"Como é que a OAB dá um título para alguém que não está qualificada para exercer a profissão?" O questionamento foi proferido pelo juiz de Direito Joaquim Solón Mota Junior, da 2ª vara de Família de Fortaleza/CE, localizada no Fórum Clóvis Beviláqua, em meio a audiência relacionada à guarda de crianças realizada na última quarta-feira, 21.
O caso, que corre em segredo de Justiça, envolvia a guarda de duas crianças, pleiteada pelo pai. Uma das meninas teria alegado que apanhava da mãe. A advogada apontou que juntou aos autos uma série de pedidos de tutela de urgência, e tentava contato com o juízo para explicar o processo delicado, mas não conseguiu resposta, visto que o magistrado estaria sempre “muito ocupado”.
Como o juiz saiu de férias, a 3ª vara assumiria a urgência, a qual, então, pediu parecer do MP. Neste ínterim, no entanto, uma das crianças, que sofria de problemas de saúde, faleceu. A advogada, então, teria apontado a inviabilidade de acesso ao juiz e imputado à omissão do Judiciário a morte da criança.
Para o magistrado da 2ª vara, as acusações foram muito graves. Em audiência, ele advertiu a advogada. Afirmou que ela tinha "idade para ser sua filha" e que atribuiria o problema à “imaturidade, ingenuidade e à pouca vivência na prática”. "Você não desmentiu a versão que ela tinha dito aqui de que você saiu propagando que elas tinham matado a criança. Isso é um ato absolutamente irresponsável e criminal", pontuou o juiz. Ele apontou que a advogada se envolveu emocionalmente no processo, e que a um advogado cabe apenas a assessoria técnica. “Você se queimou comigo.”
Ouça o áudio:
Repúdio
Em favor da advogada, a OAB/CE publicou nota de repúdio na última sexta-feira, 23. Para a seccional, a atitude do magistrado foi desrespeitosa e constrangedora. “As ofensas proferidas pelo magistrado procuraram desqualificar o trabalho desenvolvido pela advogada, visando intimidá-la para ocultar a ausência de agilidade da análise de pedidos de tutela jurisdicional de urgência, que permaneceram inertes na Secretaria da Vara, a propósito da morosidade desta”, diz o texto. Veja a íntegra:
Nota de Repúdio
A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará, por meio de seu Conselho Seccional, repudia a atitude desrespeitosa e constrangedora do magistrado Joaquim Solón Mota Junior, da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, que agrediu com termos ofensivos uma advogada no exercício de sua profissão, na tarde da última quarta-feira (21).
A Constituição Federal prevê o direito de acesso ao Judiciário, bem como a necessidade da advocacia para a defesa do jurisdicionado. As ofensas proferidas pelo magistrado procuraram desqualificar o trabalho desenvolvido pela advogada, visando intimidá-la para ocultar a ausência de agilidade da análise de pedidos de tutela jurisdicional de urgência, que permaneceram inertes na Secretaria da Vara, a propósito da morosidade desta.
A advogada foi censurada pelo magistrado perante as partes do processo em que atuava e, posteriormente, diante de advogados e membros da Defensoria Pública, após a realização de audiência. Uma situação constrangedora não só para ela, mas para todos os operadores do direito presentes. Uma afronta às prerrogativas advocatícias e falta de zelo do magistrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, já que, como pôde ser conferido em áudio gravado pela advogada, a postura do juiz foi, de fato, vergonhosa.
A OAB atua e continuará a atuar na defesa intransigente das prerrogativas da advocacia, baseada no diálogo e no bom senso, em homenagem à inexistência de hierarquia ou subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratarem-se com consideração e respeito recíprocos. Desta forma, não se esquivará de adotar as medidas judiciais e/ou administrativas necessárias para garantir o livre exercício profissional.
O mesmo se estende à garantia de que nenhum membro da advocacia seja constrangido por conta de sua atuação profissional em defesa dos interesses de seus constituintes, concretizando assim o Acesso à Justiça.
A OAB Ceará afirma, ainda, que está requerendo providências junto ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado no sentido de apurar os fatos e tomar medidas por justiça e coação de novas afrontas aos advogados cearenses.
A ACM - Associação Cearense de Magistrados, por sua vez, publicou nota, no sábado, 24, em apoio ao juiz da 2ª vara de Família, repudiando a conduta da seccional da OAB. Veja a íntegra.
A Associação Cearense de Magistrados (ACM) manifesta apoio ao juiz da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, Joaquim Solón Mota Junior; ao tempo em que repudia, veementemente, a conduta da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE), que divulgou nota pública, em meio escrito e na mídia social, numa campanha acusatória e difamatória contra o mencionado magistrado.
A entidade esclarece que o fato noticiado envolve advogada descontente com o trâmite processual legal, tratando-se de circunstância inaceitável, uma vez que afronta a independência judicial da magistratura, principalmente quando atinge diretamente um juiz que, em 2017, teve produtividade bem acima da média nacional.
Ressalta-se que a gravação da conversa demonstra claramente que a advogada Sabrina Veras imputou aos servidores da unidade judiciária, de forma inconsequente, o falecimento de uma criança, o que ensejou a repreensão do magistrado.
É inadmissível tornar pública conversa que trata de um processo que corre em segredo de justiça, violando a própria lei.
Por fim, a ACM ratifica sua postura de defesa aguerrida do livre trabalho dos juízes e da autonomia judicial, como primordiais à missão da magistratura de aplicar as leis e entregar justiça à sociedade.
Fortaleza, 24 de fevereiro de 2018
Ricardo Alexandre da Silva Costa
Presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM)