Mais de 80% dos pós-graduandos da Faculdade de Direito da USP relataram adoecimento psicológico (como transtorno de ansiedade, depressão e insônia) desde que iniciado o período da pandemia. Apesar do quadro revelado em pesquisa com os quase 300 alunos, os estudantes enfrentam dificuldades na prorrogação dos prazos para depósito das teses e dissertações por parte da Faculdade.
Desde março, com a chegada da covid-19 no Brasil, a universidade suspendeu as aulas e, com isso, os alunos também não puderem mais acessar acervos e bibliotecas, essencial para as atividades da pós-graduação.
De acordo com a pesquisa, a esmagadora maioria dos respondentes apontou que o prazo não vai ser suficiente e há preocupação até de que desistam da pós-graduação. Algumas pessoas, aliás, já foram desligadas.
Foto: USP Imagens/Cecília Bastos
Anuência
Em tempos normais, os alunos poderiam pedir 120 dias de prorrogação dos prazos. Diante da pandemia, a Pró-Reitoria da USP autorizou a prorrogação em até 12 meses. Mas a Comissão da Pós-Graduação das Arcadas aprovou a prorrogação por apenas cinco meses.
E ainda exige uma condição importante: a anuência do orientador. Alunos que preferiram não serem identificados contaram à redação de Migalhas que muitos não fazem o pedido, por medo de retaliações.
“Você já entra na conversa como um fracassado, alguém que não conseguiu fazer o que deveria. É raridade o orientador que quer saber qual a sua condição real de pesquisa, que entende a queda na produção em razão da pandemia. Tem muito orientador que olha a questão da saúde mental e fala “ah, mas isso já era ruim, todo mundo sofre na pós-graduação”.”
Esta situação ocorre em meio a cenário no qual os pesquisadores enfrentam desafios como o cuidado de familiares, exercício da parentalidade com as escolas fechadas, sobrecarga de trabalho, adoecimento e falecimento de parentes em razão da covid-19.
Assim, apontam, a decisão torna-se arbitrária: apenas o estudante que tiver um orientador mais compreensivo consegue a prorrogação.
“Você tem que ir para essa pessoa, que é efetivamente seu chefe na vida acadêmica, e descrever como está sofrendo crises de ansiedade, como seu filho não está na escola, como sua mãe pegou covid, está no hospital e você não consegue se concentrar para escrever pela preocupação. É humilhante ter que explicar o óbvio. Todo mundo foi afetado.”
Um ponto destacado pelos alunos ouvidos na reportagem é o fato de que sequer foi tratada pela Comissão a proposta para que se acompanhassem os prazos de acordo com o fechamento das bibliotecas, o que tem sido feito na maior parte das universidades brasileiras.
Assim, o prazo maior apenas para os que entregariam os trabalhos em janeiro de 2021, e somente mediante aval do orientador, não cobre nem mesmo o tempo em que as bibliotecas e o resto da estrutura da universidade ficaram fechadas.
Mais de 90% dos alunos pesquisados afirmam que não têm a mesma condição de se dedicar à pesquisa e 95,9% que tiveram prejuízos no desenvolvimento do trabalho. Neste quadro, mais de 87% pretendem pedir ou já pediram a prorrogação do prazo. Metade dos que pediram não possuem anuência do orientador.
Um dos argumentos que os estudantes receberam é o de que o atraso levaria os professores a acumularem orientandos. Contudo, informam que a própria Capes já anunciou que não vai considerar o prazo de depósito para dar as notas aos programas, e a Pró-Reitoria permitiu a abertura de vagas com o acúmulo de orientandos.
"Lógica de segredo"
Uma das alunas entrevistadas pela reportagem, que aceitou o convite sob a condição de anonimato, narrou o incômodo diante de um cenário de "lógica de segredo" na Comissão de Pós-Graduação, pois os estudantes não recebem as informações das reuniões e as atas não são divulgadas, de modo que “tudo é falado de boca”.
“Em contrapartida, os prazos não são atualizados no sistema. Não há expectativa de atualização nos próximos dias e tudo gera uma insegurança danada.”
Os estudantes não têm conhecimento de quem foi desligado do programa, quem conseguiu anuência do orientador para prorrogação e quem não conseguiu, tornando ainda mais discricionária a política da Faculdade.
“Há uma série de pedidos pendentes que somente serão resolvidos em cima da hora”, conta outro aluno; “várias universidades concederam prazo automático. Com a USP, foi uma luta e eles não ligaram muito para saúde mental dos alunos”, desabafa.
Um estudante classificou de “incompreensível” a resistência da Faculdade de Direito em recompor os prazos dos alunos pelo tempo adequado: “A resistência da faculdade passa a mensagem de que eles entendem nosso pedido de recomposição de prazo como um favor, e não como algo justo.”
Soma-se a isso, alertam os entrevistados, o fato de que o campo da pesquisa científica no país já sofre, mesmo sem a pandemia, de sérios problemas de estrutura e investimento. “Se as coisas já estão difíceis para as universidades, é mais uma razão para unir professores e pós-graduandos num esforço de valorização da pesquisa”, conclui uma aluna.
- Confira a pesquisa dos alunos da pós-graduação.
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