem o domínio de sua trajetória religiosa e de perfilhar as medidas necessárias a concretização de seus projetos de vida. Se de um lado cada um deve ter liberdade de crer no quiser, isso não significa que o Estado deva associar-se as mesmas crenças e, com imprevisíveis consequências, ser compelido sem previsão em lei a criar meios alternativos a fim de atender as restrições dos mais diversos mandamentos religiosos."
- Pela obrigatoriedade de o Estado possibilitar diferenciação:
O relator do outro caso, o ministro Edson Fachin entende que deve ser permitida a realocação de datas e horários alternativos para realização de concurso por motivos religiosos. Ao enfatizar a liberdade religiosa, o ministro afirmou que o administrador deve oferecer alternativas para que obrigações alternativas sejam cumpridas para assegurar a liberdade religiosa em estágio probatório. Propôs, então, as seguintes teses:
"Diante da objeção de consciência por motivos religiosos, previamente apresentado devidamente fundamentada, a dever do gestor público, de disponibilizar datas e horários alternativos para a realização de etapa de concurso público, certame público ou vestibular por força de crença religiosa."
"O administrador deve oferecer obrigações alternativas para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório."
- Pela obrigatoriedade de o Estado possibilitar diferenciação, com limites:
O ministro Alexandre de Moraes discursou a favor da liberdade religiosa: “a coerção à pessoa humana de forma a constrangê-la, total ou parcialmente, representa desrespeito à diversidade democrática de ideias”.
Pela ótica da liberdade e tolerância, Moraes ponderou que o Poder Público não está obrigado a seguir os dogmas e nem o calendário religioso, “mas o poder Público não pode fazer tábula rasa da liberdade religiosa, impedindo que todos os adeptos de uma determinada religião não possam nem ter acesso a concursos, nem possam exercer os cargos públicos”.
“Óbvio que o poder Público não deve consultar calendários religiosos para fixar sua rotina administrativa, mas não seria razoável impedir que, em virtude de determinada religião, uma pessoa estivesse terminantemente impedida de pleitear acesso a determinado cargo público.”
Por fim, entendeu não há comprometimento à laicidade do Estado a diferenciação, em concurso e estágio probatório por crença religiosa e propôs as seguintes teses:
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que invoque a escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade entre todos os candidatos.”
“Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a administração pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração e não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções.”
O ministro Luís Roberto Barroso entendeu que o candidato em concurso público tem direito a realizar etapas do certame em data e horário distintos previstos no edital desde que: (i) não crie um ônus desproporcional à Administração Pública e não interfira na isonomia do concurso público.
Além disso, o ministro afirmou é dever do administrador público considerar alternativas razoáveis para servidor em estágio probatório cumprir deveres funcionais, que importem em violação de crença religiosa, desde que isso não crie um ônus desproporcional para a Administração Pública. Segundo Barroso, nos casos em que a Administração Pública negar a solução de acomodação religiosa, deverá justificar a decisão em regular processo administrativo.
Ao avaliar o caso, a ministra Rosa Weber observou não foi compravado qualquer prejuízo à Administração pública ou transtorno aos demais candidatos que implicassem tratamento privilegiado no caso da mudança da data de concurso público. Para S. Exa., o requerimento feito com antecedência permitiu a acomodação prática com a organização pública. Rosa Weber saleintou que há um dever de proteção da Administração Pública para promover as acomodações necessárias.
“O Estado separa-se da religião, mas o ser humano não se separa da fé”, assim afirmou a ministra Cármen Lúcia em seu voto. Para a ministra, o Estado deve respeitar a escolha religiosa do indivíduo e, portanto, colocou-se de acordo com os fundamentos do voto do ministro Alexandre de Moraes.
- Provimento parcial
O ministro Ricardo Lewandowski deu provimento parcial ao RE apenas para reconhecer a inexistência de direito subjetivo à remarcação de data e horário em razão de crença religiosa. Propôs a tese:
“Não há direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos daqueles determinados previamente por comissão organizadora de certame público ou vestibular por crença religiosa. Devendo a administração pública, observado o postulado da razoabilidade e desde que não acarrete um ônus desproporcional, avaliar a realização de concurso em dia e horário que conciliem a pretensão do candidato com princípio da isonomia e a prevalência do interesse público.”
Quanto ao ARE, o ministro entendeu que cabe ao Estado analisar e, de maneira justificada, a possibilidade de efetivar ajustes para acomodar de forma razoável os preceitos religiosos da servidora.