O STF deu início, nesta quarta-feira, 9, a julgamento que discute resolução que enquadrou como anistiados políticos ex-militares da FAB que foram afastados por conclusão do tempo de serviço. Os ministros analisam se a norma pode ser revista, visto que já decorrido o prazo decadencial de cinco anos previsto em lei.
Até o momento, placar está em 4x3 pela possibilidade de revisão das anistias. Com o plenário dividido, o julgamento foi suspenso e será retomado na sessão de quinta-feira.
A conclusão do julgamento do recurso, que tem repercussão geral reconhecida, deverá alcançar pelo menos 2.500 ex-cabos da força aérea que tiveram concedida a anistia com base na portaria.
O caso
O debate envolve o artigo 8ª do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da CF. O texto determina que só pode ser anistiado quem for prejudicado por "motivação exclusivamente política”. Na avaliação da AGU e do MPF, as anistias concedidas aos ex-cabos da FAB pela portaria 1.104/64 foram por "mera conclusão do tempo de serviço", e não de perseguição política no contexto da ditadura militar.
No recurso em análise, RE 817.338, os ministros debatem a possibilidade de um ato administrativo ser anulado pela Administração Pública se constatada violação ao texto constitucional, mesmo depois de decorrido o prazo decadencial de cinco anos previsto na lei 9.784/99.
Na decisão questionada, o STJ aplicou o prazo declarou a decadência do ato que anulou a portaria interministerial 134/11 do Ministério da Justiça e da AGU, que instaurou procedimento de revisão das anistias. Para o STJ, a portaria interministerial não tem o efeito de reabrir o prazo decadencial já finalizado.
A União sustenta que, se a portaria que concedeu anistia é inconstitucional, a revisão de tal ato não se submete ao prazo da lei 9.784 e impõe à Administração sua anulação. A AGU também argumenta que o pagamento de reparações econômicas aos ex-militares da Aeronáutica que não foram afastados por motivação política é inconstitucional.
Voto do relator
Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, registrou o que já destacado pela PGR: que, no caso, os militares não permaneceram devido ao tempo de serviço completado, de oito anos. Lembrou também do que previsto na CF (art. 8º da ADCT), o qual traz “motivação política”.
"Como se vê, o ato de concessão das anistias malfere a ordem constitucional, pois não se amolda ao figurino do art. 8º do ADCT, que não agasalha os militares licenciados pelo decurso do tempo, situação que não se reveste de motivação política, ou estritamente política, exclusivamente política, como diz o texto do ADCT."
O ministro ainda destacou que a jurisprudência da Corte é no sentido de que o poder/dever de autotutela autoriza a revisão da condição de anistiado político, não havendo que se falar em desrespeito ou violação da segurança jurídica.
Por fim, registrou que a revisão das anistias no caso em exame se refere exclusivamente àquelas concedidas aos cabos com fundamento na portaria 1.104/64 quando se comprovar a ausência de ato com motivação política, "assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal".
O voto do relator foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.
Divergência
Inaugurando a divergência, o ministro Edson Fachin entendeu que o caso em tela não se enquadra em hipótese de flagrante inconstitucionalidade a excepcionar o prazo decadencial previsto na lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública.
O ministro destacou, ante farta documentação constante nos autos, que houve, no âmbito administrativo, intensos debates acerca do tema durante oito anos, quanto à natureza da portaria 1.104.
"Considerar flagrante inconstitucionalidade diante de tantos debates seria reconhecer, prima facie, uma inconstitucionalidade que, prima facie, não foi reconhecida.”
Para Fachin, não se trata de inconstitucionalidade a concessão da anistia, mas sim de nova interpretação acerca de atos normativos e fatos aptos ao reconhecimento do efetivo enquadramento como anistiado político.
"A questão, no fundo, pode se referir até mesmo a erro da Administração em decorrência de nova interpretação conferida a fatos ocorridos em 1964, ou após o golpe civil militar que vitimou a democracia neste país em 1964. Logo, e não se tratando de inconstitucionalidade flagrante, não há se cogitar da impossibilidade de configuração da decadência administrativa no caso em tela."
Considerando inexistir medida impugnadora do ato de concessão da anistia antes da portaria 134/11, bem como por, na visão do ministro, não ter restado demonstrado eventual agir de má-fé por parte do anistiado, e entendendo ausente hipótese de flagrante inconstitucionalidade a impedir a convalidação da nulidade do ato, Fachin entendeu que "efetivamente ocorreu a decadência do direito da Administração de anular o ato administrativo que reconheceu, em 2003, a condição de anistiado político ao impetrante".
Com a divergência votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia.