“Hoje você me fez passar mais um dia de raiva e vergonha esperando você para assinar o documento e não apareceu (...) EU NÃO QUERO MARIDO SÓ NO PAPEL.”
A fala colérica acima é um desabafo real da cabeleireira Cleusa Cruz nas redes sociais sobre o drama de seu divórcio: ela passou 25 anos esperando seu ex-marido assinar os papéis que carimbavam o fim do casamento.
Sua história viralizou na web após ter prometido que iria até a casa do ex "de mala e cuia" se ele não assinasse a dissolução da história. A ameaça funcionou. Depois de muitas idas e vindas até o cartório sem sucesso, o ex-marido finalmente compareceu e assinou os documentos.
No tão esperado dia do divórcio, Cleusa foi toda de preto: “Esse é o casamento que eu quero sepultar. Estou de preto, pois hoje é um dia fúnebre. Vinte cinco anos em dez minutos resolve”.
Divórcio unilateral. Esse é o nome do procedimento que teria facilitado a vida de Cleusa, se fosse regulamentado em todo o país. Em maio de 2019, os TJs de Pernambuco e do Maranhão até tentaram regulamentar o chamado “divórcio impositivo”, mas foram proibidos pelo CNJ, sob o argumento de que o desenlace só pode ser feito via Judiciário.
Quando um não quer...
No Brasil, há duas formas de se formalizar o fim do casamento: pela Justiça e pela via administrativa, neste caso, quando há consenso entre o casal e quando não há filhos incapazes. O divórcio unilateral é uma outra maneira de se fazer a dissolução do casamento pela via administrativa, quando uma das partes causa óbice ao divórcio injustificadamente. Nesse caso, as dissoluções poderiam ser realizadas por somente um dos cônjuges, sem que fosse necessária a presença de ambas as partes no cartório.
É importante lembrar que o divórcio é um direito potestativo, ou seja, aquele que não admite contestações. A EC 66/10 facilitou aos cônjuges o exercício pleno de sua autonomia privada ao estabelecer que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, sem requisito de se comprovar separação por período de tempo.
De acordo com os tribunais que tentaram regulamentar esse procedimento, a CF afasta a exigência de quaisquer outros requisitos - objetivos ou subjetivos - para a decretação do divórcio, ou seja, sem restrições temporais ou causais, tornando-o sempre direto e imotivado; o que acarreta, “de forma iniludível e inexorável, a dispensabilidade de sua judicialização”.
Na mesma linha, o TJ/MA também regulamentou o divórcio unilateral. O Tribunal levou em conta princípios que regem o Estado Democrático de Direito como a individualidade, a liberdade, o bem-estar, a Justiça e a fraternidade para desburocratizar o fim de uma união.
Resolvido na Justiça
Pouco tempo depois dos Tribunais regulamentarem, o CNJ se pronunciou proibindo o divórcio impositivo para todo o país. O Corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou que o TJ/PE revogasse o provimento e recomendou a todos os TJs que se abstivessem de editar atos normativos no mesmo sentido.
Humberto Martins reconheceu que ninguém é obrigado a permanecer casado contra a vontade, que o divórcio é um direito potestativo, mas que o único caminho possível, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é via Poder Judiciário.
“Se houver conflito de interesses, impor-se-á a apreciação pelo Poder Judiciário por expressa previsão legal. Essa é a solução escolhida pelo legislador Federal. Outras há, inclusive em países estrangeiros, que podem ser melhores, mais atuais ou até mesmo mais eficazes. Nenhuma delas, porém, obteve o reconhecimento do Congresso Nacional brasileiro. Só por essa razão, de nada lhes adiantarão todos esses supostos méritos.”
Especialista
O advogado Mário Luiz Delgado, do escritório MLD – Mário Luiz Delgado Sociedade de Advogados, professor em Direito Civil explica que o divórcio unilateral não causa nenhuma “surpresa” para o outro cônjuge. Ele esclarece que os provimentos determinavam que o cartório de registro civil notificasse a outra parte, antes de averbar o divórcio.
“O que acontecia com o provimento é que ele permita a desjudicialização dessas questões. Questões que, obrigatoriamente, iriam para o Judiciário, diante da discordância desmotivada de um dos cônjuges e que passariam a ser resolvidas administrativamente.”
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