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Advogada aborda regras de preço de transferência no Brasil

Patrícia Varela explica ser possível que país passe por algum tipo de regime de transição para alinhamento das regras às normas internacionais.

20/11/2020

Em entrevista ao Migalhas, a advogada tributarista Patrícia Varela (Castro Barros Advogados), falou sobre o alinhamento das regras brasileiras de preço de transferência.

Varela abordou o plano de trabalho da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e da RFB - Receita Federal do Brasil para atingir um alinhamento global, no qual foi analisado as semelhanças e divergências das regras brasileiras de preços de transferência, em comparação com as normas internacionais. 

Patrícia Varela(Imagem: Reprodução.)

Veja a entrevista:

Migalhas: Em qual estágio o Brasil está no alinhamento das regras brasileiras de preço de transferência às normas internacionais? 

Patrícia Varela: A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Receita Federal do Brasil (RFB) iniciaram, em fevereiro de 2018, com o objetivo de atingir um alinhamento global, um plano de trabalho para analisar as semelhanças e divergências das regras brasileiras de preços de transferência, em comparação com as normas internacionais que observam as Diretrizes da OCDE.

Em dezembro de 2019 foi lançado o Relatório Conjunto OCDE-RFB, no qual foram identificadas as principais divergências e destacadas as principais ineficiências da legislação brasileira, que acabavam ocasionando, no âmbito internacional, hipóteses de dupla tributação, ou ainda de dupla não tributação, aumentando, assim, a probabilidade de riscos de erosão da base tributária e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifiting- BEPS).  

Diante desse cenário, concluíram que a melhor alternativa para o Brasil seria o alinhamento integral com as diretrizes desenvolvidas pela OCDE.   

Todavia, considerando que o sistema de margens fixas previstas nas normas brasileiras garante, no âmbito doméstico, uma maior simplicidade e segurança jurídica, os contribuintes brasileiros expressaram preocupações quanto ao possível aumento de complexidade, custos e litígios, por ocasião da implementação de novas normas no Brasil. 

Assim é que, no início deste ano, foi lançada uma pesquisa pública para o desenvolvimento de medidas de simplificação setoriais (para o desenvolvimento de safe harbours, levantamento de informações para dados de comparáveis, e desenvolvimento de Acordos de Preços Antecipados – Advanced Price Agreement- APAs entre outras), como parte da fase de implementação do projeto conjunto de preços de transferência.   

Atualmente, a RFB e a OCDE analisam as respostas dos contribuintes à pesquisa pública realizada, para que, a partir disso, possam desenvolver um ambiente normativo com novas regras brasileiras de preço de transferência, incluindo, nesse contexto, medidas de simplificação.  

É importante ressaltar, no entanto, que ainda existem diversas lacunas no Relatório Conjunto OCDE-RFB que precisam ser endereçadas de forma a alcançarmos um alinhamento integral com as normas internacionais, principalmente no que se refere ao tratamento a ser dispensado às transações mais complexas (exemplo: uso ou transferência de intangíveis, serviços intragrupo, acordos de contribuição de custos, reestruturações de empresas e transações financeiras), que não são contempladas pela norma brasileira.  

Migalhas: Há opções de alinhamento com o Padrão OCDE para o Brasil: alinhamento total e imediato ao modelo OCDE ou alinhamento total e gradual. Qual seria mais recomendado para os agentes brasileiros?  

Patrícia Varela: No Relatório Conjunto OCDE-RFB, divulgado no final do ano passado, existem duas opções possíveis para o alinhamento: i) o alinhamento total e imediato, o que contempla a alteração imediata das novas regras de preços de transferência para todos os contribuintes; e (ii) o alinhamento completo e gradual, a ser realizado considerando os tipos de transações ou as características das empresas, estruturado em etapas, para a implementação gradual das novas disposições.   

Considerando as diferenças existentes entre a atual norma de preço de transferência brasileira e as normas internacionais que observam as diretrizes da OCDE, é pertinente a implementação de condições para uma transição progressiva, levando em conta o tipo de transação, ou o setor, ou, ainda, características do contribuinte.   

Nesse sentido, é possível que tenhamos algum tipo de regime de transição, como ocorreu quando do alinhamento das normas contábeis brasileiras às normas internacionais (IFRS). O regime de transição é importante para a adaptação dos contribuintes às novas regras, como também para garantir a capacitação da própria administração fazendária.  

Migalhas: Há uma corrente que defendia que um dos grandes obstáculos seria a burocracia brasileira. Essas barreiras estão sendo vencidas?  

