Nesta quarta-feira, 22, os ministros do STF deram início ao julgamento de ações que versam sobre o rito de análises das MPs durante a crise da covid-19.
Até o momento, quatro ministros votaram no sentido de autorizar o Congresso Nacional a analisar as MPs diretamente no plenário das Casas Legislativas, com parecer de um deputado e de um senador, em substituição à análise em comissão mista.
Nove ministros negaram pedido de Bolsonaro que requeria a suspensão da tramitação das MPs durante a pandemia.
Voto-vista do ministro Dias Toffoli suspendeu o julgamento.
Entenda
A ADPF 661 foi ajuizada pelo PP - Partido Progressista contra atos das mesas diretoras do Senado e da Câmara que preveem a realização de sessões por meio eletrônico apenas para deliberações sobre matérias relacionadas à pandemia e suspendem as votações de outros temas nas comissões.
Já na ADPF 663, Jair Bolsonaro requereu ao STF a prorrogação dos prazos de validade das MPs em tramitação no Congresso Nacional em razão do estado de calamidade pública e da instituição do SDR - Sistema de Deliberação Remota, que, segundo argumenta, comprometem o regular andamento do processo legislativo e, em especial, o trâmite das MPs.
Posteriormente, as Casas apresentaram ainda, de forma conjunta, pedido de medida cautelar contraposta, visando à obtenção de autorização para imediata aplicação do procedimento definido no ato conjunto 1/20 das mesas do Senado e da Câmara, que viabiliza a apreciação e a deliberação das MPs em curso até que as ferramentas tecnológicas existentes sejam aperfeiçoadas para permitir o exame da matéria pelo plenário do Congresso Nacional.
O ministro Alexandre de Moraes, relator, negou os pedidos dos autores (PP e presidente da República), mas deferiu a contracautela, autorizando alterações no processo de análise de MPs.
Um dos trechos do ato assim dispõe:
“Enquanto durar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e o estado de calamidade pública decorrente da COVID-19 as medidas provisórias serão instruídas perante o Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas designado na forma regimental.”
Relator
Na sessão de hoje, Alexandre de Moraes referendou a cautelar para permitir a análise de medidas provisórias sem parecer votado por comissão mista. O relator disse que sua decisão vai no sentido de compatibilizar a prerrogativa presidencial da edição de MP e a competência exclusiva do Congresso em tornar o ato temporário em lei.
Para ele, não é razoável o pedido dos requerentes em suspender os prazos das MPs, porque isso afetaria o equilíbrio dos poderes, tornando o presidente da República o único legislador.
Alexandre de Moraes afirmou que não se pode permitir que todas as MPs caduquem, pois não há possibilidade de reunião presencial das comissões mistas no momento de crise e nem a decadência das normas.
Assim, entendeu correta a previsão de instrução das MPs perante o plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, ficando excepcionalmente autorizada a emissão de parecer em substituição à Comissão Mista por parlamentar de cada uma das Casas, designado na forma regimental, bem como, que, em deliberação nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado, operando por sessão remota, as emendas e requerimentos de destaque possam ser apresentados à mesa, na forma e prazo definidos para funcionamento do SDR - Sistema de Deliberação Remota.
Acompanharam integralmente este entendimento os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu duas divergências: em primeiro lugar, não conheceu das ações - pela inépcia das iniciais - e, por conseguinte, votou pela extinção das ADPFs. Em segundo lugar votou pelo não referendo da cautelar.
Para ele, os pareceres por membros de cada Casa Legislativa não substituem a exigência constitucional das comissões mistas, prevista no parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição Federal, o qual assim dispõe:
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
Fachin ressaltou a inconstitucionalidade dos dispositivos previstos no ato 1/20, ressaltando precedentes que tratam da importância do devido processo legislativo. Para ele, a exigência da comissão mista não pode ser afastada, mesmo em momento pandêmico.
Pelo não conhecimento da ação e não referendo da cautelar, acompanharam a ministra Rosa Weber e o ministro Marco Aurélio.
Divergência processual
O ministro Luís Roberto Barroso seguiu o relator no sentido de conhecer das ADPFs e indeferir os pedidos dos autores quanto à suspensão de prazo e reedição de MP. No entanto, abriu uma pequena divergência processual.
O ministro ressaltou que o ato conjunto 1/20, das Casas Legislativas, foi editado posteriormente ao ajuizamento da ação, não sendo objeto de impugnação. Para ele, o STF estaria declarando a (in)constitucionalidade de um ato que não foi impugnado e de um tema que não foi objeto de contraditório.
Reconheceu, portanto, a validade e a legitimidade do ato. Em efeitos práticos, concordou com a análise das MPs sem parecer votado por comissão mista. A ministra Cármen Lúcia seguiu tal entendimento.
Sessão de hoje
O ministro Toffoli abriu a sessão plenária fazendo um registro histórico: a inauguração de Brasília, há 60 anos, bem como a instalação do STF na então nova capital Federal, rememorada em 21 de abril. "Sob a nova República, esse STF adquiriu protagonismo jamais visto", disse. O presidente da Corte enfatizou a produtividade do STF e a importância da Suprema Corte para o país no que tange aos direitos fundamentais e valores republicanos, especialmente em época de pandemia e distanciamento social.
- Veja a íntegra do discurso.
"Não obstante estarmos, hoje, fisicamente distantes em função do distanciamento social (necessário à contenção da pandemia da Covid-19), esta Corte se encontra em pleno e total funcionamento, oferecendo o amparo institucional necessário à sociedade brasileira."
Sustentações orais
O julgamento das ações contou com várias sustentações orais. Dentre elas, o advogado Fernando Cunha, pelo Senado, disse que o poder Legislativo praticou todos os atos necessários para viabilizar a plena continuidade de seu trabalho durante a pandemia. O advogado, então, entendeu ser incabível o atendimento dos pedidos dos requerentes quanto à suspensão de pazos, pois a CF estabeleceu uma única hipótese excepcional de suspensão do prazo decadencial de 120 dias, que ocorre durante o recesso do Congresso Nacional. Assim pediu o referendo da cautelar, quando o relator Alexandre de Moraes autorizou alterações no processo de análise de MPs , previstas no ato conjunto 1/20.
O advogado Eugênio Aragão, representando o PT, admitido como amicus curiae, disse que não há dúvida de que foi bem acertada a concessão da contracautelar, de manter o sistema de deliberação remota "visto que é a melhor saída que nós temos para cumprir os prazos constitucionais". O advogado ressaltou que tal ferramenta assegura maior celeridade para as análises das medidas. Assim pugnou pelo referendo da cautelar.
Posteriormente à sustentação do representante do PT, o ministro Dias Toffoli registrou que o causídico manteve a tradição de sustentar em pé perante a Corte, mesmo em ambiente virtual.
O amicus curiae Associação Direitos Humanos em Rede - Conectas Direitos Humanos, pelo advogado Gabriel Sampaio, defendeu a formação da comissão mista, pois é neste momento em que são apresentadas as posições da sociedade civil. Para a Associação, os apenas 16 dias para a deliberação, previsto no ato 1/20, é prazo muito curto. Assim, reiterou que não se pode se conferir a uma norma excepcional o esvaziamento do sentido material previsto na CF das comissões.
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