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Deltan pretendia usar a imprensa para pressionar TRF-4

Caso envolve Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que é peça-chave no processo de condenação do ex-presidente Lula.

2/2/2021

"Algo para cogitar se ele continuar demorando é usar a sindicabilidade via imprensa como forma de lançar alguma pressão para levar logo."

É do procurador da República Deltan Dallagnol a proposta de utilizar a imprensa para pressionar o Judiciário. "Ele", a quem Dallagnol se refere, é Victor Laus, desembargador do TRF da 4ª região, e atual presidente da Corte.

A mensagem de Deltan trazia embutida uma preocupação com um caso que, por anos, centralizou as atenções da força-tarefa da Lava Jato: a delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e peça-chave no processo do tripléx que incriminou o ex-presidente Lula.

A estratégia do procurador era usar a imprensa para pressionar o desembargador Victor Laus, membro da 8ª turma do Tribunal e responsável por julgar recursos da Operação, a devolver o pedido vista do processo de Léo Pinheiro para, ao que parece, ele finalmente se convencesse a fechar acordo de colaboração.

A mensagem foi enviada pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato no grupo do Telegram "Chat FT - PRR4”, em 29 de outubro de 2016.

A via-sacra de uma sonhada delação

O caso envolvendo o empresário José Adelmario Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, íntimo do mundo político, e sua tumultuada delação premiada, tem início em 2015, quando é condenado por Sergio Moro na Lava Jato. Começam aí os rumores de que o empreiteiro iria delatar.


Em 5 de agosto de 2015, Léo Pinheiro é condenado pelo então juiz Sergio Moro a 16 anos e 4 meses por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Após a condenação, noticia-se que Léo Pinheiro iria delatar.


Em 8 de maio de 2016, o TRF-4 inicia julgamento do recurso de Léo Pinheiro e outros executivos da OAS, mas pedido de vista do desembargador Victor Laus suspende a análise. Segundo se dizia, a força-tarefa de Curitiba estava engatilhando um acordo, e o pedido de vista era benéfico naquele momento.

Menos de um mês depois, em 1º de junho, o jornal Folha de S.Paulo conta que a delação de Léo Pinheiro teria naufragado porque não mencionara o ex-presidente Lula. Segundo os informes, o que se dizia até então é que as obras realizadas no tríplex do Guarujá e no sítio de Atibaia eram formas de agradar a Lula, e não contrapartidas a algum benefício que o grupo recebera.

Mas as tratativas não cessaram. Em 21 de junho, o procurador Athayde Ribeiro Costa informa à força-tarefa, por meio do Telegram, que os advogados de Léo Pinheiro entregaram anexos com resumos dos relatos e que pediram assinatura do acordo de confidencialidade. A revelação foi divulgada pelo site The Intercept Brasil em parceria com o jornal Folha de S.Paulo em 2019, junto com uma série de vazamentos ligados à força-tarefa da Lava Jato.

Os vazamentos também mostraram que havia descrédito por parte dos procuradores com relação a Léo Pinheiro antes de ele incriminar o ex-presidente Lula.

Em agosto de 2016, Sérgio Bruno Cabral Fernandes, promotor integrante da equipe que negociou com os advogados da OAS, escreveu a outros integrantes do grupo mostrando descontentamento com o depoimento “insuficiente” do futuro delator.

"Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guaruja. Diziam q não tinha crime.”

Em 16 de agosto, novas informações surgiam na imprensa, dessa vez na capa da revista Veja, afirmando que Léo Pinheiro citava o ministro Toffoli em seu depoimento. Tal notícia causou rumorosa repercussão.

Em 21 de agosto, o então procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, mandou paralisar as tratativas com Léo Pinheiro.

Já em setembro, Léo Pinheiro é preso preventivamente, acusado de obstrução de Justiça.

Em outubro, com a delação impedida pelo chefe do MPF de ser celebrada, Deltan sugere, conforme mensagem mostrada no início desta reportagem, utilizar a imprensa para forçar o desembargador Victor Laus a devolver para julgamento o recurso de Léo Pinheiro, que estava paralisado por pedido de vista. Como a delação estava impedida de continuar, havia, diferentemente do cenário de maio, uma pressa em julgá-lo. E a pressa se justificava porque a confirmação da sentença, ou eventual aumento de pena, certamente impulsionaria o futuro delator a fechar um acordo.

Com ou sem as artimanhas questionáveis de Dallagnol, o que se deu foi que em 23 de novembro o TRF da 4ª região aumenta a pena de Léo Pinheiro de 16 para 26 anos e 7 meses.


No início de 2017, como provavelmente previa Deltan, recomeçam as tratativas com Léo Pinheiro. Não se tem notícia se de forma autorizada por Janot, se à revelia dele.

