Migalhas Quentes

Grupo de trabalho da DPU repudia ação de defensor contra MagaLu por trainee para negros

Ação aponta prática racista e busca condenação da empresa em R$ 10 milhões por danos coletivos.

6/10/2020

Defensores públicos federais, componentes do Grupo de Trabalho Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, publicaram nota técnica na qual manifestam “profundo repúdio” a ação de defensor público contra o programa de trainee promovido pelo Magazine Luiza, que visa contratar exclusivamente pessoas negras.

(Imagem: Pillar Pedreira/Agência Senado)

Trata-se de ACP subscrita pelo defensor público Federal Jovino Bento Júnior, cujo objeto é impedir a empresa de continuar o programa, bem como requer a condenação a R$ 10 milhões por danos morais coletivos.

Na nota, dizem que é função da Defensoria exercer a defesa dos interesses, individuais e coletivos, de grupos sociais vulneráveis, que mereçam proteção especial, e afirma que entre eles “certamente está a população negra”, na medida em que o próprio Estado, visando reduzir desigualdades e combater o racismo estrutural, lhes reconhece o direito de concorrer a vagas no ensino superior e serviço público com vagas reservadas.

Ainda de acordo com o texto, a empresa, que tem maioria branca em seus quadros, optou por conduzir política afirmativa na contratação de pessoas negras, e a polêmica gerada em torno desse fato decorre de que poucas empresas adotam postura semelhante, a qual consideram louvável.

"A posição externada pelo referido membro da DPU não reflete a missão e posição institucional da Defensoria Pública da União quanto a defesa dos direitos dos necessitados. Mais que isso, contraria os direitos do grupo vulnerável cuja DPU tem o dever irrenunciável de defender."

Os defensores afirmam que atuarão no âmbito do processo coletivo, ao lado dos movimentos sociais protetivos dos direitos da população negra, buscando o indeferimento da petição inicial ou a improcedência dos pedidos nela formulados.

O documento é assinado pela coordenadora do grupo de trabalho, defensora pública Federal Rita Cristina de Oliveira, bem como outros dez defensores.

Leia a íntegra da nota.

Apoio de entidades

A Anadep - Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos também emitiu nota na qual apoia o programa de trainee promovido exclusivamente para negros.

Afirma que mantém Comissão de Igualdade Étnico-Racial e que "práticas inclusivas devem permear a atuação de todos os integrantes da Administração Pública, iniciativa privada, bem como toda sociedade", para que se possa reduzir efetivamente as desigualdades étnico raciais do Brasil.

Confira a nota: 

Anadep manifesta-se sobre a importância de política afirmativa de equidade racial

A Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos – Anadep, entidade representativa de defensoras e defensores públicos estaduais e distritais das 27 unidades da federação – responsáveis pela promoção e proteção de direitos de milhões de pessoas em situações de vulnerabilidades, por meio de sua Comissão de Igualdade Étnico-Racial, vem a público manifestar a importância de políticas afirmativas de equidade racial, seja no âmbito público ou na iniciativa privada.

As ações afirmativas têm previsão no programa de ação de Durban, na convenção para eliminação da discriminação racial e no estatuto da igualdade racial. Toda política que vise a incluir grupos historicamente oprimidos, a exemplo da população negra, que é vítima de racismo estrutural, bem como promover direitos na esferas social, cultural, econômica e política, deve ser incentivada. Em razão disso, a ANADEP vem promovendo ações para desenvolver esta pauta, inclusive com campanha de educação em direitos.

As práticas inclusivas devem permear a atuação de todos os integrantes da administração pública, iniciativa privada, bem como toda sociedade, para que se possa reduzir efetivamente as desigualdades étnico raciais do Brasil, tornando nossa sociedade livre, justa e solidária, conforme preceitua a Constituição da República.

Dessa maneira, a Anadep reafirma seu compromisso histórico pela implementação de inúmeras políticas públicas de estatura constitucional e pela concretização de direitos fundamentais da população negra brasileira. Salienta, por fim, que a Defensoria Pública é reconhecida pela defesa técnica e intransigente das pessoas em situação de vulnerabilidade e nenhuma atuação isolada apagará anos de luta na proteção dos direitos de grupos em situações de hipervulnerabilidade.

