A 2ª turma do STF garantiu a Fábio Schvartsman, ex-presidente da Vale, o direito de não comparecer à CPI instaurada da Câmara dos Deputados para investigar a tragédia em Brumadinho. Em razão do empate na votação, foi proferido resultado mais favorável ao investigado, conforme determina o regimento interno da Corte.
O depoimento de Schvartsman, convocado na condição de investigado, estava marcado para o dia 4 de junho. Pierpaolo Cruz Bottini (Bottini & Tamasauskas Advogados), responsável pela defesa de Schvartsman, sustentou que seu cliente prestou àquela casa Legislativa todos os esclarecimentos a respeito do tema quando compareceu à audiência pública instalada para tal finalidade, tendo permanecido, na ocasião, à disposição dos parlamentares por cerca de seis horas.
Também alegou haver ameaças concretas à liberdade de locomoção do ex-presidente, caso exerça o direito ao silêncio na sessão para a qual foi convocado. Diante disso, pediu que fosse reconhecido o direito de não comparecer à sessão.
Condução coercitiva
Relator, ministro Gilmar Mendes, explicou que, de acordo com a jurisprudência do STF, tal como ocorre em depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito do investigado não se incriminar perante as CPIs. O direito à não autoincriminação é derivado da união de enunciados constitucionais tais como a dignidade humana, o devido processo legal, a ampla defesa e a presunção de inocência, explicou o ministro.
“O princípio da vedação à autoincriminação determina que o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silencio quando do interrogatório."
Diante disso, o ministro considerou que se aplica ao caso o entendimento da Corte acerca da não recepção pela Constituição Federal da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, firmado no julgamento da ADPF 395.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu parcial divergência em relação ao voto do relator e concedeu o habeas corpus em menor extensão para garantir ao investigado o direito ao silêncio, o direito de ser assistido por advogado, de não ser compelido a dizer a verdade e de não sofrer constrangimento físico ou moral decorrente do exercício desses direitos. Apesar de não deferir o direito ao não comparecimento, o ministro enfatizou que, em caso de violação de qualquer direito, o investigado pode, inclusive, se retirar da sessão.
A ministra Cármen Lúcia votou no mesmo sentido. Para a ministra, não é facultado ao investigado o não comparecimento. Uma vez convocado pela CPI, este deve comparecer.
"A Turma, em razão do empate verificado na votação, deferiu integralmente o pedido de habeas corpus (RISTF, art. 146, parágrafo único), para convolar a compulsoriedade de comparecimento em facultatividade e deixar a cargo do paciente a decisão de comparecer, ou não, à Câmara dos Deputados, perante a CPI-BRUMADINHO, para ser ouvido na condição de investigado."
Especialista
O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso (D'Urso e Borges Advogados Associados), comentou a decisão. Para ele, o STF mudou sua jurisprudência, pois a 2ª turma costumava entender que os investigados eram obrigados a comparecer à CPI, mesmo que fossem ficar calados, exercendo seu direito ao silêncio para não se autoincriminar.
O advogado destacou que essa decisão é muito bem-vinda e retrata coerência e justiça, pois o investigado não está obrigado a se autoincriminar, pelo contrário, pode exercer seu direito constitucional ao silêncio.
“Assim, absolutamente desnecessária sua presença na sessão da CPI, quando irá ficar em silêncio, pois além de inútil sua presença obrigatória neste caso, se prestaria somente a uma exposição indevida e vexatória.”
O especialista, que já acompanhou muitos investigados em CPI, relembra: “Nós advogados que acompanhamos investigados em CPIs, já assistimos o deplorável espetáculo que se realiza para humilhar o investigado e por vezes sua defesa, diante das câmeras de televisão.”
“Os integrantes de uma CPI, revestem-se de poderes semelhantes ao de um magistrado, de modo que não podem mais que um juiz de direito, portanto, não lhes é permitido nada que não seja permitido a um juiz. Vale dizer, o respeito à pessoa do acusado, ao princípio da presunção de inocência e aos seus direitos civis, que devem ser observados pelo juiz, devem também ser observados pelos integrantes de uma CPI, mas na prática sabemos que nada disso é respeitado (...) Por tudo isso, essa decisão deve ser comemorada pela cidadania que deseja ver efetivado nosso Estado Democrático de Direito.”
- Processo: HC 171.438