Seria mais uma audiência na Câmara de Vereadores de Fortaleza/CE se não fosse por um motivo peculiar: a plateia. Os power rangers, pantera negra, chaves, super-man, cebolinha e homem-aranha marcaram presença na sessão. Os personagens da ficção, na verdade, estavam ali por um motivo bem real, a regulamentação dos "trenzinhos da alegria" na cidade.
Os "transportes recreativos de passageiros", conhecidos pelo nome lúdico, são marcados por uma música animada, em que crianças e adultos sobem nos trenzinhos e são entretidas com pessoas fantasiadas de personagens infantis que circulam pelas ruas. Apesar da brincadeira, o MP/CE ajuizou ACP pedindo a proibição da circulação dos veículos em decorrência de inúmeros acidentes causados pela falta de segurança nos veículos, destacando a ausência de regulamentação no serviço.
Segundo o promotor de Justiça do Ceará Luciano Tonet, o serviço, além de não ser regulamentado, também é ilegal, pois contraria determinações do sistema de trânsito. Ele explicou que, a nível nacional, também não existe nenhuma legislação que regulamente a atividade. "Assim, entende-se que o serviço, ao colocar veículos em vias públicas, é completamente irregular, sem qualquer regulamentação a nível nacional (...)".
O procurador cita a norma 2.661/17, da cidade de São Gabriel da Palha/ES, como uma lei municipal referência no tema. Essa lei, por exemplo, estabelece itens obrigatórios do interior do veículo; regras sobre embarque e desembarque de passageiros e até delimita quais tipos de música devem ser tocadas nos trenzinhos.
No entanto, diz que é necessário olhar com cuidado essas legislações, já que a CF estabelece que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte.
“Portanto, não vislumbramos como uma lei municipal ou estadual possa criar uma modalidade de transporte que contrarie o que já foi proibido pelo próprio Conselho Nacional de Trânsito, como transporte de passageiros menores de 10 (dez) anos em veículos de carga ou misto (Art. 5º, inciso VI da Resolução nº 508/2014 do Conselho Nacional de Trânsito).”
Questão trabalhista
Outro fator que coloca em xeque a diversão proporcionada pelos trenzinhos é a questão trabalhista. Existem adolescentes que trabalham em condições precárias de segurança como ausência de local para sentar, cinto de segurança e espaço de trabalho fora do veículo.
O representante do parquet destaca que também não há informações sobre pagamento de benefícios que se caracterizam pertinentes ao caso, como adicional noturno, equipamento de segurança adequado e adicional de periculosidade. "Some-se, inclusive, algumas dificuldades na identificação dos trabalhadores por conta do uso de máscaras e fantasias", completou.
Carreta furacão
Um famoso grupo de trenzinho da alegria é o "Carreta Furacão". Da cidade de Ribeirão Preto, interior de SP, o grupo já existe há 15 anos e é formado pelos personagens Popeye, Mickey, Fofão, Capitão América e um palhaço.
Na cidade natal do Carreta Furacão há lei regulamentando a brincadeira, a qual fora conquistada com a união dos donos dos trenzinhos da cidade que, em 2011, formaram uma associação com o objetivo de regulamentar a atividade. Em 2013, a resposta veio com a publicação da lei 13.030.
A norma dispõe sobre a exploração da atividade recreativa por meio de veículos automotores e rebocáveis caracterizados e conhecidos por "trenzinhos da alegria". O ato 190/15 trouxe alterações para a lei, estabelecendo a obrigatoriedade de alvará para a atividade de prestação de serviço de transporte recreativo; do termo de responsabilidade e deu mais detalhes sobre as condições de fiscalização.
Em Vilha Velha, no Espírito Santo, também há lei que disciplina o tema. Lá, o serviço só poderá ser prestado se a empresa responsável tiver licença prévia expedida pela Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito.
Outra cidade que tem lei sobre o tema é Governador Valadares, em Minas Gerais. A norma estabelece que fica à cargo da Secretaria fiscalizar o cumprimento das normas regulamentares e dos dispositivos estabelecidos no CTB, além de promover anualmente a inspeção do transporte.
Quanto às capitais, como São Paulo ou Rio de Janeiro, não há registro de lei sobre o tema, mostrando que os trenzinhos da alegria fazem parte da cultura interiorana.