O ano de 2018 está chegando ao fim e, com o início do próximo governo, as pautas, que até então eram apenas promessas de campanha, poderão sair do papel. Uma delas é a redução da maioridade penal.
Essa foi uma das bandeiras do plano de governo de Jair Bolsonaro. O presidente eleito já se posicionou diversas vezes sobre o assunto. Em sua conta no twitter, quando era candidato, defendeu que é preciso endurecer a legislação no âmbito criminal.
Em 2015, quando era deputado, Bolsonaro ministrou palestra sobre o tema afirmando que o ECA protege menores que infringem a lei.
A discussão acerca do assunto ganhou fôlego em 2015, quando uma comissão especial foi criada na Câmara para analisar a PEC 171/93, que objetiva reduzir a idade da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos, como estupro e latrocínio, e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
PEC 171/93
Há diversos projetos em tramitação no Congresso Nacional abordando a redução da maioridade penal.
Em 1993, o então deputado Benedito Domingos apresentou a proposta para alterar a redação do art. 228 da CF com o objetivo de reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos: é a PEC 171. Ao longo dos anos, outros textos com o mesmo objetivo foram apensados a essa proposta, que ficou arquivada por 22 anos.
Em 2015, formou-se uma comissão especial na Câmara dos Deputados para apreciar a proposta, que foi aprovada em primeiro e segundo turnos, determinando a diminuição da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. O texto aprovado aguarda apreciação no Senado Federal.
O advogado e professor Renato Rehder explica que há uma discussão jurídica em torno do assunto: de um lado estão os juristas que compreendem a maioridade penal como uma cláusula pétrea, não podendo ser alterada; de outro, uma parcela distinta que aponta que a simples alteração da idade prevista na CF/88 não resultaria em afronta ao texto constitucional.
Para Rehder, é necessário desmistificar a ideia de que o adolescente não é responsabilizado pelos seus atos, uma vez que, na verdade, a legislação prevê formas de intervenção. Na prática, explica Rehder, reduzir a maioridade penal não alteraria os índices de violência no Brasil - ao contrário, há a necessidade de implantar políticas públicas setoriais na área da infância e juventude, investindo em educação, saúde e assistência.
A advogada criminalista Flávia Rahal acredita que é necessário muito mais do que uma proposta "que transforma jovens em adultos" para fins de responsabilização criminal: é preciso que as instituições apliquem a legislação pertinente para transformar a punição ao menor em caminho legítimo para a sua reinserção na sociedade. Em conformidade, o magistrado Carlos José Limongi Sterse enaltece a necessidade de criação de políticas públicas, para promover oportunidade aos adolescentes e fortalecer a família.
Histórico
Apesar de ser um tema recente, a questão da maioridade penal é tratada na legislação desde o Império.
O limite de idade para cumprir penas foi instaurado no Brasil, pela primeira vez, através do Código Criminal do Império, em 1830. Em conformidade com seu décimo artigo, jovens de 14 anos poderiam responder criminalmente pelos seus atos e, os menores a essa idade, iriam para “casas de correção” que abrigava jovens de 14 a 17 anos.
Um ano após o Brasil se tornar República, o Código Penal de 1890 definiu que crianças e adolescentes entre 9 e 14 anos que se envolvessem em crimes poderiam ser encaminhadas para estabelecimentos disciplinares se o juiz concluísse que agiram com discernimento.
A primeira legislação voltada especificamente para jovens, o Código de Menores, surgiu em 1927 e ficou conhecido como “Código Mello Mattos” devido a atuação do primeiro juiz de menores do Brasil, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, a favor dos direitos da criança e do adolescente.
Foi a partir daquele ano que jovens com 17 anos ou menos tornaram-se penalmente inimputáveis, podendo responder por crimes somente a partir dos 18 anos; essas idades foram, tempos depois, reafirmadas pelo Código Penal de 1940.
Durante o governo militar, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e o Código de Menores foi revisto em 1979, pelo governo de João Figueiredo. O Novo Código de Menores adotou o termo “menor em situação irregular” para designar jovens sem assistência social, em situação de abandono, dentre outras situações nas quais o Código visava, de acordo com seu primeiro artigo, dispor sobre a assistência aos menores.
O magistrado Carlos José Limongi Sterse explica que a visão tradicional da época era de que crianças e adolescentes eram consideradas um problema para o Estado e autoridades judiciárias.
Após a redemocratização, a idade mínima para responsabilização penal foi fixada pela CF/88, ficando determinado que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, estando sujeitos às normas de legislação especial.
Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente revogou o Código de Menores de 1979. O ECA inovou ao dispor de forma ampla sobre a proteção da criança e do adolescente. Seus 267 artigos se desdobram em relação a direitos fundamentais como à vida, à saúde, à convivência familiar, à educação e à cultura.
Segundo Rehder, o ECA adotou a chamada “doutrina da proteção integral”, para resguardar de forma integral os interesses da criança e do adolescente e, em relação à esfera penal, tornou obrigatória a defesa técnica por advogado nas ações socioeducativas.
O Estatuto determinou serem inimputáveis os menores de 18 anos, cabendo destacar as medidas socioeducativas em casos de ato infracionais como formas de responsabilização, havendo, desde uma advertência, à restrição da liberdade.