O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes, decidiram, neste domingo, 8, barrar a apreensão, pela prefeitura, de livros da Bienal do RJ com temática LGBT.
A decisão de Toffoli atende a pedido da PGR (SL 1.248) e suspende despacho do presidente do TJ/RJ, desembargador Cláudio de Mello Tavares, que, no sábado, permitiu que agentes da prefeitura recolhessem obras com temática LGBT que fossem voltadas ao público infanto-juvenil e não estivessem lacradas.
A liminar do ministro Gilmar, no mesmo sentido, foi deferida em outro processo: uma reclamação (Rcl 36.742) impetrada pelos organizadores da Bienal.
O imbróglio teve início na quinta-feira, quando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, pediu que fossem recolhidos exemplares dos quadrinhos "Vingadores, a cruzada das crianças", que têm a imagem de um beijo entre dois personagens homens.
Com as decisões do Supremo, fica proibido qualquer tipo de censura a obras em razão de seu conteúdo, sobretudo a publicação o “Vingadores: A Cruzada das Crianças”.
Decisão de Toffoli
Em suas razões, a PGR destacou a necessidade de suspensão da liminar do presidente do TJ, uma vez que estaria por ferir “frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação”.
Ao decidir, o ministro Dias Toffoli destaca que a decisão do desembargador, ao assimilar relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado para o público infantil e jovem, feriu o princípio da igualdade, e, sob pretensa proteção da criança e do adolescente, "se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito".
O ministro também destacou que o STF reconheceu o direito à união civil para casais formados por pessoas do mesmo sexo, e que tem construído uma jurisprudência consistente em defesa da liberdade de expressão.
"Ademais, o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo."
Para o ministro, "a decisão de origem viola a ordem jurídica e, no mesmo passo, a ordem pública", razão pela qual decidiu pela suspensão.
Decisão de Gilmar
O ministro Gilmar Mendes, em sua decisão, afirmou que a ordem da administração municipal "consubstanciou-se em verdadeiro ato de censura prévia, com o nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística".
Além de violar a proibição constitucional a qualquer ato de censura, destaca o ministro, a decisão do desembargador também contraria posicionamento da Corte Suprema que, nos últimos anos, tem reconhecido o direito fundamental à liverdade das múltiplas opções de orientação sexual e identidade de gênero. Ele também citou a decisão da Corte que considerou que são crimes todas as formas de homofobia e transfobia.
"O entendimento de que a veiculação de imagens homoafetivas é 'não corriqueiro' ou 'avesso ao campo semântico de histórias de ficção' reproduz um viés de anormalidade e discriminação que é atribuído às relações homossexuais. Tal interpretação revela-se totalmente incompatível com o texto constitucional e com a jurisprudência desta Suprema Corte, na medida em que diminui e menospreza a dignidade humana e o direito à autodeterminação individual."
Assim, decidiu por deferir a ilminar, determinando que a prefeitura se abstenha de apreender qualquer livro exposto na Feira bienal do livro, em expecial a publicação “Vingadores: A Cruzada das Crianças”.
O advogado Marcelo Gandelman (Souto Correa Advogados), um dos advogados que assina a reclamação atendida por Gilmar, comemora a decisão e destaca que "o STF demonstrou, de forma absolutamente inquestionável, que este tipo de atitude não vai encontrar abrigo na Corte".
"Não existiu qualquer desrespeito ao ECA por parte da Bienal, ou qualquer dos expositores, pois o desenho representando um beijo entre dois homens não pode ser considerado pornografia. Todas as publicações tinham indicativos de idade e cabe aos pais a verificação daquilo que cabe ser lido ou não por seus filhos."
- Processos: SL 1.248 e Rcl 36.742
"Fato gravíssimo"
Antes mesmo das decisões dos ministros, o decano do STF, ministro Celso de Mello, teria se manifestado sobre a polêmica, classificado como "fato gravíssimo" a censura a livros da Bienal do Rio. Em nota à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o ministro afirma que "um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância".
Para Celso de Mello, "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República".
Leia a íntegra:
A apreensão de exemplares de um livro com temática LGBT na Bienal do Rio de Janeiro mostra-se inaceitável!!!! NA REALIDADE , o que está a acontecer no Rio de Janeiro constitui fato gravíssimo, pois traduz o registro preocupante de que, sob o signo do retrocesso -cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado-, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!!!! Mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo e apologistas de uma sociedade distópica erigem-se, por ilegítima autoproclamação, à inaceitável condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com o apoio de seus acólitos, aos cidadãos da República !!! Uma República fundada no princípio da liberdade e estruturada sob o signo da ideia democrática não pode admitir, sob pena de ser infiel à sua própria razão de ser, que os curadores do poder subvertam valores essenciais como aquele que consagra a liberdade de manifestação do pensamento !!!!
"Inaceitável"
Em nota pública, o IBDA – Instituto Brasileiro de Direito Administrativo repudiou episódio de "censura inaceitável à literatura homoafetiva". Veja a íntegra:
Censura à literatura
O Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) repudia a decisão da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autorizou censura inaceitável à literatura homoafetiva na XIX Bienal do Livro.
O conteúdo do despacho subverte a interpretação do ordenamento jurídico e a doutrina administrativista.
O legítimo exercício do poder de polícia, fiel à realização do interesse público, é incompatível com a imposição de caprichos e concepções moralistas pessoais, contrários à Constituição e à proteção dos direitos fundamentais.
Instituto Brasileiro de Direito Administrativo