A 6ª turma do STJ reconheceu a ilicitude das provas obtidas em celular de preso sem prévia e fundamentada decisão judicial e, por isso, anulou toda a ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia.
A decisão do colegiado foi unânime, acompanhando o voto do relator, ministro Rogério Schietti, em sessão na última terça-feira, 10.
O recorrente foi preso em flagrante e, na ocasião, – os policiais desbloquearam e verificaram no celular a existência de mensagens de texto que indicavam prévia negociação da venda de entorpecente.
Na audiência de custódia o juiz de 1º grau, atendendo a pedido da autoridade policial, deferiu a quebra do sigilo de informações e de comunicações no celular apreendido em poder do recorrente.
Prova ilícita
O ministro Schietti inicialmente ponderou acerca das informações que são armazenadas nos celulares atualmente, de modo que o celular de pessoa presa em flagrante possibilita o acesso a inúmeros aplicativos de comunicação em tempo real, além de armazenarem dados bancários, contas de e-mail, histórico de visita a sites, etc.
“Daí a constatação de que existem dois tipos de dados protegidos na situação dos autos: os dados gravados no aparelho acessados ao se manusear o celular e os dados eventualmente interceptados no momento em que se acessam aplicativos de comunicação instantânea.”
A partir desse panorama, esclareceu o relator, a doutrina nomeia o chamado direito probatório de terceira geração, que trata de "provas invasivas, altamente tecnológicas, que permitem alcançar conhecimentos e resultados inatingíveis pelos sentidos e pelas técnicas tradicionais”.
“Os dados armazenados nos aparelhos celulares – envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens (dentre eles o WhatsApp), fotografias etc. –, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, só podendo, portanto, ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, com base em decisão devidamente motivada que evidencie a imprescindibilidade da medida, capaz de justificar a mitigação do direito à intimidade e à privacidade do agente.”
No caso concreto, como a autoridade policial acessou o celular sem a prévia e necessária ordem judicial, S. Exa. concluiu pela ilicitude das provas ali obtidas e todas decorrentes.
“A autorização do juiz deferindo a quebra do sigilo das informações e das comunicações (como aplicativos, fotografias e demais dados armazenados nos aparelhos de telefonia apreendido) somente foi feita em momento posterior, já na audiência de custódia e, mesmo assim, sem nenhuma fundamentação concreta que evidenciasse a imprescindibilidade da medida.”
Schietti registrou, ainda, não ter identificado, pelos documentos dos autos, nenhum argumento ou situação que pudesse justificar a necessidade e a urgência de as autoridades policiais poderem acessar, de imediato, os dados armazenados no celular do recorrente.
“Não havendo sido assim procedido, considero, portanto, que houve ilegal violação dos dados armazenados no celular do recorrente – e, portanto, violação da sua intimidade e da sua vida privada.”
O relator avaliou que a denúncia do parquet se apoiou em elementos obtidos a partir da apreensão do celular pela autoridade policial, os quais estão reconhecidamente contaminados pela forma ilícita.
“A própria narrativa da dinâmica dos fatos coloca sob dúvida o "consentimento" dado pelo réu aos policiais para o acesso aos dados contidos no seu celular, pois é pouco crível que, abordado por policiais, ele fornecesse voluntariamente a senha para o desbloqueio do celular e o acesso aos dados nele contidos.”
Por fim, diante do reconhecimento da nulidade do feito desde o início, o relator concluiu que está caracterizado o excesso de prazo na prisão preventiva imposta ao acusado, segregado, ao que tudo indica, desde o flagrante. E, por isso, determinou que o recorrente seja imediatamente colocado em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.
O réu foi defendido pelos advogados Diogo de Paula Papel e Merhej Najm Neto.
- Processo: RHC 101.119
Veja o acórdão.