A escola de samba Gaviões da Fiel não deverá pagar indenização por desfile de 2019 com tema religioso. Decisão é da juíza Camila Rodrigues Borges de Azevedo, da 13ª vara Cível de São Paulo, ao negar o pedido de danos morais no valor de R$ 5 milhões da Liga Cristã Mundial. Na ação, a entidade alegava que a escola debochou do sentimento religioso dos cristãos.
Ao afastar os argumentos da entidade a magistrada defendeu que “assegurar a liberdade de expressão é, na verdade, assegurar um instrumento para exercício de outros direitos”. Para a juíza, a essência da expressão artística se encontra no "questionamento" e na "subversão".
Para fundamentar que a escola blasfemou da fé dos cristãos, a Liga afirmou que no desfile foi apresentado um passista fantasiado de "Lúcifer" que arrastava outro passista fantasiado de "Jesus Cristo" pelo chão. O primeiro personagem, conforme contou, agredia Jesus com empurrões enquanto debochava e dava gargalhadas.
Em sua defesa, a Gaviões explicou que o samba-enredo era uma reapresentação do ano de 1994, acerca da história/lenda do tabaco. Alegou que o conteúdo da atuação dos passistas era simbólico, feito em alusão ao embate entre o bem e o mal.
Expressão artística
No julgamento da magistrada, os desfiles de escolas de samba durante o carnaval são formas de expressão cultural do povo brasileiro, mesmo que seu conteúdo não sejam uma unanimidade e que o evento seja questionado por vários vieses, relacionados à religião, à luxúria e ao hedonismo. "Não obstante, tanto o apoio quanto a crítica ao evento e suas representações inserem-se no âmbito das opiniões pessoais e dos gostos particulares de cada um", escreveu a juíza.
Em sua decisão, a juíza pondera que "a expressão artística não pode estar condicionada ou limitada às representações tal como pré-estabelecidas por outrem", uma vez que tal limitação é incompatível com a expressão da arte. Além disso, explicou que "é da essência das produções artísticas encerrar em si o questionamento, a dúvida, a crítica e a subversão".
Neste sentido, a julgadora defendeu que nem sempre a arte e seus gênios estão a serviço do que se convencionou como "certo", "possível", "aceito" e "admissível". A polêmica e a provocação, na visão da magistrada, já fazem parte do carnaval, como método de retenção da atenção dos expectadores e dos jurados.
Ao concluir seu voto, a magistrada explicou que a proteção à religiosidade deve se dar de maneira objetiva, quando se trata de garantir a liberdade de culto ou de banir discursos de ódio, o que não é o caso do desfile da Gaviões da Fiel.
Polêmica histórica
A magistrada lembrou que em 1989, a escola de samba "Beija-Flor", do Rio de Janeiro, pretendia realizar um desfile no qual o Cristo Redentor figuraria como um mendigo. A proposta foi desautorizada pelo Judiciário e a peça foi coberta por um plástico preto e assim levada ao desfile.
“Mesmo que os expectadores não visualizassem a peça tal como fora elaborada, pois oculta em plástico, a polêmica foi igual ou até maior, já que tanto o carnavalesco quanto a escola são reconhecidos, até hoje, pelo referido desfile”.
- Processo: 1038365-05.2020.8.26.0100
Veja a decisão.