A 2ª turma do STF julgou nesta terça-feira, 19, a segunda ação penal da Lava Jato, agora contra a senadora Gleisi Hoffmann e seu marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, além do empresário Ernesto Rodrigues.
A ação foi relatada pelo ministro Fachin e revisada pelo ministro Celso de Mello, que ficaram vencidos em parte. Gilmar Mendes e Lewandowski seguiram o voto parcialmente divergente do ministro Toffoli, que absolveu os réus de todas as condenações - inclusive a nova tipificação de falsidade ideológica para fins eleitorais (caixa dois) proposta pelo relator ao ato da senadora.
O presidente da turma, ministro Lewandowski, informou logo no início da sessão que terminariam hoje o julgamento da ação; em decorrência da pauta extensa, convocou sessão extraordinária para a próxima terça-feira, 26, no período da manhã. De fato, a sessão foi encerrada quase às 23h.
Gleisi, Paulo Bernardo e o empresário Ernesto Kugler Rodrigues foram acusados de solicitar e receber R$ 1 milhão oriundos de esquema de corrupção na Petrobras para a campanha eleitoral de Gleisi ao Senado, em 2010. A denúncia foi recebida pela 2ª turma em julgamento realizado em setembro de 2016.
Na sessão desta terça-feira, 19, após a leitura do relatório pelo ministro Fachin, o subprocurador-Geral da República Carlos Vilhena pediu o provimento da denúncia em todos os seus termos em relação aos três denunciados, para que fossem condenados por corrupção passiva majorada, lavagem de dinheiro majorada, bem como sejam aplicadas as penas patrimoniais e a perda da função pública.
"A senadora devia ter estancado a sangria que ocorria na Petrobras. Não se cuida de dever genérico e abstrato descumprido sem ciência."
Defesas
O advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch (Mudrovitsch Advogados) logo no início destacou na sustentação oral em defesa da senadora Gleisi Hoffmann que a ação penal é única e exclusivamente lastreada "nas palavras confusas de colaboradores premiados".
"A acusação do Ministério Público carece de qualquer outro elemento probatório. A denúncia sequer teria sido recebida dois anos atrás, segundo o entendimento atual da turma; é inquestionável que o substrato da denúncia é exclusivamente fulcrado em palavras de colaboradores, que sequer se autoconfirmam."
Assista ao vídeo:
A defesa destacou trechos da força-tarefa da Lava Jato que desqualificaram as palavras de Paulo Roberto Costa para então completar: “Temos um colaborador que, nas palavras do Ministério Público, não merece credibilidade.”
A divergência nas versões apresentadas entre Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff também foi destacada pelo defensor. Fazendo um distinguish em relação à primeira ação penal da Lava Jato julgada pela turma, há poucas semanas, Mudrovitsch citou que não há registro de entrada de Gleisi ou Paulo Bernardo em qualquer local dos colaboradores.
"No caso da AP 996, havia algum rastro do dinheiro, segundo V. Exas. No presente caso sequer temos segurança da pessoa que teria entregue o dinheiro. (...) A acusação é vazia de qualquer elemento probatório e consagra o mau uso do instituto da colaboração premiada."
Por sua vez, o advogado Juliano Breda, em defesa do ex-ministro Paulo Bernardo, sustentou que o julgamento seria importante para “a reconstitucionalização do processo penal brasileiro”; para ele, trata-se de “processo simbólico que revela o prévio conluio entre colaboradores”.
"O grave da Lava Jato é que o MPF trata os colaboradores com credibilidade seletiva. O que não interessa à versão acusatória é prontamente desprezado."
Também o advogado destacou que não há registro de qualquer agenda de reunião entre Paulo Roberto Costa, Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann: “Não há registros de ligações telefônicas. O MP não trouxe aos autos um e-mail, uma mensagem, uma ligação entre Paulo Bernardo e Paulo Roberto Costa. Este diz que nunca tratou desse assunto com Paulo Bernardo, ao contrário de Alberto Yousseff, que muda seis vezes de versão. (...) Todos os colaboradores se contradizem. Uma delação mata a outra, se aniquilam.”
A advogada Verônica Abdalla Sterman também falou em defesa de Paulo Bernardo. Em seguida, foi a vez do advogado José Carlos Garcia sustentar oralmente da tribuna em favor do empresário. Garcia reafirmou as “graves contradições que existem no âmbito do processo” e assegurou que “não há prova efetiva desse recebimento. E não há prova também de que Ernesto tenha de algum modo participado de qualquer esquema espúrio na Petrobras”.
Após quase quatro horas de sustentações orais, a sessão foi suspensa por cerca de meia hora.
Falsidade ideológica
O ministro Edson Fachin iniciou o voto rejeitando as quatro preliminares que foram suscitadas. Em seguida, passando ao mérito, S. Exa. consignou logo no início que os fatos apontados nas colaborações encontram suporte em outros elementos de prova produzidos sob o crivo do contraditório.
