Discussões sobre desigualdades sociais e raciais no acesso à educação superior têm motivado a adoção de ações afirmativas. Exemplo disso é a lei de cotas, criada em 2012, para assegurar o acesso às universidades por alunos que frequentaram o ensino médio em escolas públicas, negros e indígenas.
Um caso sobre o assunto aportou no TRF da 1ª região em forma de IAC (incidente de assunção de competência). O julgamento está pautado para o próximo dia 17 de setembro.
O que se discute no processo é a validade da avaliação de heteroidentificação sem estar prevista no edital, sua realização após a conclusão do processo seletivo e a realização mesmo quando o candidato já passou pelo procedimento em outros processos seletivos.
O IAC foi interposto por uma candidata ao curso de medicina da UFSB - Universidade Federal do Sul da Bahia, com o intuito de ser desobrigada a realizar avaliação de heteroidentificação – avaliação cuja objetivo é confirmar, por meio de uma banca, que o candidato se enquadra nos requisitos para ter direito à cota racial.
De acordo com a aluna, ao realizar avaliação de heteroidentificação para análise da veracidade de sua autodeterminação no ato da matrícula, a universidade violou o que prescrito no edital e, consequentemente, os princípios de boa-fé administrativa, proporcionalidade, razoabilidade e isonomia.
A defesa da autora, em aditamento ao IAC, argumenta que caso o Tribunal julgue que a Administração Pública Federal pode realizar a avaliação mesmo sem previsão no edital ou após a conclusão do processo seletivo, ela terá o poder para, de ofício ou a requerimento, revisar a autodeclaração racial mediante procedimento de heteroidentificação no prazo de 5 anos contados do ingresso do servidor ou estudante.
- Processo: 1024853-61.2018.4.01.0000
Negros na universidade
Em 2003, a UnB - Universidade de Brasília foi pioneira a instituir cotas raciais. Segundo dados da universidade, desde que a instituição iniciou sua política de reserva de vagas, 7.648 alunos ingressaram no ensino superior.
De acordo com o último Censo e o PNAD de 2017, os dados mostram que o percentual de negros que concluíram a graduação cresceu de 2,2% em 2000, para 9,3% em 2017. Apesar do crescimento, esse número ainda é muito distante da estimativa de brancos que possuíam ensino superior em 2017.
Cotas raciais no Supremo
Em 2012, além da sanção da lei de cotas, o STF deu provimento ao RE 597.285, com repercussão geral, que reconheceu a constitucionalidade do sistema de cotas em universidades públicas.
No caso, um estudante questionou a política de cotas raciais adotada pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A universidade destinava 30% das 160 vagas a candidatos egressos de escola pública e a negros que também tinham estudado em escolas públicas (sendo 15% para cada), além de 10 vagas para candidatos indígenas.
De acordo com o estudante, o sistema não era razoável e causava um "sentimento gritante de injustiça". O estudante havia prestado o vestibular para o curso de administração em 2008, primeiro ano da aplicação do sistema de cotas naquela universidade, e foi classificado em 132º lugar. Segundo sua defesa, se o vestibular tivesse ocorrido no ano anterior, ele teria garantido vaga, mas, no novo modelo, concorreu a apenas 112 vagas restantes.
O ministro Ricardo Lewandowski, relator do recurso, votou pela constitucionalidade do sistema por entender que os critérios adotados pela UFRGS estavam em conformidade com o julgado na ADPF 186, em que o plenário confirmou a constitucionalidade do sistema de cotas adotado pela UnB.
O caso da UnB, também julgado em 2012, envolvia o pedido do DEM para tornar inconstitucionais as cotas étnico-raciais na universidade. Por unanimidade, o Supremo negou o pedido e considerou constitucional a política sobre o tema.
Os ministros seguiram o voto do ministro Lewandowski, em que afirmou que as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado, com o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas.
“As experiências submetidas ao crivo desta Suprema Corte têm como propósito a correção de desigualdades sociais, historicamente determinadas, bem como a promoção da diversidade cultural na comunidade acadêmica e científica”.
Banca avaliadora
Em 2017, as cotas raciais continuaram a figurar no Supremo, mas, dessa vez, no contexto dos concursos públicos. Na ocasião, o STF analisou a constitucionalidade da heteroidentificação e da lei de cotas em concursos públicos (12.990/14).
Ao julgar a ADC 41, proposta pela OAB em defesa da norma, o STF entendeu, por unanimidade, que a reserva de 20% das vagas para negros em concursos públicos é constitucional.
O Supremo também reconheceu a legitimidade da utilização da heteroidentificação para coibir fraudes. Na ocasião, a partir do voto do relator Luís Roberto Barroso, a Corte fixou o seguinte entendimento:
“É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
Em seu voto, o ministro Barroso afirmou que a lei de cotas, embora crie uma vantagem competitiva para um grupo de pessoas, não representa qualquer violação ao princípio constitucional da igualdade.