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Qual deve ser o poder do governo no Banco Central? Propostas avançam no Congresso

Na origem, Banco Central seria instituição autônoma em relação ao governo. No entanto, a ideia foi inviabilizada pela ditadura.

18/3/2020

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Jair Bolsonaro definiram como uma das pautas prioritárias para este ano a autonomia do Banco Central. O tema vem de longa data, 1964, – ano de criação do BC - e até os dias de hoje suscita debates no Congresso.

Afinal, qual deve ser o poder do governo nas decisões do Banco Central?

Quem é a favor da autonomia, defende que a menor interferência de políticos nas decisões monetárias do país daria mais segurança para os investimentos no Brasil e mais força para a moeda. Por outro lado, quem é contra, diz que a autonomia tiraria das mãos do povo as decisões sobre a política monetária.

As origens

O Banco Central é uma autarquia cuja tarefa é formular e executar a política monetária, manter a inflação dentro da meta, servir como depositário das reservas internacionais do país e garantir, para a população, o fornecimento adequado de dinheiro em espécie.

A lei de criação da autarquia, lei 4.595/64, estabelecia que a diretoria fosse composta por 4 integrantes escolhidos entre os membros nomeados do CMN – Conselho Monetário Nacional. Com a lei 6.045/74, e com o regime ditatorial, os membros passaram a ser nomeados pelo presidente da República, deixando de ser escolhidos entre os membros nomeados do CMN.

Atualmente, esses cargos ainda são de livre indicação do presidente da República, o que significa que a cúpula do BC pode ser dispensada a qualquer momento. No modelo proposto pelos parlamentares, os mandatos seriam de quatro anos, e a dispensa só seria possível em casos de condenação judicial ou desempenho insuficiente. Nessa última hipótese, o Senado precisaria concordar com a decisão.

Entenda como funciona a estrutura do SFN - Sistema Financeiro Nacional do Brasil:

Autonomia x Independência

O professor de economia da UNB, Roberto Ellery, explica que autonomia e independência são coisas distintas. Na prática, a autonomia do BC já é feita desde o governo do FHC, permitindo que o corpo técnico da autarquia defina os instrumentos para a política monetária. A independência seria um passo além, explica o professor.

Neste caso, seria garantir em lei o que já existe de fato, não deixando as questões monetárias à mercê das mudanças no Executivo. Pelos projetos em tramitação, a presidência e a diretoria do BC teriam mandatos de duração fixa, intercalados com os mandatos do presidente da República.

Segundo um dos projetos que tramita no Congresso, o presidente da República, no segundo semestre do seu segundo ano de mandato, indicará os nomes para presidente e Diretores do BC, que terão mandatos de quatro anos, admitida uma recondução.

Pela justificativa do projeto, “ao intercalar os mandatos do presidente da República com os membros da diretoria do Banco Central, que teriam mandatos de duração fixa, seria possível blindar o Banco Central do Brasil de pressões políticas advindas do Poder Executivo. Este teria autonomia para exercer sua atividade principal que consiste no controle da inflação e das expectativas inflacionárias”.

Projetos

Em 30 de novembro de 1989, o ex-presidente Itamar Franco, quando era senador, apresentou o PLP 200/89, que dispunha sobre os requisitos para o exercício dos cargos de diretoria e presidência do Banco Central do Brasil. A proposta está em banho-maria desde então. Segundo o  projeto da época, a escolha do presidente deveria recair, preferencialmente, sobre servidor integrante do quadro permanente da entidade.

Ao longo de 30 anos, foram apensados muitos outros projetos similares ao de Itamar Franco. Dentre eles, está o PLP 112/19, de autoria de Bolsonaro. De acordo com o projeto, o mandato do presidente do BC terá duração de quatro anos, com início no dia 1º de março do segundo ano de mandato do Presidente da República. Neste ponto, o texto foi alterado pelo relator, deputado Celso Maldaner, para assegurar o mandato do atual presidente do BC e de mais dois diretores até 29 de fevereiro de 2024. O projeto está sujeito à aprecição do plenário da Câmara e tem regime de urgência de tramitação. 

Mais recentemente, no Senado, o parlamentar Plínio Valério apresentou em 6 de fevereiro de 2019 o PLP 19/19 sobre nomeação e demissão do presidente e diretores do Banco Central do Brasil. O senador explicou que a literatura econômica revela que o governo pode ser tentado a promover um maior crescimento de curto prazo, criando pressões inflacionárias, em períodos pré-eleitorais, de modo a influenciar os resultados das eleições. “A autonomia formal do Banco Central impede essas pressões e dá maior credibilidade à política monetária”, disse na justificativa do projeto.

“Dessa forma, deve levar à redução das expectativas inflacionárias e dos prêmios de risco inflacionários de longo prazo. Essa melhora nas expectativas poderá levar a taxa básica de juros a um patamar menor e juros reais menores, melhorando o ambiente dos negócios, gerando círculo virtuoso na economia brasileira.”

O projeto de Itamar Franco aguarda parecer do relator na Comissão da CCJ e está pronto para a pauta no plenário. Já o projeto recente do Senado já foi incluída na pauta do plenário do Senado. 

“O Banco dos bancos”

 O banco brasileiro foi criado com 51 anos de atraso em comparação ao Federal Reserve, o banco central americano. Neste ano, a instituição completa 56 anos.  O Banco Central iniciou suas atividades em março de 1965, uma vez que o art. 65 da lei 4.595, de sua criação, estabeleceu que a norma entraria em vigor 90 dias após sua publicação.

 A inauguração do BC, por óbvio, marcou a mídia:

(Clique na imagem para ver a íntegra)

Ao longo de toda sua história, o presidente mais longevo do BC foi Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda no governo de Temer. Meirelles ocupou o cargo principal do BC durante os oito anos da era Lula, de 2003 a 2010, nos dois mandatos consecutivos do ex-presidente.

Em outros países

Um estudo realizado pelo banco Itaú com 31 bancos ao redor do mundo mostrou que  apenas o Brasil e mais quatro países não possuem autonomia formal de seus bancos centrais. Nessa mesma amostra, a tendência das legislações é de enfatizar como objetivo prioritário a estabilidade de preços.

De acordo com o estudo, o banco central americano (Fed, na sigla em inglês) é o que possui o maior grau de autonomia. Além de liberdade nos instrumentos, o Fed tem a opção de interpretar seu mandato legal, priorizando um dos três objetivos estabelecidos pelo Federal Reserve Act (máximo emprego, estabilidade de preços e taxas de juros de longo prazo moderadas).

O BCE - Banco Central Europeu, por exemplo, tem o objetivo de estabilidade de preços bem definido, por lei, pelos parlamentos da região, mas, assim como o Fed, possui autonomia para definir a meta quantitativa que será perseguida. É  também  o caso de República Tcheca, Suécia, Chile e México. 

Em 2018, a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou um relatório sobre o Brasil no qual recomendava a aprovação da autonomia para o Banco Central. A OCDE reconheceu que o órgão tem um bom histórico recente de atuação na atual configuração, mas observou que a mudança poderia melhorar a credibilidade do BC e a eficácia da política monetária, a exemplo dos países que fizeram essa opção.

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