A tarde estava agradabilíssima em Lisboa, quando a equipe do site Migalhas saiu em direção a Ericeira.
Em cerca de 30 minutos, chegamos ao antigo vilarejo de pescadores, hoje muito apreciado pelos praticantes de surfe.
A princípio nos perdemos no labirinto das ruas curvas da pequena cidade, até que assomou à sacada de um pequeno edifício uma figura esguia, de terno.
Abanando a mão com simpático cumprimento, lobrigamos ninguém menos do que o ex-primeiro ministro de Portugal, o engenheiro José Sócrates.
Há alguns anos a equipe de Migalhas tentava ouvir o ex-primeiro ministro. Foram sempre baldadas as tentativas. Até que neste abril de 2019 o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido além-mar como Kakay, amigo desta Redação e também de José Sócrates, costurou o encontro.
Ao chegarmos à residência, do alto da sacada o engenheiro passou-nos o código de abertura da porta e lá subimos. Já na entrada, livros e mais livros. Política, sociologia, história, filosofia, eram os temas mais notados.
Com a fidalguia que lhe é inerente, José Sócrates nos levou até a sala e se colocou à disposição para que nós migalheiros montássemos o equipamento de gravação.
Em poucos minutos, tudo montado. O que se seguiu foi uma encantadora aula sobre a situação política brasileira.
Pode-se concordar ou discordar do que pensa o ex-primeiro ministro, mas não se pode negar a habilidade com que ele articula as palavras, emprestando-nos novas luzes sobre a opaca realidade pátria.
Logo no início da conversa, o tema primeiro era o comentário que o ministro Sergio Moro fez ali mesmo em Portugal, no “VII Fórum Jurídico de Lisboa”, sobre o caso que envolve José Sócrates. Entre escorregões vernaculares, Moro teria dito que havia uma crise institucional em Portugal, porque o processo criminal que envolve José Sócrates não teria acabado.
Para quem não sabe, há alguns anos o ex-primeiro ministro ficou preso preventivamente por nove meses em Évora. Depois de quase cinco anos de investigações, foi apenas há alguns meses que houve denúncia por parte do Ministério Público. Denúncia que nem sequer ainda foi recebida. Mas, a propósito, em respeito aos ritos processuais, José Sócrates explicou-nos que não queria comentar o processo em que está envolvido. Isso, no entanto, não o impediu de redarguir a fala de Moro que, para Sócrates, nunca foi verdadeiramente um juiz. Aliás, segundo ele, ao aceitar o cargo no governo de quem se beneficiou com a condenação de Lula, Moro provou que era parcial e que suas intenções eram políticas.
Sócrates falou-nos também sobre o momento político brasileiro, que para ele é uma tragédia.
Segundo ele, a direita moderada traiu os princípios da boa política quando compactuou com o impeachment da presidente Dilma. Nesse momento, segundo Sócrates, deu-se oportunidade para que a extrema direita assumisse o poder.
Outro ponto que Sócrates quis enfatizar foi o erro histórico cometido pelas Forças Armadas, que tomaram partido na disputa política.
Ao final do encontro, José Sócrates, com indisfarçável emoção, falou-nos sobre a situação em que está preso o presidente Lula, e o quanto isso passa uma péssima imagem do país aos olhos estrangeiros. Falou que acompanhou, com profunda tristeza, as vicissitudes que envolveram o desditoso enterro do neto do ex-presidente Lula.
A tarde já havia caído. A noite, com seus mistérios, anunciava-se. Era, pois, o momento de nos despedirmos daquela tão calorosa acolhida.
Deixamos Ericeira com a sensação de que estávamos diante de um momento importante. E nós, com abusada pretensão, sentimos que colocávamos nossa migalha na história.