Nesta quinta-feira, 19, o plenário do STF retomou julgamento de ações que envolvem direitos fundamentais: mudança de data de concurso por crença religiosa e obrigação alternativa em razão de crença religiosa de servidor em estágio probatório. Na sessão de hoje, foram feitas as sustentações orais e proferidos os votos dos relatores.
Para Dias Toffoli não há direito subjetivo à remarcação de provas de concursos por crença religiosa. Já para o ministro Edson Fachin, deve ser permitida a realocação de datas para realização de concurso por motivos religiosos. O julgamento continuará na próxima quarta, 25.
Voto - Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli proferiu resumo do voto no retorno da sessão. De início, afirmou que o julgamento "não terá alcance sobre toda e qualquer situação fática" em que os princípios da isonomia e da liberdade religosa estejam na pauta. O elemento limitador do alcance do julgado é a situação em que o exercicio da escusa de consciência pelo indivíduo está ocorrendo quando há uma faculdade ou obrigação que ele espontaneamente assume.
S. Exa. explicou que a pluralidade de crenças é fruto da secularização no processo histórico, representando um rompimento com o monopólio religioso. Toffoli citou documento da ONU – intitulado “Liberdade cultural num mundo diversificado” - de que "a secularização não implica afastamento absoluto do Estado em relação à religião".
Em capítulo do voto dedicado às relações do Estado e da Igreja resultantes no laicismo e laicidade, esclareceu que o laicismo é o "exercício religioso circunscrito à esfera privada", enquanto a laicidade "pressupõe uma separação entre Estado e religião, baseada em postura de não-intervenção, proibindo-se o estabelecimento de uma religião oficial".
"O Brasil é uma sociedade secularizada e laica já que não tem religião oficial e respeita todas as crenças religiosas", afirmou Toffoli; entretanto, prosseguiu, o fato de o Estado ser laico não lhe imputa uma postura negativa em face da crença religiosa.
Toffoli acredita não ser possível a "modificação da forma de cumprimento de faculdades ou obrigações espontaneamente assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada". S. Exa. esclareceu que o direito de crença como o de liberdade impõe ao Estado que o permita e o projeta e aos particulares que os respeite e tolere, mas que "o direito de crença é também o direito de não crer", não sendo possível autorizar-se "privilégio não extensível aos que têm outras crenças ou simplesmente não creem".
Para S. Exa., há de se estabelecer "fronteiras ao exercício do direito de liberdade de crença considerando-se os demais direitos".
"Embora a Constituição Federal proteja a liberdade de crença e consciência não prescreve em nenhum momento o dever estatal de promover condições para exercicio ou acesso das determinações de cada crença religiosa. Pensar o contrário invabilizaria por completo a Administração Pública, uma vez que seria impossível atender concomitantente a todas as religiões. Estaria totalmente esvaziado o princípio da isonomia. Aqueles não optantes por determinada crença não têm obrigação legal nem constitucional de arcar com os custos de escolha alheia."
Voto - Edson Fachin
Em sentido divergente, Edson Fachin entende que deve ser permitida a realocação de datas e horários alternativos para realização de concurso por motivos religiosos. Ao enfatizar a liberdade religiosa, o ministro afirmou que o administrador deve oferecer alternativas para que obrigações alternativas sejam cumpridas para assegurar a liberdade religiosa em estágio probatório. Assim propôs as seguintes teses:
“Diante da objeção de consciência por motivos religiosos, previamente apresentado devidamente fundamentada, a dever do gestor público, de disponibilizar datas e horários alternativos para a realização de etapa de concurso público, certame público ou vestibular por força de crença religiosa.”
“O administrador deve oferecer obrigações alternativas para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório.”
Em seu voto, o ministro ressaltou a importância do estado Democrático, o pluralismo de ideias e a laicidade do Estado e afirmou que a imposição de custos de realocação de concurso por motivo religioso deve, sim, recair sobre o Estado para viabilizar o pleno exercício de crença e de culto, “desde que o incremento não inviabilize a prática do certame público”.
Fachin ressaltou que é inerente à conjugação do princípio da laicidade, com a proteção da liberdade de crença, a obrigatoriedade pelo Estado da acomodação razoável. "A separação entre igreja e Estado não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião na sua esfera privada”, disse.
Por fim, para o relator, o Estado deve proteger a diversidade em sua mais ampla dimensão, dentre as quais incluam a liberdade de culto. Ninguém deve nessa medida ser privado de seus direitos em razão de sua crença ou descrença religiosa.
Escolha da Administração
Segundo o relator Toffoli, a concessão de data ou horário alternativo a concursando ou vestibulando não corresponde a meio de efetivação de direito de professar determinada crença religiosa, mas ao contrário, caracteriza privilégio que fere o princípio da isonomia.
Toffoli recordou que a Corte reconheceu recentemente o direito de candidatas gestantes a remarcação de testes de aptidão física em concursos públicos; entretanto, para o ministro, o caso em julgamento é distinto, pois no anterior o Supremo entendeu que a prática de exercicio físico poderia colocar em risco a saúde da gestante e do próprio bebê.