E, afinal, a insatisfação dos procuradores ao rejeitarem suas versões anteriores teria feito Léo Pinheiro mudar o depoimento até chegar na versão de 2017, na qual, em 20 de abril, em depoimento ao então juiz Sergio Moro, o empreiteiro acusa o ex-presidente Lula de ser o dono do triplex no Guarujá.

Na ocasião, o advogado de Lula perguntou se havia acordo fechado com o MPF, ao que o defensor de Léo Pinheiro informa que estavam em negociações, mas ainda não haviam fechado nada.

Seguem-se mais três meses quando, em 12 de julho, sobrevém a condenação de Lula.

Os relatos do empreiteiro tiveram peso decisivo, porque permitiram ao juiz conectar o apartamento ao esquema de corrupção na Petrobras.

Na sentença, Moro fundamenta a decisão justamente no depoimento de Léo Pinheiro, réu que Deltan esperou tanto para ver julgado no TRF-4, usando a imprensa para "lançar alguma pressão".

Ao impor a pena a Léo Pinheiro, que também é réu no processo, Moro fala reiteradas vezes em “colaboração”, e diminui a pena comparando-o a Marcelo Odebrecht, que era, este sim, um delator oficial.

Fato é que outros vazamentos mostraram ainda que, no dia seguinte à condenação, Deltan Dallagnol denota preocupação aos colegas em relação ao timing do acordo, destacando que “não pode parecer um prêmio pela condenação de Lula".


Em dezembro, o acordo foi finalmente celebrado com Léo Pinheiro, no âmbito da PGR. No entanto, o acordo sopitaria por meses nas mãos da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.


Só em 3 de setembro de 2019, nos últimos dias de seu mandato à frente da PGR, Raquel Dodge envia ao STF pedido de homologação da delação de Léo Pinheiro, mas sugere arquivamento de trechos.

O pedido de Dodge gerou descontentamento e foi pivô de uma crise interna na PGR, motivando até mesmo a saída de um grupo de seis procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que discordaram da chefe.

Após anos de tratativas, o acordo de colaboração foi homologado pelo ministro Edson Fachin. Como prêmio, Léo Pinheiro, preso desde 2016 e condenado a mais de 26 anos, deixou a cadeia no Paraná e cumpre pena em sua casa, em São Paulo.

Em 2 de outubro de 2019, a equipe do site Migalhas foi à sede da Polícia Federal de Curitiba ouvir Lula acerca das vicissitudes do acordo de Léo Pinheiro e, sobretudo, saber se o ex-presidente achava que Léo Pinheiro, quando o incriminou, já havia entabulado acordo com o parquet.


A pressão, a preocupação com as delações e a informação “oficiosa”

Dias antes de Deltan Dallagnol querer pressionar o desembargador Laus, utilizando a imprensa, o chefe da força-tarefa de Curitiba questiona aos colegas sobre "como evoluiu a questão do Laus", e se havia "algo que possa fazer".

A resposta vem da procuradora Maria Emília Dick, coordenadora da Lava Jato na Procuradoria Regional da República da 4ª região, assegurando que conversou com Laus pela terceira vez, e que o magistrado informou que devolveria os processos antes do fim do ano.

Poucos dias depois, a procuradora volta com novas informações:

Mais adiante, informa:

Um dos interlocutores, nomeado Welter Prr (Antônio Carlos Welter), opina que também não entendeu o que motivou o pedido de vista:

“Tenho a esperança de que ele só esteja confuso com alguns aspectos, entre estes a situação dos colaboradores que abriram mão do direito de recorrer. Não o conheço bem, mas fico pensando se não vale a pena ir conversar com ele e se oferecer para esclarecer as dúvidas.”

Considerando que poderia haver motivos diversos a justificar o pedido de vista, Maria Emilia compartilha no grupo que o desembargador enfrentava problemas de organização interna:

Mais três dias, e em 28 de outubro de 2016 Deltan questiona a procuradora Maria Emilia se "a solução costurada" com relação aos acordos de colaboração premiada passou "com os demais ou o próprio Laus".

O procurador Deltan, logo a seguir, diz como ficaram acertados: o procurador Antônio Carlos Welter “passa a informar acordos assinados, mesmo antes de homologação, para conhecimento da PRR e eventual informação (oficiosa) para Gebran e Paulsen. Laus - já feitas várias reuniões e pedirão para levar a julgamento...”

E aí surge a ideia de fazer uso da imprensa para pressionar o desembargador a devolver o processo, de modo a concluir o julgamento:

Maria Emilia Dick – responsável pela força-tarefa da operação no âmbito do Tribunal – responde que consultará os colegas acerca da ideia.

 

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