Circulam pela internet vídeos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro convocando ato em apoio ao governo.
Em um dos vídeos protagonizados pelo presidente, o mote é a facada sofrida por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. Em tom dramático, o vídeo diz que "ele quase morreu por nós". Outra peça, que ataca ministros do STF e o próprio Congresso Nacional, tem como trilha sonora a música “O Pulso”, dos Titãs.
Os vídeos geraram reações de artistas e políticos.
De acordo com a jornalista Vera Magalhães, os vídeos foram compartilhados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em grupos de WhatsApp. Um dos vídeos, que tem como música o hino nacional, diz frases como: "Temos um presidente cristão, capaz, justo e incorruptível, que sofre e luta por esta nação."
"Cunho pessoal"
Em publicação feita nesta quarta-feira, 26, no Twitter, o presidente Bolsonaro não negou ter compartilhado os vídeos. Sem qualquer menção ao conteúdo, disse que, no Whatsapp, tem "algumas dezenas de amigos" onde troca "mensagens de cunho pessoal" e que qualquer ilação fora desse contexto são " tentativas rasteiras de tumultuar a República".
Reação
Para o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, se confirmado o ato de Bolsonaro de compartilhar o vídeo, fica aberto o caminho para pedido de impeachment, já que a convocação pode se enquadrar no art. 85 da CF que diz que são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a CF e , especialmente, contra o livre exercício do Legislativo, do Judiciário, do MP e dos Poderes constitucionais.
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, disse à Folha de S.Paulo que se confirmada a conclamação do presidente para ato contra a Corte e o Congresso, revela "face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional", e que "demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce". O ministro diz ainda que "o presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República".
Um dos alvos de ataque, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou em seu Twitter que "só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo". Em referência a slogan de Bolsonaro durante campanha eleitoral, disse que "acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas".
Ciro Gomes disse, pelo Twitter, que, se o próprio presidente da República convoca manifestações contra o Congresso e o STF, “não resta dúvida de que todos aqueles que prezam pela democracia devem reagir". Ele ainda afirma que "é criminoso excitar a população com mentiras contra as instituições democráticas e sem causa nenhuma, a não ser sua agenda anti-pobre" e termina cobrando do Congresso uma "reação a essa ameaça".
O governador de SP João Dória, que se uniu a Bolsonaro na época das eleições (quando entoava o "BolsoDória"), manifestou-se no Twitter destacando que o Brasil lutou para resgatar sua democracia e que “devemos repudiar qualquer ato que desrespeite as instituições”.
Além da reação de vários políticos, o músico Arnaldo Antunes publicou vídeo no qual se disse indignado com o uso indevido de sua composição em vídeo do Bolsonaro. A música "O Pulso", cantada por ele quando ainda integrava a banda Titãs, é trilha sonora de um dos vídeos.
Nando Reis, que também pertencia à banda Titãs à época da gravação da música, manifestou-se nas redes sociais.
O Grupo Prerrogativas divulgou nota de repúdio aos ataques. "Não é a primeira vez que o presidente flerta com o golpismo", diz o texto, que continua: "Não é a primeira vez que o Chefe do Poder Executivo ultrapassa os limites da lei e da Constituição, a ponto de se vislumbrar crime de responsabilidade em várias de suas ações". O grupo é composto por constitucionalistas, ministros de Estado, defensores públicos, tribunos, estudantes, ativistas, criminalistas e representantes de todas as entidades profissionais mais importantes do Direito. O valor comum do "Prerrô" é a democracia com justiça social.
Veja a íntegra da nota:
Nota do Grupo Prerrogativas
A nação assiste espantada a acusação feita por um ministro militar do governo Bolsonaro de que o Congresso chantageia o Poder Executivo.
A nação assiste espantada que essa declaração, que deveria ser repudiada pelo Presidente da República, serviu de mote para uma convocatória de atos públicos contra o Poder Legislativo.
A nação assiste espantada que a convocatória dos atos contra o Parlamento, previstos para o dia 15 de março, sejam apoiados pelo Presidente Jair Bolsonaro, conforme noticia a imprensa.
Não é a primeira vez que o Presidente da República flerta com o golpismo. Não é a primeira vez que o Chefe do Poder Executivo ultrapassa os limites da lei e da Constituição, a ponto de se vislumbrar crime de responsabilidade em várias de suas ações e declarações.
O endosso do Presidente da República às manifestações convocadas contra o Parlamento – e pelo seu fechamento - , a se confirmar a autenticidade da notícia, configuram crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment.
Os democratas brasileiros devemos repudiar qualquer tentativa de desestabilização das Instituições. Os líderes do Parlamento, o Chefe do Poder Judiciário e o Procurador Geral da República devem, urgentemente, tomar posição contra esse – se confirmado – claro intento de golpear a democracia.
Não há meias palavras para designar os acontecimentos, inéditos e sem precedentes pós-1988. Há, nitidamente, um ovo da serpente do autoritarismo em gestação.
As Instituições democráticas devem dizer “basta” ao Presidente da república e a todos que atentem contra o Estado de Direito, inclusive ministros e parlamentares.
Como morrem as democracias? Podem morrer porque dela não cuidamos. Os democratas não podem pecar por omissão. Não se pode ser tolerante com quem deseja sabotar, em nome da democracia, a própria democracia. A história é prodiga em exemplos.
A palavra, portanto, só pode ser uma: Basta!
E é esta a palavra do Grupo Prerrogativas.
A Ajufe - Associação dos Juízes Federais do Brasil também divulgou nota na qual afirma que o Brasil precisa de estabilidade para se desenvolver, o que só acontecerá "com instituições fortes". Veja a íntegra:
“O Brasil precisa de estabilidade para se desenvolver economicamente, retomar a criação de empregos e diminuir suas desigualdades sociais. E só teremos estabilidade com instituições fortes.
Em nada ajuda o país essa polarização política e o incentivo à tomada de caminhos fora da institucionalidade.
A democracia pode ter – e tem – o seus problemas, mas só ela permite o diálogo e a convivência entre as diversas visões de mundo. Não podemos permitir um retrocesso civilizatório.”
Fernando Mendes
Presidente da AJUFE