Exatamente cem advogados subscreveram uma carta aberta ao IASP em crítica ao evento capitaneado pela comissão de Diretos Humanos do Instituto, intitulado: “A defesa dos Direitos Humanos Coletivos do Povo contra a Corrupção. O direito à administração pública eficiente. Ação, agenda e Limites”.
No documento, os advogados ressaltam que, na era da Lava Jato, “a bandeira do combate à corrupção é discussão praticamente monotemática no país, que encobre temas sobre questões tão ou mais importantes”.
“Assim, o título elegido por um Instituto da envergadura do IASP, mais do que demonstrar quase que uma falta de criatividade, parece apenas uma invocação demagógica, agradando a opinião pública em detrimento dos objetivos do Instituto."
Veja abaixo a íntegra da Carta.
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São Paulo, 05 de outubro de 2017.
Carta aberta ao IASP
Ao entrarmos no site oficial do IASP – o Instituto dos Advogados de São Paulo – nos deparamos, incialmente, com a explicação quanto aos seus propósitos estatutários, nos quais se incluem “a difusão dos conhecimentos jurídicos”, “a defesa do estado democrático de direito, dos direitos humanos, dos direitos e interesse dos advogados”.
Pouco abaixo há a divulgação de um evento capitaneado pela comissão de Diretos Humanos do Instituto, intitulado: “A defesa dos Direitos Humanos Coletivos do Povo contra a Corrupção. O direito à administração pública eficiente. Ação, agenda e Limites”.
O título choca. O planejamento do evento choca. O tema escolhido para ser trazido ao debate também choca.
Tecnicamente, sequer se deveria admitir a expressão “Direitos Humanos Coletivos do Povo”. “Coletivos”, em âmbito jurídico, é termo que se emprega à determinada categoria de pessoas (“os consumidores”, por exemplo). O fato dos direitos humanos serem “de todos”, não significa, tecnicamente, que sejam “coletivos”, na acepção jurídica do termo. Os direitos humanos, aliás, dependem da individualização do sujeito como categoria política e jurídica.
É ainda, inadequado falar-se em “povo” como sinônimo de conjunto de cidadãos. “Povo” é conceito advindo das ciências sociais que se refere a grupos que se unem por laços culturais de tradição, permitindo que se chegue a vertentes de pensamento (ligadas a nacionalismo, patriotismo, por exemplo), permitindo eventuais e perigosas divagações que podem incluir determinadas pessoas e excluir outras.
Mas a verdade é que a falta de rigor técnico no título do evento chega a parecer proposital, quase que como uma forma de tornar “palatável”, em um evento, o uso da expressão “Direitos Humanos” ao combate de crimes, já que a expressão é erroneamente associada à defesa de “bandidos”, como se diz popularmente.
Não fosse isso, e de toda forma, pudéssemos dispensar o rigor técnico, relacionar “Direitos Humanos” com combate à corrupção é um salto hermenêutico e tanto, no mínimo.
Em tempos de Lava Jato, a bandeira do combate à corrupção é discussão praticamente monotemática no país, que encobre temas sobre questões tão ou mais importantes. Assim, o título elegido por um Instituto da envergadura do IASP, mais do que demonstrar quase que uma falta de criatividade, parece apenas uma invocação demagógica, agradando a opinião pública em detrimento dos objetivos do Instituto.
A classe dos advogados não pode se calar diante dos absurdos que estão ocorrendo em grande escala, enquanto todos se limitam a aplaudir arbitrariedades cometidas em nome do desejado e popular combate desenfreado à corrupção.
Enquanto se enaltecem magistrados e procuradores, com fotos, autógrafos e bajulações desnecessárias, em nome de um pretenso moralismo, estão se calando para os evidentes abusos de direito de defesa, para o encarceramento em massa, para as arbitrariedades e para os abusos de autoridade que vêm ocorrendo em todos os níveis. Ora, acabamos de presenciar a morte do Reitor da UFSC, que sucumbiu aos evidentes exageros de uma Administração Pública que se diz eficiente, por exemplo. Mais do que isso, como se fosse pouco, estamos vivendo, a cada dia, o aumento desenfreado de prisões provisórias, a falta de dignidade dos presos, as relativizações a princípios constitucionais, dentre diversas outras questões – essas sim – que dizem respeito aos direitos humanos. Não se está aqui concordando com a corrupção ou dizendo que seu combate não seja importante ou necessário. O que se coloca é que enquanto os direitos humanos dos acusados têm sido violados diuturnamente, um instituto de Advogados está chamando militares à mesa para falar de combate à corrupção, em nome de supostos “Direitos Humanos Coletivos do Povo”.
Como bem relembra Maíra Cardoso Zapater, doutora em direitos humanos pela USP1, “Quem brada que ‘o Brasil é o país da impunidade’ e que ‘ninguém vai preso nesse país’ talvez desconheça o fato de sermos a 4ª população carcerária do mundo (em números absolutos), e que cerca de 40% dessas pessoas estão encarceradas sem julgamento. Prende-se muito, e prende-se mal”. Todavia, se sequer os advogados falam sobre isso, com a urgência e necessidade que nosso sistema jurídico demanda, quem falará?