Outubro de 2020

Diretoria Anadep

No mesmo sentido, a ABJD - Associação Brasileira de Juristas pela Democracia repudiou, em nota, tentativa de invalidar ações para contratação de negros. A entidade destacou que o combate ao racismo é dever do Estado e da sociedade, nesta incluídas as empresas.

Leia a nota:

ABJD e entidades jurídicas repudiam tentativa de invalidar ações afirmativas para contratar negros

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD, a Associação de Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia - APD, o Coletivo por um Ministério Público Transformador - Transforma MP e Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia vêm a público manifestar seu REPÚDIO em face da Ação Civil Pública nº 0000790-37.2020.5.10.0015, ajuizada pelo Defensor Público da União Jovino Bento Júnior, em que este objetiva invalidar ações afirmativas realizadas por empresa privada, para contratação de profissionais negros em cargos de trainee, pelos motivos abaixo. 

A Constituição Federal prevê no seu artigo 3º como objetivo do Estado brasileiro a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem e raça. No entanto, segundo o último relatório divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil ocupa a vergonhosa 7ª posição como o país mais desigual do mundo. Os dados do IBGE, por sua vez, comprovam que a desigualdade social no Brasil tem cor.

De fato, em decorrência da formação e desenvolvimento brasileiros, o rendimento médio mensal das pessoas negras (R$ 1.608) foi, em 2018, 73,9% inferior ao rendimento médio dos brancos (R$ 2.796), isso sem considerar a dimensão de gênero, que torna mais escandalosa essa diferença. A diferença relativa apontada corresponde a um padrão que se repete, ano a ano, na série histórica disponível, ainda segundo dados do IBGE, contexto em que a noção de inclusão se torna fundamental. 

Em relação a cargos de direção e chefia, a desigualdade racial existente no mercado de trabalho é ainda mais brutal. Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos, no ano 2010, intitulada “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas e suas Ações Afirmativas - 2010”, revelou que, nos cargos de direção, o número de brancos nas empresas analisadas era de 94,7%, apesar da maioria da população ser negra. Levantamento da plataforma “Quero Bolsa”, de bolsas de estudo no ensino superior, em 2019 apenas 3,68% dos profissionais contratados para cargos em liderança eram pessoas negras no estado de São Paulo. Quando analisado o recorte de gênero a discriminação é ainda maior. Desse total, apenas 1,45% são mulheres negras. 

Nesse sentido, as ações afirmativas previstas como políticas a serem realizadas prioritariamente para combater desigualdades raciais, conforme estabelecido no artigo 4º do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/90), constituem instrumento indispensável para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as  desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Nota Técnica 001/2018, expedida pelo Grupo de Trabalho de Raça da COORDIGUALDADE/MPT prevê expressamente a instrumentalização de ações afirmativas mediante “a contratação específica de trabalhadores oriundos da população negra. E, para tanto, revela-se premente a possibilidade de anúncios específicos, plataformas com possibilidade de tais reservas, garantia de vagas específicas.”

A realização da igualdade material passa pela eliminação de barreiras estruturais e conjunturais que possam impedir as pessoas de realizarem plenamente seu potencial. Nesse contexto, é que o Estatuto da Igualdade Racial estabelece como dever do Estado e da sociedade civil (artigo 2º) assegurar igualdade de oportunidades à população negra no acesso a direitos, a fim de superar as desigualdades h historicamente construídas por quase 400 anos de escravidão.

O combate ao racismo é dever do Estado e da sociedade, nesta incluídas as empresas, e a igualdade de oportunidades deve ser assegurada de forma prioritária através de ações afirmativas, pelo setor público e privado, devendo ser um compromisso de toda a sociedade. Neste sentido, a atitude da empresa Magazine Luíza, de selecionar pessoas negras para cargos de direção, é louvável e atende aos objetivos fundamentais da Constituição brasileira. Deve ser amplamente replicada por outras empresas que queiram de fato se insurgir contra a naturalização de desigualdades sociais e racismo estrutural.

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