Para Toffoli, a Administração pode estabelecer previamente mecanismos para conciliar o interesse público com a liberdade de crença.
"Nada obsta que a Administração Pública, ao realizar um concurso público ou vestibular, escolha datas não coincidentes com a sexta-feira ou sábado. Todavia a escolha cabe apenas à Administraçaõ, pois somente ela sabe os custos reais. Não há direito subjetivo à remarcação de prova com base na liberdade religiosa."
O voto do ministro propõe a modulação dos efeitos para manter a validade das provas realizadas em razão de decisões judiciais até a conclusão do julgamento. A tese final do relator Toffoli é de que não há direito subjetivo à remarcação de data e horário de diversos daqueles previamente fixados pela comissão examinadora, com base na liberdade religiosa, mas pode a Administração Pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público.
Sustentações orais
O advogado-Geral da União José Levi ressaltou, citando extensa doutrina, a importância da liberdade religiosa, diretamente da qual outras liberdades laicas encontram espaço. Com relação ao caso concreto (prova de concurso público no sábado, guardado por várias religiões), Levi assentou que, independentemente de qual seja a religião, "em comum todos temos a igual dignidade humana que requer do Estado igual reconhecimento".
Assim, defendeu como acertadas as orientações dos ministérios da Economia e da Família e da Mulher no sentido de flexibilizar as datas de realizações de provas, "exceto em face da impossibilidade material devidamente motivada, o que deve ser muito excepcional".
Em seguida, a advogada Patricia Conceição Morais sustentou oralmente em defesa de servidora que não obteve aprovação em estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade. Segundo os autos, ela não aceitou ministrar aulas às sextas-feiras após o pôr do sol e teria faltado 90 vezes injustificadamente em razão de suas convicções religiosas.
Por sua vez, a advogada Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro falou em nome de aprovado em concurso público que realizou prova prática em outro dia, após impetrar MS. A causídica destacou que o Brasil tem a maior comunidade adventista do mundo (2,5 mi). Conforme a advogada, "o Estado tem constitucionalmente a obrigação de dar prestação alternativa a essas pessoas que invocam suas convicções religiosas"; e recordou também que no Enem, por oito anos, facultou-se aos estudantes adventistas a realização das provas em horários alternativos.
Assim, pugnou para que o Supremo fixe a premissa de que a regra é acomodar o pluralismo religioso, de modo que "compete ao Poder Público, em regra, oferecer horários alternativos para exames, concursos e provas àqueles que por sincera convicção religiosa devem guardar os sábados, a não ser em hipóteses excepcionalíssimas, sempre comprovadas".
Amici curiae
O julgamento na Corte Suprema contou também com a sustentação oral dos seguintes amici curiae: a Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), as Defensorias Públicas de Minas Gerais e São Paulo e a Confederação Israelita.
O advogado Luigi Mateus Braga (Anajure) afirmou que "a Constituição Federal diz que ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa".
Da defensoria mineira, Adriana Patricia Campos Pereira destacou que a observância do sábado é "dogma religioso absoluto e inafastável" para aqueles que professam a religião adventista, e que compelir os adeptos da guarda do sábado a ferir suas crenças significa excluir os mesmos do pleno exercício da cidadania, o que seria uma "postura injustificada".
E a defensora pública de SP Fernanda Maria de Lucena, ao refutar o argumento de laicidade do Estado, mencinou que a própria CF "prevê expressamente exemplos em que as organizações eclesiásticas colaboram com o Estado em suas funções públicas".
Por fim, falou o advogado Fernando Lottenberg, da Confederação Israelita, anotando que os judeus também têm como descanso o período compreendido entre o pôr do sol da sexta-feira e o sábado.
PGR
O procurador-Geral da República Augusto Aras iniciou a sustentação afirmando que a religião constitui direito fundamental "que diz respeito a um dos aspectos mais íntimos da vida das pessoas" e, em regra, a alteração do dia da realização de prova de um concurso público para atender fiéis de determinada crença religiosa não se concilia com a isonomia.
Para Augusto Aras, o "reconhecimento de que o direito fundamental da liberdade de crença religiosa por si só não obriga o Estado a realiza etapa de concurso público em dias distintos. A comissão de concurso pode adotar esta prática quando as circunstâncias do caso concreto indicarem que a realização de data e horários distintos para o exame por motivos de crença religiosa não configurar violação à laicidade, isonomia e impessoalidade, a exemplo, no particular, da prova de aptidão física".
As teses propostas pelo PGR foram:
1 A objeção de consciência por motivos religiosos previamente apresentados e devidamente fundamentada pelo professante é justificativa para gerar dever da Administração de disponibilizar, dentro dos critérios de adaptação razoável, obrigação alternativa para servidores públicos em estágio probatório cumprirem seus deveres funcionais em observância ao dever de neutralidade religiosa do Estado e afim de evitar impacto desproporcional sobre determinado grupo religioso nas obrigações atinentes aos servidores públicos.
2 A impossibilidade de adaptação razoável após requerimento do solicitante deve ser objetivamente fundamentada pelo gestor público dentro de procedimento administrativo regular.