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Barriga solidária é alternativa para quem não pode engravidar, mas há lacuna legal

A advogada Luciana Munhoz explica que a prática é disciplinada apenas por resolução ética do Conselho de Medicina, situação que gera insegurança jurídica.

10/5/2019

O sonho de ser mãe. É esse o desejo de muitas mulheres que não podem ter filhos. Às vezes, a maternidade só é possível quando o filho é gerado por outra mulher: uma barriga solidária.

A "barriga de aluguel", como a prática é mais conhecida, é ilegal no Brasil. A advogada e especialista em biodireito Luciana Munhoz explica que, embora seja uma prática possível no país, a barriga solidária é disciplinada apenas por resolução do Conselho de Medicina. Sem força impositiva, a lacuna legal abre brechas e causa insegurança jurídica, tanto aos pacientes quanto aos profissionais da saúde.

Lacuna

Segundo Luciana Munhoz, como a mercantilização da medicina é ilegal no Brasil, a cessão de útero deve ser voluntária e por altruísmo de um familiar. A gestão de substituição está disciplinada no Brasil unicamente pela norma do CFM (resolução CFM 2.168/17) – ou seja, não há qualquer lei que disponha sobre a prática. Da mesma forma, somente a resolução é explicita ao dizer que a cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial.

De acordo com a norma do conselho profissional, somente podem realizar este ato familiares com até o quarto grau consanguíneo, ou seja, em primeiro grau: mãe ou filha; segundo grau: avó ou irmã; em terceiro grau: tia ou sobrinha; e, por fim, em quarto grau: prima. Há possibilidade de a mulher não ser familiar a partir de um requerimento a ser realizado no Conselho profissional, que autorizará a clínica a realizar o procedimento nesta mulher. Por fim, a resolução do conselho de medicina também prestigia casais homoafetivos, escrevendo em seu bojo "união homoafetiva".  

A reprodução assistida em si, explica Munhoz, possui regulamentações esparsas na lei de biossegurança (lei 11.105/05), no CC (inciso V, art, 1.597) e pode-se concluir que as violações serão tratadas pela lei de transplantes (lei 9.434/97), posto que esta última norma dispõe sobre órgãos, tecidos e partes do corpo para transplantes e tratamentos.

No exterior

Existem muitas diferenças entre as práticas de reprodução assistida no Brasil e no exterior. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a saúde é um bem que pode ser comercializado, há a possibilidade da "barriga de aluguel", bem como a compra de gametas, escolha de características fenotípicas e sexagem. "Na Califórnia, é possível, ao escolher o gameta masculino, ouvir a voz do doador, saber o QI dele, escolher a cor dos olhos, etc. É um mercado como qualquer outro. Na Europa também há uma maleabilidade maior. Na Dinamarca, por exemplo, há uma naturalidade de exclusão de bebês com síndrome de down", explica Luciana Munhoz. 

A advogada Maria Berenice Dias, especialista em Direito de Família, afirma ser a favor da permissão da prática da "barriga de aluguel", já que a pessoa que cede a barriga vai ser submetida a um procedimento com risco de vida, além de uma situação repleta de restrições que a gestação implica. "Não há motivo para não ser uma prática remunerada, como é em vários países do mundo. Trata-se de um preconceito conservador."

Parentalidade

Luciana Munhoz explica que, se o procedimento for caseiro, no caso de inseminação caseira, por exemplo, ou se os três indivíduos de alguma maneira ludibriarem a clínica, haveria, então, enorme insegurança jurídica sobre o parentesco da criança, podendo a mãe biológica requerer o reconhecimento de maternidade e os pais não biológicos não terem este reconhecimento.

Há, ainda, a possibilidade do ato destas incorrer no crime disposto no art. 15 da lei de transplantes:

Art. 15 Comprar ou vender tecidos, órgão ou parte do corpo humano, cuja pena é 3 a 8 anos e multa, ou algum dos outros crimes desta lei.

Por isso, a advogada destaca a importância de seguir as determinações do conselho de medicina. Em caso, por exemplo, de a mulher que gerou o filho desistir de entregar a criança, sendo parente ou estando autorizado pelo CFM, a mulher que gera o bebê não teria qualquer vínculo com a criança, ainda que tenha sido doadora, por exemplo, do gameta feminino.

"A resolução é explicita ao determinar que a filiação deve ser tratada especificamente em Termo de Compromisso por todos envolvidos (VII, 3.3)."

Maria Berenice Dias explica que, para que haja a possibilidade de amparo legal, quando uma pessoa opta pelo uso de uma barriga solidária, deve ser assinado termo de consentimento, que funcionaria como um contrato, um documento que demonstra a manifestação de vontade dos envolvidos. 

Quanto ao registro civil, esta é uma questão muito peculiar, explica Luciana, porque depende das regras cartoriais que advém de cada cartório. Alguns exigem termos de consentimento, outros seguem somente a certidão de nascimento. "É muito distinto da adoção, porque nesse último caso há a perda do pátrio poder dos pais biológicos e uma nova designação de paternidade."

Por fim, a especialista aconselha aos familiares que procederão à reprodução assistida terem acompanhamento jurídico, posto a especificidade de termos que os procedimentos exigem.

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