Patrícia Varela: Durante todo o projeto, OCDE-RFB analisam medidas para garantir a simplificação e segurança jurídica aos contribuintes brasileiros, no alinhamento das regras brasileiras de preço de transferência com as normas internacionais, em observância às diretrizes da OCDE.   

A burocracia brasileira, porém, é sim um grande obstáculo a ser superado nas diversas fases da implementação das novas regras:  

(i) durante o desenvolvimento das novas regras brasileiras de preço de transferência, considerando a complexidade do tema, e das normas tributárias em geral, a redação deve ser clara e objetiva. Adicionalmente, deverá versar sobre as medidas de simplificação e as transações complexas (conforme mencionado anteriormente) e a documentação;  

(ii) o processo de aprovação da nova norma, que poderá ocorrer por Medida Provisória (MP) ou Projeto de Lei, requerendo, assim, a aprovação do Congresso Nacional e do Presidente da República;  

(ii) na implementação da nova norma, que enfrentará o desafio da clareza da redação, da capacitação dos contribuintes e da administração fazendária à nova metodologia e os requisitos.   

Tendo em vista que estamos migrando de um sistema objetivo - baseado em margens fixas pré-estabelecidas - que permite o contribuinte aplicar o método que lhe é mais benéfico -, para um sistema subjetivo que depende da interpretação pelo contribuinte e da autoridade tributária quanto ao alcance do conceito de arm’s lenght, em muitos casos do uso de comparáveis, e da interpretação de qual seria o método mais apropriado para a transação, estima-se um aumento no contencioso em matéria de preços de transferência no País (processos demorados, de aplicação imprevisível ou inconsistente de padrões internacionais).  

Nesse contexto, um desafio a ser enfrentado será a mudança no relacionamento contribuinte-autoridade tributária. Por exemplo, para a aplicação do Mutual Agreement Procedure(MAP), enfrentaremos, ainda, a falta de experiência internacional na administração tributária.  

Migalhas: O relatório que orienta as bases desse alinhamento recomenda que o Brasil adote margens fixas o que vai de encontro ao princípio arm's lenght, pois estas não refletem a realidade econômica de todas as operações. Qual caminho podemos seguir?  

Patrícia Varela: A RFB e os contribuintes brasileiros, em geral, defendem a manutenção das margens fixas previstas na legislação brasileira, pois, no âmbito doméstico, trazem simplicidade à aplicação das regras e proporcionam segurança jurídica aos contribuintes.   

Todavia, sob a perspectiva internacional, a utilização de tais margens diverge da realidade econômica e da aplicação dos padrões internacionais de tributação pela maioria das jurisdições. Isto pode gerar um aumento da incerteza tributária, levando, em muitos casos, à dupla tributação ou dupla não tributação, com o aumento da probabilidade de riscos quanto ao BEPS. 

Por isso, considerando a perspectiva internacional, definiu-se que a única opção seria pelo alinhamento integral com o padrão internacional.  

Como falado, OCDE-RFB estão atuando com base nas respostas à consulta pública, analisando possíveis safe harbours que garantiriam simplificação e segurança jurídica. Não se sabe, ainda, se podem ser mantidas margens fixas para determinado setor ou transação.   

Migalhas: A OCDE apresenta 5 métodos de definição de preços de transferência, sendo que dois deles não são adotados no Brasil. São eles o Transactional Net Margin Method (TNMM) e o Profit Split. Na mesma linha, qual será a via encontrada para os interesses nacionais?  

Patrícia Varela: A ausência do método Transactional Net Margin (TNMM) internacionalmente aceito, e que, de certa forma, proporciona certa simplificação, é um ponto de potencial dificuldade e incerteza para os contribuintes brasileiros, no âmbito do estabelecimento de sua política global de preços de transferência. Por essa razão, tem-se que a ausência do TNMM aumenta o risco de incerteza em âmbito internacional.  

Igualmente, considerando que o Profit Split é o método mais apropriado quando as empresas fazem contribuições únicas/valiosas ou controlam conjuntamente riscos economicamente significativos, a ausência desse método pode comprometer a alocação adequada de receita e limitar a capacidade da administração tributária de alocar a base tributável apropriada aos contribuintes no Brasil, aumentando, por conseguinte, a probabilidade de riscos de BEPS.  

O alinhamento integral, como tratado anteriormente, deve ser de fato integral, e os novos métodos devem ser contemplados na nova legislação, a fim de atrair maior segurança jurídica no âmbito internacional. 

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