A 6ª turma do STJ, em julgamento nesta terça-feira, 16, determinou o trancamento de inquérito policial por coação ilegal, diante do excesso de prazo na investigação.
O paciente é investigado pela suposta prática do crime de peculato, e a defesa alegou que os procedimentos investigatórios duram mais de cinco anos, com inúmeras diligências e 23 dilações de prazos, sem que tenha ocorrido o indiciamento.
O relator, ministro Sebastião Reis Jr., anotou no voto que, ao consultar o andamento dos feitos na origem, foi possível constatar que foram concedidos novos e sucessivos prazos à autoridade policial e ao MP, não havendo notícia de que as diligências pendentes foram cumpridas.
“Para mim, o cenário exposto não justifica tão demorada investigação. É patente o excesso de prazo a ponto de justificar o trancamento dos inquéritos. É inadmissível que uma investigação dure quase 6 anos, sobretudo quando não revelada maior complexidade, mostrando-se evidente a ineficiência do Estado. As próprias instâncias ordinárias reconhecem a demora, tanto que o Juiz a quo chegou a promover, de ofício, o arquivamento de um dos feitos. Além disso, em nenhum momento foram dadas notícias concretas de que os ditos inquéritos se encontram em sua parte final, prestes a serem solucionados.”
Assim, o relator entendeu configurada a coação ilegal, não se justificando conceder mais prazo para a finalização dos inquéritos.
Critérios
Por sua vez, ministro Rogerio Schietti divergiu do relator, em voto-vista apresentado na sessão por videoconferência. Schietti ressaltou que a justiça criminal brasileira é assoberbada, com baixa eficiência na resolução dos casos.
“Por conta de uma legislação antiga, de 75 anos, não temos uma regulação precisa, moderna, do próprio ato de indiciamento e deste controle judicial quanto ao prazo de duração.”
Para S. Exa., mesmo sem ter havido o indiciamento do investigado, ele pode sofrer algum tipo de constrangimento com o inquérito – contudo, “isso precisa ser demonstrado. Não posso simplesmente trancar o inquérito, sem que ninguém seja indiciado, porque o acusado impetra HC e diz que está sendo incomodado, sem fazer nenhuma prova disso”.
“Em um universo de 7,5 milhões de processos em andamento, não posso começar a escolher o que está demorando muito ou pouco. (...) Não damos oportunidade àquele órgão (MP local), para quem damos a pecha de ineficiência, de desídia, de ser ao menos ouvido, para explicar por que de não ter concluído a investigação.”
Dessa forma, negou o arquivamento pretendido pelo impetrante, com sugestão de prazo de 30 dias para que o membro do parquet ofereça a denúncia ou promova o arquivamento do inquérito.
Ministro Schietti citou ainda exemplos de legislações da Itália e do Chile, que determinam prazos para encerramento dos inquéritos, e propôs no voto a fixação de critérios para aferir o tempo maior ou não da investigação.
São eles: (i) complexidade da investigação; (ii) número de possíveis autores do crime; (iii) caráter interestadual ou até transnacional das ilicitudes; (iv) envolvimento das pessoas com prerrogativa de foro; (v) comportamento eventualmente não colaborativo das pessoas chamadas a depor; (vi) a necessidade de realização de perícias complexas ou de oitiva de testemunhas por carta precatória; (vii) necessidade de cooperação de autoridades; (viii) constatação de que as investigações se encontrem ou não paralisadas.
“Vamos arquivar todos os inquéritos que estão prontos para serem denunciados, mas não o são, sem que o paciente traga algum tipo de situação concreta de que sofre um constrangimento? (...) Há muitas situações em que a polícia, e o Ministério Público, por algum tipo de opção, de estratégia, não indicia formalmente o investigação para não lhe dar alguns benefícios, prerrogativas legais. Mas isso é preciso que nós tenhamos alguma documentação neste sentido, não podemos presumir que esteja acontecendo.”
Maioria
Em debate, o relator Sebastião lembrou os colegas que já foi fixado prazo para o MP no caso concreto.
“O próprio juiz chegou a arquivar um dos inquéritos por inércia. Esse arquivamento só foi ser revisto pelo tribunal. O próprio MP local pediu à polícia diligência para acelerar. Acho até um certo descaso com o próprio tribunal. Chega a uma determinada situação que é um desrespeito com o próprio jurisdicionado.”
S. Exa. foi seguido pelos ministros Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha, presidente da turma. Ministro Nefi ressaltou que o abuso estatal não pode ser permitido, conforme precedentes da própria Corte, e nessa investigação de seis anos “está claro” tal abuso no caso. “Não é necessária nenhuma restrição a mais de direito individual, porque só a investigação já é, em si, um dano ao cidadão.”
Também o ministro Antonio Saldanha entendeu que o caso concreto “é insuperável”. “O inquérito é, sim, muito angustiante, talvez mais até do que o processo, que tem todos os mecanismos de atuação, de defesa e recursos. No inquérito você não tem nada: está nas mãos da polícia.”
Já ministra Laurita Vaz ficou vencida, com ministro Schietti, ao votar por negar provimento, com recomendação de conclusão das diligências em 30 dias.
- Processo: RHC 106.041