Migalhas Quentes

Plenário virtual do STF: os problemas do ambiente eletrônico

Voto por omissão e falta de transparência são algumas das controvérsias.

13/4/2020

Cronologia

O STF instituiu o plenário virtual para viabilizar a análise da repercussão geral de recurso extraordinário. O objetivo era evitar sobrecarregar o plenário físico – desde então, basta que o ministro vote se há ou não repercussão geral, em geral sem apresentar maiores fundamentos, a partir do voto do relator. 

Funcionando 24 horas por dia, é possível que os ministros acessem o plenário virtual de forma remota. Desde 2008, o acompanhamento do plenário virtual para fins de repercussão geral é público. 

Quase dez anos depois, em 2016, a utilização do plenário virtual foi ampliada e a Corte também passou a permitir o julgamento de agravos internos e embargos de declaração em ambiente eletrônico.

No ano passado, ocorreu uma nova ampliação, sob a batuta do presidente Dias Toffoli. O plenário virtual passou a receber também julgamentos de medidas cautelares em ações de controle concentrado; referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias; e demais classes processuais cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante na Corte.

Assim, foi editada a resolução 642/19, substituindo resolução de 2016.

Diante da pandemia do coronavírus e da política do isolamento social, a Corte estendeu a viabilidade do julgamento virtual: agora, todos os processos poderão, a critério do relator ou do ministro vistor, com a concordância do relator, serem submetidos a julgamento em listas de processos em ambiente eletrônico, observadas as respectivas competências.

A nova resolução (669/20) eliminou a possibilidade de retirar o processo do plenário virtual no caso de pedido de sustentação oral. Isso porque nas hipóteses de cabimento de sustentação, fica facultado às partes encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico, por áudio ou vídeo. 

Será possível, também, a convocação de sessão virtual extradordinária.

Voto por omissão

As sessões virtuais são realizadas semanalmente, com início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 dias úteis entre a data da publicação da pauta no DJe, com divulgação das listas no sítio eletrônico do Tribunal, e o início do julgamento. 

O relator insere ementa, relatório e voto no ambiente virtual, apenas para conhecimento dos demais ministros; iniciado o julgamento, S. Exas. têm até 5 dias úteis para se manifestar.

Um primeiro ponto deve ser destacado na sistemática do plenário virtual: o ministro que não se pronunciar no prazo de 5 dias úteis terá o voto computado como seguindo o relator (art. 2º, §3º da resolução 642/19). É, em outras palavras, o voto por omissão, tal qual na análise de repercussão geral – tipo de voto inexistente no plenário físico, e alvo de crítica contundente pelo ministro Marco Aurélio.

Surpresa no final

Uma segunda questão a ser colocada é que a ementa, o relatório e voto somente serão tornados públicos depois de concluído o julgamento – algo bem diferente da transparência das sessões plenárias presenciais, transmitidas ao vivo pela TV Justiça.

Em suma, o jurisdicionado e o público em geral só terão acesso aos votos quando o julgamento for concluído. Assim, até os advogados das partes não têm conhecimento dos fundamentos em debate, o que impede, por exemplo, que suscitem uma questão de fato ou apontem um erro material. Mais ainda: caso algum ministro divirja, não se sabe o teor ou extensão da divergência.

As listas ou processos com pedido de vista em ambiente eletrônico podem, a critério do ministro vistor, com a concordância do relator, serem devolvidos para prosseguir o julgamento no ambiente virtual – oportunidade em que os votos já proferidos podem ser modificados.

Os ministros tem a faculdade de votar nas listas como um todo ou em cada processo separadamente. As opções de voto são: 

(i) acompanho o Relator; 

(ii) acompanho o Relator com ressalva de entendimento; 

(iii) divirjo do Relator; e, 

(iv) acompanho a divergência.

No caso de seguir o relator com ressalva de entendimento ou divergir do relator, o ministro declarará o seu voto no próprio sistema - que, repita-se, não é disponível para o jurisdicionado.

Outro ponto a ser ressaltado: no plenário virtual, os votos são computados na ordem cronológica de sua manifestação, diferentemente do plenário físico, que segue a ordem de antiguidade inversa, exceto se um ministro quiser antecipar o voto. 

Essse procedimento, aparentemente banal, impacta o processo se houver divergência majoritária, na medida em que, salvo engano, será redator do acórdão o ministro que primeiro divergir do relator.

Julgamento em massa

Mais uma controvérsia relativa ao plenário virtual do STF é a mecanicidade do julgamento. Veja os números das cinco sessões virtuais pautadas apenas para este mês de abril de 2020:

Considerando os 34 dias corridos (incluindo fins de semana e feriados) previstos para essas cinco sessões (27/3 a 30/4), é como se os ministros votassem, em média, 25 processos por dia. Se considerarmos que S. Exas. trabalham 9 horas ininterruptas, é como se proferissem uma decisão a cada 20 minutos. Ou seja, você, leitor, ao terminar a leitura desta matéria, tendo compulsado as resoluções, terá gasto aproximadamente este mesmo tempo.

Voto vencido

Ministro Marco Aurélio, que sempre defendeu o julgamento colegiado presencial e recentemente votou contra a transformação do plenário físico em sessões por videoconferência, não pautou nenhum processo de sua relatoria para o plenário virtual. O único processo é uma devolução de vista de S. Exa., na pauta da 1ª turma.

Adaptações

Na última quinta-feira, 9, a OAB encaminhou ofício ao presidente Toffoli solicitando adequações no ambiente virtual da Corte. A Ordem pleiteou a disponibilização em tempo real dos votos proferidos nos julgamentos virtuais, tanto nas turmas, como no plenário:

"A divulgação do voto do relator apenas no momento de publicação do resultado do julgado e a impossibilidade de acompanhar os votos à medida que são proferidos afetam sobremaneira o acesso à jurisdição constitucional, principalmente no que diz respeito à permeabilidade do STF às manifestações das partes no curso das sessões.”

A Ordem lembrou que a adaptação do ambiente virtual para torná-lo aberto ao público não é medida onerosa ou desconhecida do Judiciário, tendo em vista que essa dinâmica já é adotada nos julgamentos do plenário virtual do CNJ, com o lançamento do voto do relator e dos demais conselheiros do órgão.

Exemplo

Já se fala no STJ em expandir o plenário virtual de modo semelhante, instituindo-o para julgamento de todos os processos; o mesmo movimento é notado nos Tribunais de Justiça. A pergunta que fica é: se, na Suprema Corte, há esses problemas de transparência e incompreensão, o que será que não vai acontecer nos tribunais dos rincões no país?

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