"O cotejo entre as narrativas e por ocasião dos interrogatórios em juízo revela efetiva atuação de Ernesto na campanha de Gleisi. Admitida essa participação, ainda que informal, é plenamente compatível com a versão da denúncia a circunstância de que Ernesto foi encarregado do recebimento dos valores de Paulo Roberto Costa."
Embora tenha entendido provado nos autos o efetivo recebimento de valores para a campanha da senadora, Fachin concluiu como não configurado o crime como descrito na denúncia (de corrupção passiva). Para Fachin, a configuração nacional do regime presidencialista confere aos parlamentares poder que vai além da mera edição de atos legislativos.
"Evidente que um parlamentar, ao receber dinheiro em troca de apoio político para diretor de estatal, está sim mercadejando seu cargo. Nada obstante a posição que tenho, ainda que a denunciada fosse considerada expoente nos quadros do PT, e mesmo sendo viável a configuração em abstrato do crime, antes do agente ser investido da função pública, a possibilidade de interferência na manutenção de PRC como descrito na inicial não encontra suporte no conjunto probatório."
O relator lembrou o hiato político de Gleisi, de 2006 até 2010, quando eleita para senadora.
"Embora em tese seja possível o mercadejamento da função pública antes mesmo da investidura do agente, essa possibilidade deve ser vista com ressalva nos cargos eletivos. Disso (conjunto probatório) não se desincumbiu o MPF."
Conforme Fachin, dos autos "emerge novo contexto", qual seja, o da falsidade ideológica, já que provado o recebimento dos valores destinados por Paulo Roberto Costa à campanha de Gleisi em 2010.
"Não se vê a declaração da quantia em pauta à Justiça Eleitoral, tratando-se de omissão que por si só materializa o crime de falsidade ideológica material."
O relator afirmou que a conduta omissiva da acusada leva à sua condenação, mas que como a prestação de contas é de responsabilidade exclusiva do candidato, a conduta do corréu Ernesto revela-se atípica, circunstância que enseja sua absolvição nesse ponto.
Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, Fachin lembrou que no ano de 2010 esse delito não figurava no aludido rol dos crimes antecedentes: "Só entrou no Brasil em 2012 e evidentemente não se pode aplicar legislação retroativamente."
Assim, propôs aos colegas como dispositivo final do voto: (i) absolver Paulo Bernardo das acusações de corrupção passiva; (ii) desclassificar a conduta atribuída a Gleisi Hoffman de corrupção passiva para falsidade ideológica e condená-la nos termos da fundamentação; (iii) desclassificar a conduta atribuída a Ernesto de corrupção passiva e absolvê-lo; (iv) absolver todos os acusados das acusações do delito de lavagem de dinheiro.
- Veja o voto do ministro Fachin.
Depois do relator foi a vez do decano Celso de Mello, revisor da ação penal, proferir seu voto. S. Exa. acompanhou o voto de Fachin, resumindo em cerca de uma hora um voto com mais de 100 laudas.
Absolvição
Por sua vez, o ministro Toffoli divergiu dos colegas ao julgar totalmente improcedente a ação penal.
Toffoli acredita que não há nos autos elementos probatórios suficientes para a condenação - inclusive da senadora Gleisi Hoffmann quanto ao crime de falsidade ideológica. Conforme o ministro, os termos de colaboração, conflitantes, não encontram respaldo em elementos externos. Quando existem, esses elementos são dos próprios colaboradores, o que não é suficiente.
"Toda a argumentação desenvolvida tem como fio condutor os depoimentos dos colaboradores. Os termos não encontram respaldo em elementos externos de corroboração, o que contraria entendimento que venho adotando neste Supremo Tribunal Federal."
- Veja o voto do ministro Toffoli.
O 4º voto a ser proferido foi o do ministro Gilmar Mendes, que discursou:
"É natural que diante das promessas que se façam as pessoas façam os ajustes. Quantos relatos temos ouvido de advogados que dizem que havia um convite para que houvesse a delação? E mais do que isso, para que a delação envolvesse dados nomes. Alguém tem dúvida de que se manipula de maneira escancarada a prisão preventiva? Para se obter delação? Não queiram uma República de juízes e promotores."
Por falta de provas suficientes à condenação, Gilmar também votou pela absolvição de todos os acusados, inclusive a presidente do PT, quanto ao crime de falsidade ideológica. Diante do empate, o voto de minerva ficou a cargo do presidente da turma, ministro Lewandowski, que logo afirmou:
"São tantas as incongruências, inconsistências nas colaborações premiadas, que elas se tornam completamente imprestáveis para sustentar qualquer condenação e não apenas a imputação relativa a lavagem e corrupção passiva. Não encontro presentes nos autos elementos externos de corroboração que confirmem de forma independente e segura as informações prestadas pelos delatores em seus depoimentos."
Assim a turma, no mérito, por maioria, julgou improcedente a ação penal, nos termos do voto do ministro Toffoli, vencidos, em parte, relator e revisor, que julgavam parcialmente procedente a ação penal, condenando a senadora Gleisi por caixa dois.
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Processo: AP 1.003