Cabe aqui uma reflexão. Mais do que se preocupar com uma Administração Pública eficiente no combate à corrupção, deveria o IASP estar preocupado com o direito a uma Administração verdadeiramente eficiente, ou seja, que não use o aparato estatal de maneira desmedida; que não admita um estado policial, em que se realizem prisões provisórias que menos atendem ao processo ao qual se destinam e mais atendem aos anseios da mídia; e que não diminua o princípio constitucional da presunção de inocência.
Aos subscritores, advogados, que sempre se sentiram representados pelo IASP, resta a sugestão – ou talvez um apelo, melhor dizendo – para que os organizadores de eventos se atentem para a necessidade premente de se trazer ao debate os abusos espetaculares e midiáticos provocados pela Administração Pública, em nome, justamente, de uma falaciosa (e por vezes até criminosa) “eficiência”, com a consequente mitigação dos direitos humanos de acusados.
Assim, talvez, o Instituto volte a se aproximar de seus objetivos estatutários, quais sejam “a defesa do estado democrático de direito, dos direitos humanos, dos direitos e interesses dos advogados, bem assim da dignidade e do prestígio da classe dos juristas em geral”, tal qual estampados em sua página inicial.
1. Paula Moreira Indalecio
2. Roberto Podval
3. Weida Zancaner
4. Celso Antonio Bandeira de Mello
5. Alberto Toron
6. Marco Aurélio Carvalho
7. Bruno Salles Ribeiro
8. Anderson Bezerra Lopes
9. Fabiano Silva dos Santos
10. Roberto Tardelli
11. Lenio Streck
12. Pedro Estevam Serrano
13. Gabriela Araújo
14. Fernando Hideo I. Lacerda
15. Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay)
16. Odel Mikael Jean Antun
17. Luis Fernando Silveira Beraldo
18. Marcelo Gaspar Gomes Raffaini
19. Renato Afonso Gonçalves
20. Luciano Rollo
21. Márcio Tenenbaum
22. Geraldo Prado
23. Gisele Cittadino
24. Caio Favaretto
25. Ana Amélia Mascarenhas Camargos
26. Valeska Teixeira Zanin Martins
27. Leonardo Isaac Yarochewsky
28. Vitor Marques
29. Laio Correia Moraes
30. João Vicente Augusto Neves
31. Aldmar Assis
32. Fábio Gaspar
33. Luciana Santos
34. Ruy Rios Carneiro
35. Pedro Henrique Viana Martinez
36. Luciano Barbosa
37. Alfredo Ermírio de Araújo Andrade
38. Kaíque Rodrigues de Almeida
39. Aline Cristina Braghini
40. Fernando Augusto Fernandes
41. Otávio Pinto e Silva
42. Luis Carlos Moro
43. Pedro Gomes Miranda e Moreira
44. Gustavo Barijan
45. Rodrigo Frateschi
46. José Eduardo Martins Cardozo
47. Eugênio Aragão
48. César Pimentel
49. Cleiton Leite Coutinho
50. José Francisco Siqueira Neto
51. Maristela Monteiro Pereira
52. Benialdo Donizetti Moreira
53. Álvaro de Azevedo Gonzaga
54. Márcia Pelegrini
55. Maurício Zockun
56. Glauco Pereira dos Santos
57. Carol Provner
58. César Augusto Vilela Rezende
59. Marcus Vinícius Thomaz Seixas
60. Marcos Augusto Rosatti
61. Luiz Eduardo Greenhalgh
62. Takao Amano
63. Fábio Alexandre Costa
64. Suzana Angélica Paim Figuerêdo
65. Lúcio dos Santos Ferreira
66. Evandro Colasso Ferreira
67. Ailton Angelo Bertoni
68. Rogério Santa Rosa
69. Jefferson Emídio da Silva
70. Rafael Valim
71. Claudia Loturco
72. Eduardo Piza Gomes de Mello
73. Maricy Valletta
74. João Ananias Moreira Silva
75. Renata Pereira da Silva
76. Ericson Crivelli
77. Paulo Teixeira
78. Rosemeire Aparecida da Fonseca
79. Rogerio Borges dos Santos
80. Fernanda Gomes de Sá Paulo Poli
81. Magnus Henrique de Medeiros Farkatt
82. Ieda Maria Ferreira Pires
83. Eunice Storti
84. Andrea Carvalho Alfama
85. Cristiano Zanin
86. Flávia da Silva Piovesan
87. Waldiney Ferreira Guimarães
88. Álvaro Edgar Pinho Simão
89. Jemima de Moura Cruz Gomes
90. Maria das Graças Perera de Mello
91. Arnobio Lopes Rocha
92. Ricardo Calil Haddad Atala
93. Marco Antonio Carlos
94. Alencar Santana Braga
95. Noirma Murad
96. Stella Bruna Santo
97. Gabriel de Carvalho Sampaio
98. Ediana Balleroni
99. Jarquelene Oliveira do Nascimento
100.Felipe Bastos de Paiva Ribeiro
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