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Magistrado cita "tristes fragmentos da história" e TJ/MS fixa indenização por racismo

4ª câmara Cível do TJ/MS fixou indenização por danos morais a mulher vítima de racismo em R$ 15 mil.

5/12/2019

"Não somos mais Desembargadores do Paço. A humanidade diz ter evoluído. Mas remanescem tristes fragmentos de nossa história." A afirmação é do desembargador Alexandre Bastos, da 4ª câmara Cível do TJ/MS, ao votar pelo parcial provimento a recurso em caso sobre injúria racial.

O magistrado, relator do processo, fez uma reflexão sobre a história da humanidade e votou condenar empresa a indenizar uma mulher em R$ 15 mil por danos morais. A decisão foi unânime.

Consta nos autos que, em 2011, um funcionário da empresa onde a mulher trabalhava cometeu injúria contra ela. O fato se deu após o homem saber que ela o havia denunciado ao proprietário da companhia por comportamentos irregulares. Na ocasião, o funcionário teria dito a frase "eu sabia que não podia confiar em preto! E essa preta safada e ladra não entra mais aqui!", ao se referir à mulher, além acusá-la de roubar um balde. Na esfera penal, o funcionário foi condenado pelo crime de racismo em 2017.

Em ação cível, a mulher requereu, em desfavor da empresa, o pagamento de indenização por danos morais em virtude da injúria racial praticada contra ela pelo empregado.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Alexandre Bastos, considerou que a empresa responde objetivamente pelos atos ilícitos praticados pelo preposto e que o CC/02 disciplina, em seu artigo 935, que a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

O magistrado fez uma reflexão sobre a história da humanidade, citando obras do artista francês Jean-Baptiste Debret, que produziu obras retratando a sociedade brasileira em meados do século XIX.

"E se uma imagem tem mais poder de representação do que palavras, vieram-me a memória alguns desenhos e gravuras de Jean-Baptiste Debret, artista neoclássico que participou da fundação da Academia Imperial de Belas Artes. Porém, a lembrança nada tem com a beleza dos retratos da época, e, sim, com uma triste e às vezes esquecida realidade que infelizmente ainda assola a sociedade. Refiro-me a odiosa e repugnante fraqueza do ser humano em valorar a cor da pele de seus semelhantes, como se virtudes ou vícios pudessem revelar-se numa aquarela de cores."

O desembargador afirmou que a conduta retratada nos autos é tão grave que configurou crime, além de ter "o condão de prejudicar, e muito, o ânimo psíquico, moral e intelectual da Apelante, ferindo, gravemente, os seus direitos da personalidade como a honra, a privacidade, os valores éticos e a vida social, notadamente porque produzida em seu ambiente de trabalho e propagada, inclusive, aos seus atuais e potenciais clientes – não podendo, portanto, ser admitida como mero dissabor".

"As ofensas de cunho preconceituoso, consistentes no uso de xingamentos inconvenientes para se referir à Apelante por meio de preconceitos relacionados à cor da sua pele – com manifesta, covarde e lamentável intenção de diminuí-la num contexto ofensivo, indicativo de inferioridade – configura danos morais que devem ser compensados pecuniariamente."

O magistrado lamentou o fato ocorrido. "Não somos mais Desembargadores do Paço. A humanidade diz ter evoluído. Mas remanescem tristes fragmentos de nossa história."

Assim, votou por condenar a empresa a indenizar a funcionária em R$ 15 mil por danos morais, no que foi seguido à unanimidade pelo colegiado.

Informações: TJ/MS.

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