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STJ assegura indenização por assédio processual decorrente de sucessivas ações temerárias

Decisão é da 3ª turma; cada autor ganhou R$ 100 mil, além de danos patrimoniais.

11/11/2019

É admissível o reconhecimento do ato ilícito de abuso processual, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.

A partir desta premissa, a 3ª turma do STJ restabeleceu sentença indenizatória de dano moral e material baseada em alegação de abuso processual.

Terras agrícolas

A ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos em 1988. A ação divisória continua em tramitação.

Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 anos, são quase 10 ações judiciais ou processos administrativos ajuizados pelos recorridos.

Em 2011, os recorrentes propuseram a ação de indenização alegando a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros.

De acordo com os autos, houve usurpação de terras agrícolas produtivas mediante procuração falsa por quase 40 anos.

“Simulacro de processo”

A ministra Nancy Andrighi divergiu do relator, ministro Sanseverino. Discorrendo acerca da figura do abuso de direito, a ministra consignou que “o ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo”.

O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde.”

Dessa forma, prosseguiu S. Exa., o processo deve ser repensado à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, “para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo”.

De acordo com Nancy, a ratio decidendi dos precedentes que tratam de sham litigation, no âmbito do Direito Concorrencial, pode ser aplicada na repressão aos abusos de direito material e processual.

O exercício abusivo de direitos de natureza fundamental, quando configurado, deve ser rechaçado com o vigor correspondente à relevância que essa garantia possui no ordenamento jurídico, exigindo-se, contudo, e somente, ainda mais prudência do julgador na certificação de que o abuso ocorreu estreme de dúvidas.”

Na análise do caso, a ministra considerou os fatos de que os recorridos sustentam desde a década de 70 a licitude da transferência da propriedade de fazenda, fundada em procuração falsa e na pendência de inventário que possuía herdeiros menores.

Para a ministra, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.

Os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.

Danos materiais e morais

Segundo Nancy, os fatos levam à conclusão de que os recorridos abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais.

Não se pode, pois, dar guarida à simulacros de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça. (...) A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve início há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça pelos recorridos.”

Sob esse prisma, a ministra assentou que o desgaste provocado pela privação de uso do bem que sempre pertenceu aos recorrentes não pode ser reputado como um dano de cunho meramente patrimonial.

A transgressão sistemática da lei, da ética e da boa-fé processual, nesse contexto de privação que enfrentaram os recorrentes, não causa apenas um simples desconforto, mas, sim, gera angústia severa, descrédito nas instituições, repulsa generalizada e abalos dos mais variados matizes.”

Assim, S. Exa. restabeleceu a sentença também quanto ao dano moral, que foi fixado em R$ 100 mil para cada autor. Por fim, a ministra rechaçou a tese do acórdão recorrido de que o abuso processual, a má-fé ou o dolo deveriam ser individualmente verificados em cada uma das ações ajuizadas.

O abuso do direito fundamental de acesso à justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias, razão pela qual é o conjunto desta obra verdadeiramente mal-acabada que configura o dever de indenizar.

Os ministros Cueva, Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a ministra Nancy.

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