Migalhas Quentes

Histórico: STF limita internação de adolescentes em unidades socioeducativas

Julgamento também prevê a criação de um Observatório Judicial para acompanhar os dados de lotação das unidades.

24/8/2020

A 2ª turma do STF concedeu ordem em HC para limitar a internação de adolescentes infratores à exata capacidade da respectiva unidade socioeducativa. O julgamento virtual foi finalizado na última sexta-feira, 21, e foi liderado pelo voto do relator, ministro Edson Fachin.

O colegiado atendeu a pedido da Defensoria Pública do ES. Após a impetração, pleitearam a extensão as Defensorias dos Estados da BA, CE, PE e RJ, buscando, igualmente, a ordem para corrigir a superlotação nos respectivos Estados.

O HC contou ainda com a participação de entidades da sociedade civil (OAB/RJ, Conectas, Alana, IBCCRIM e Movimento Nacional de Direitos Humanos).

Vale recordar que também é da 2ª turma outro precedente relevante na mesma seara: em fevereiro de 2018, a partir do voto condutor do ministro Lewandowski, o colegiado garantiu prisão domiciliar a gestantes e mães de crianças que estejam em prisão provisória, em atenção à dignidade humana e prioridade absoluta das crianças.

Condição peculiar

O relator do habeas, ministro Edson Fachin, anotou no voto que, no âmbito da execução das medidas socioeducativas, “o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento se traduz nos princípios brevidade e excepcionalidade da medida de internação”. 

Os sujeitos inimputáveis pelo critério etário detêm o direito subjetivo de tratamento condizente com o conjunto de regras e princípios que lhe é pertinente e específico, e de não receber tratamento igual ou pior ao conferido a adultos em situação equivalente.”

Citando diversos estudos, incluindo do CNJ, CNMP e da Corte Interamericana, Fachin ressaltou a necessidade de se fixar parâmetros e critérios racionais a fim de assegurar a observância dos direitos fundamentais de adolescentes infratores.

Deve-se, pois, atentar para uma atuação do Poder Judiciário que garanta a dignidade aos internados mediante atuação que coíba toda forma análoga a tratamento cruel ou degradante. Exsurge, por conseguinte, viável e necessária a atuação jurisdicional reparadora, sem ofensa ao inarredável postulado da separação dos poderes.”

Prioridade absoluta

Com um tópico dedicado à proteção normativa dos adolescentes em processo de ressocialização, o voto de S. Exa. afirmou que o postulado constitucional da prioridade absoluta da criança e do adolescente deve nortear o processo pedagógico de ressocialização.

As políticas públicas direcionadas aos adolescentes, aqui incluídos os internados, devem contemplar medidas que garantam os direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nomeadamente o direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho.

Dessa forma, prosseguiu o relator, a medida socioeducativa, principalmente a privação de liberdade, deve ser aplicada somente quando for imprescindível, nos exatos limites da lei e pelo menor tempo possível.

Verifica-se, com efeito, que a ausência de rigidez nos prazos e no escalonamento nas passagens das medidas socioeducativas mais rígidas e severas àquelas mais brandas visa a fomentar a evolução adequada e responsável no plano individual pelo adolescente, de modo a serem admitidos periódicos pedidos de reavaliação nesses casos.

Após a análise da situação concreta, com a citação dos dados estatísticos que revelam taxa média de ocupação nacional de 99% nas unidades de internação do país, Edson Fachin consignou não ser viável que o Supremo, “em tema tão sensível, alusivo à dignidade dos adolescentes internados, venha a chancelar a superlotação nas unidades destinadas ao cumprimento de medidas socioeducativas”.

A limitação do ingresso de adolescentes nas Unidades de Internação em patamar superior à capacidade de vagas projetadas, além de cessar as possíveis violações, previne a afronta aos preceitos normativos que asseguram a proteção integral, densificando as garantias dispostas no artigo 227 da Constituição Federal (com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 65/2010), além de fortalecer o postulado de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”

Assim, o relator concedeu a ordem no HC para determinar que as unidades de execução de medida socioeducativa de internação de adolescentes não ultrapassem a capacidade projetada de internação prevista para cada unidade, nos termos da impetração e extensões.

Observatório Judicial

Por fim, S. Exa. ainda propôs no voto a criação de um Observatório Judicial sobre o cumprimento das internações socioeducativas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo presidente do STF, para acompanhar os efeitos da deliberação no julgado, especialmente em relação aos dados estatísticos sobre o cumprimento das medidas estabelecidas e o percentual de lotação das unidades de internação.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator, tornando a decisão unânime. 

Em seu voto, ministro Lewandowski destacou que “a institucionalização deve ser, sempre, sujeita à mais estrita excepcionalidade, não devendo ser admitida em situações nas quais a dignidade dos adolescentes seja desrespeitada, como em unidades superlotadas”.

S. Exa. sugere ainda que, no cumprimento da ordem, os juízos responsáveis atentem para a idade do adolescente internado, priorizando-se a rápida colocação em meio aberto dos adolescentes mais jovens:

Os menores com idade entre 12 e 13 anos, segundo o Comitê de Direitos da Criança, nem sequer deveriam estar sujeitos à possibilidade de responsabilização infracional pela via da internação, e são os que mais sofrem com a institucionalização precoce – que, como visto, tem desconsiderado suas necessidades físicas e psicológicas, bem como emocionais e educacionais – e com a estigmatização que inevitavelmente decorre da internação, estando frequentemente internados por atos infracionais de menor importância, praticados pela primeira vez. (...)

A responsabilização não pode, em nenhuma hipótese, confundir-se com criminalização ou institucionalização de pessoas muito jovens e ainda em formação de sua personalidade.”

Por sua vez, ministro Gilmar Mendes anotou no voto:

O Estado deve respeitar um padrão mínimo de dignidade no cumprimento das medidas socioeducativas de internação determinadas. Precisamos, como sociedade, entender que ao tratarmos os internados de modo desumano, abusivo e agressivo, corrompem-se claramente os objetivos de ressocialização que orientam o sistema. Ou seja, ao invés de reduzir o cometimento de novos fatos graves, amplia-se o ciclo de violência e seletividade, que só acarretará mais criminalidade à sociedade.

Ministro ainda destacou que a proposta de criação do observatório para supervisionar a implementação das medidas “é pioneira e louvável”.

Ministro Celso de Mello não votou por afastamento decorrente de licença médica.

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