Após dez anos de tramitação, foi julgada improcedente a ação do empresário Fernando Sarney, filho de José Sarney, para impedir o jornal Estado de S. Paulo de noticiar informações sobre escutas telefônicas da Operação Boi Barrica. Decisão é do juiz de Direito Atalá Correia, da 12ª vara Cível de Brasília.
Foi nessa ação que o TJ/DF ordenou, liminarmente, em 2009, a censura ao jornal que perdurou por 9 anos, até ser derrubada por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em novembro de 2018.
A Justiça ainda deve decidir se cabe recurso da sentença ao TJ, pois o empresário declarou interesse em desistir do processo durante a ação, o que foi recusado pelo Estado.
Censura
A censura ao jornal durou 3.327 dias. A defesa do empresário havia entrado com a ação contra o Estado depois da publicação de reportagem em 22 de julho de 2009 que mostrava que as gravações ligavam José Sarney, então presidente do Senado, com a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos investigados no âmbito da Operação Boi Barrica, da PF.
Naquele momento, a 12ª vara Cível negou a liminar pedida pelo empresário para impedir a publicação das gravações. A defesa alegava se tratar de diálogos íntimos entre integrantes da família Sarney, desprovidos de interesse público. A defesa de Fernando Sarney negava buscar a censura do jornal, alegando que a intenção era impedir que áudios – mais tarde julgados ilegais – fossem divulgados pelo jornal.
O empresário recorreu da decisão no TJ, onde o feito chegou às mãos do desembargador Dácio Vieira, quando, então, prontamente foi concedida a liminar proibindo o Estadão de veicular o que nem sequer se sabia o que era.
Instado sobre uma amizade com os Sarney, o desembargador negou que houvesse motivo para suspeição. No entanto, o jornal obteve fotos e testemunhos registrando que a relação era suficiente para toldar a imprescindível imparcialidade.
O jornal recorreu. Começava aí um longo emaranhado de decisões que fizeram o caso se arrastar por quase dez anos.
Idas e vindas
Primeiro, o Tribunal decidiu que o processo devia ser enviado à JF/MA para que fosse lá julgado, pois ela é que seria competente para apreciá-lo. O STJ decidiu mandar o caso de volta a Brasília. Em 2014, o recurso do jornal chegou ao STF e foi distribuído para a ministra Cármen Lúcia. Em setembro de 2016, o processo foi redistribuído para Lewandowski em razão de Cármen ter assumido a presidência da Corte. Só então a PGR apresentou parecer favorável ao jornal.
Em maio de 2018, Lewandowski decidiu enviar o caso de volta à 12ª vara Cível, sem apreciar o mérito do recurso do Estado. O jornal recorreu da decisão, e a 2ª turma do STF reformou a decisão de Lewandowski. Votaram contra o relator os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Gilmar Mendes. A favor dele apenas o ministro Dias Toffoli.
Diante disso, o STF voltou a examinar o caso até que Lewandowski decidiu cassar a liminar do TJ e remeter a ação à 12ª vara Cível.
O caso foi parar nas mãos do juiz Correia. Em sua sentença, ele escreveu que "a solução do processo não se dava pela negação de quaisquer direitos", mas pela harmonização deles. Para ele, a "veracidade e o interesse público pautam a liberdade de crônica".
"Ao contrário do afirmado na inicial, não houve divulgação de conversas estritamente particulares do autor, relacionadas à sua vida íntima e desconexas do interesse público."
O magistrado concordou com Lewandowski que, em seu voto, disse que a decisão do TJ/DF violava decisões anteriores do STF que reafirmaram a liberdade de expressão.
O advogado do grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira, afirmou que "o óbvio demorou para ser reconhecido, mas a sentença é um precedente valioso para a defesa da liberdade de informação".