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STF: É inconstitucional lei do RJ prevendo uso de depósitos judiciais pelo Estado

Em julgamento virtual, plenário julgou procedente ação da PGR questionando a norma.

20/6/2020

O plenário do STF julgou inconstitucional a LC 147/13, do RJ, e suas alterações posteriores, que permite a utilização de parte dos depósitos judiciais para quitação de requisições judiciais de pagamento.

O julgamento ocorreu em plenário virtual, e os ministros, à unanimidade, acompanharam o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, que julgou procedente ação da PGR questionando a norma.

Conforme S. Exa., a disciplina legal sobre a utilização de valores de depósitos judiciais e extrajudiciais é de competência da União, e ao permitir a utilização dos depósitos judiciais entre particulares, a lei estadual padece de inconstitucionalidade material, por (i) aumentar a dívida pública do Estado; e (ii) configurar hipótese inconstitucional de empréstimo compulsório.

Gilmar destacou no voto três hipóteses: (i) a utilização, pelo Executivo, de valores correspondentes a depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e seus acessórios; (ii) a utilização, pelo Executivo, de valores correspondentes a depósitos judiciais e extrajudiciais não tributários, mas em que o ente federado é parte interessada; e (iii) a utilização, pelo Executivo, de valores correspondentes a depósitos judiciais de terceiros, ou seja, em que o ente federado não é parte interessada.

S. Exa. explicou que a primeira hipótese tem previsão na legislação Federal, e a ação em julgamento abrange apenas as outras duas. Gilmar anotou no voto também que as disputas judiciais entre o BB e os Estados “demonstram a necessidade de definição, por legislação federal, do real depositário dos valores nos casos da lei impugnada, com todas as consequências jurídicas daí decorrentes”.

Ora, o Estado acaba por se utilizar do sistema bancário para operacionalizar os depósitos judiciais e extrajudiciais, interferindo em seu funcionamento.”

Violação de competência

No caso da LC 147, o relator entendeu que a norma viola a competência da União para legislar sobre a matéria, nos termos do art. 22, I, da Constituição, com profundas implicações no direito bancário.

Como estamos tratando de “depósitos”, há aqui a custódia de valor de propriedade de terceiros. Ou bem essa custódia é transferida para os Estados, junto com o repasse dos valores, ou ela continua com o Banco, que responde por ela nos termos da legislação que regula o sistema financeiro nacional. E no caso de transferir para os Estados, eles teriam os mesmos deveres e responsabilidades da instituição financeira?

Segundo o relator, quando o Estado se apossa desses valores, passando a se responsabilizar pela remuneração e pela devolução dos recursos em caso de saque, acaba exercendo funções próprias de uma instituição bancária.

Há nítida interferência da esfera estadual na gestão do sistema financeiro nacional, especialmente para as instituições financeiras públicas.

Gilmar Mendes destacou também a questão do spread bancário, ressaltando que acredita que a questão do spread nos depósitos bancários “é muito delicada” e necessita de regulamentação, contato que esta parta da União, pois envolve o sistema financeiro nacional.

A legislação impugnada cria, então, uma nova fonte de receita para o Poder Judiciário estadual e um novo tipo de repasse de valores entre Executivo e Judiciário. No entanto, não sendo o Poder Executivo uma instituição financeira e, portanto, não gerando spread, qual a fonte dessa receita a ser repassada ao Judiciário?

Portanto, para o relator, legislações estaduais que estabelecem obrigações ao BB interferem no sistema de remuneração dos depósitos, afetando diretamente o funcionamento do Sistema Financeiro Nacional.

É verdade que, admitindo-se o uso desses valores, precisarão se submeter aos ditames do direito financeiro. Só que, quando o Estado se apossa dos valores correspondentes a depósitos de terceiros, ele está, na verdade, efetuando uma forma de captação de crédito. Ou seja, mais do que a correta contabilização no orçamento, o Estado deve observar todos os ditames constitucionais e legais concernentes ao endividamento público.”

No que concerne ao tema do endividamento dos Estados, Gilmar reconheceu que o tema é sensível, tendo o constituinte sido “cauteloso” ao tratar da questão.

Não há dúvida que a utilização de recursos correspondentes a depósitos judiciais de terceiros, que em algum momento precisarão, necessariamente, ser devolvidos pelo Estado, aumenta o endividamento estatal.”

Explicou, assim, que considerando não haver consentimento dos proprietários dos valores depositados em juízo, a transferência ao Estado só poderia ser enquadrada como empréstimo compulsório, e “nesse caso, estaríamos diante de inconstitucionalidade formal e material”.

Violação ao direito de propriedade

O voto do relator acolhe ainda a tese da PGR de que a utilização dos valores correspondentes aos depósitos judiciais de terceiros importa em violação ao direito de propriedade.

Veja-se o possível paradoxo: Estados não têm dinheiro para arcar com suas despesas, entre elas o pagamento dos precatórios. Então, permitimos que ele tome emprestado os valores depositados em Juízo por terceiro para adimplir suas obrigações constitucionais. No entanto, esses valores nunca serão do Estado. Troca-se, assim, uma dívida por outra. E se, no momento em que a lide chegar ao fim e a parte vencedora for sacar o valor depositado, o Estado não tiver dinheiro para devolver ao Banco? Veja, o Estado se apossou desse valor justamente por problemas de caixa. Precisará, então, o contribuinte entrar agora com uma ação contra o Estado para reaver os valores depositados em Juízo? E aguardar o pagamento de precatório para receber esse valor? Mas o Estado se utilizou do valor justamente porque não consegue pagar seus precatórios!

Dessa forma, Gilmar declarou a inconstitucionalidade formal e material da lei fluminense que permite a utilização de parte dos depósitos judiciais para quitação de requisições judiciais de pagamento.

Veja o voto do ministro Gilmar.

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