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CNJ absolve juíza punida por libertar presos que já tinham cumprido pena

Magistrada havia sido punida com pena de censura por violação ao princípio da colegialidade.

29/8/2017

Por 10 votos a 1, o Conselho Nacional de Justiça anulou nesta terça-feira, 29, a pena de censura aplicada à juíza Kenarik Boujikian, que expediu monocraticamente alvarás de soltura de 11 réus que estavam presos há mais tempo do que a pena fixada nas sentenças. A pena havia sido aplicada pelo TJ/SP, sob a alegação de violação ao “princípio da colegialidade”.

Boujikian atuava como juíza substituta em segundo grau na 7ª câmara Criminal do Tribunal. Seu colega no colegiado, desembargador Amaro Thomé Filho, foi quem realizou o pedido de apuração da conduta da magistrada, por entender que as decisões foram proferidas sem ter dados suficientes sobre a execução das penas dos réus. A decisão do TJ a favor da pena foi por maioria, em placar de 15 a 9 votos.

De acordo com a defesa da juíza, capitaneada por Igor Sant’Anna Tamasauskas, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, em 7 dos casos apontados pelo desembargador Amaro Thomé Filho, havia apenas recurso por parte da defesa, isto é, que não poderiam aumentar as penas impostas. Bastaria, por exemplo, que os advogados constituídos desistissem de recorrer para que fossem postos em liberdade. Em outros 3 casos, os recursos eram da acusação e da defesa. Mesmo nesses casos, as prisões se estendiam para mais tempo do que a condenação estabelecida em sentença, ou seja, a prisão se mantinha por uma “expectativa de aumento de pena”, situação que o CNJ já apontara como indevida no mutirão de desencarceramento de 2011.

No começo do ano, a defesa apresentou uma revisão disciplinar ao CNJ, argumentando frontal violação à independência jurisdicional, bem como a punição indevida por não ter sido identificado dolo ou culpa da magistrada. Foi pleiteada liminar para obstar a realização de concurso de promoção enquanto não finalizada a tramitação do expediente perante o Conselho Nacional. Essa liminar foi deferida.

Na sessão desta terça-feira, o CNJ julgou o mérito da revisão e revogou a pena de censura. O conselheiro Carlos Levenhagen, relator da revisão disciplinar do CNJ, foi o único a não conhecer o pedido da juíza e manter, dessa forma, a pena de censura imposta pelo TJ. Já o conselheiro Gustavo Alkmin, que inaugurou a divergência, considerou que a juíza foi punida em razão do teor de suas decisões, o que seria uma afronta à Loman. “Punir o magistrado por sua compreensão jurídica é maior violência à sua liberdade e à sua independência”, disse Alkmin.

Os demais membros do Conselho acompanharam a divergência e a pena de censura foi anulada. Para a ministra Carmen Lúcia, presidente do CNJ e do STF, há uma diferença óbvia entre censura como pena e o fato de ser censurado, que é algo que a Constituição proíbe. “Nesse caso, com todo o respeito ao grande TJ/SP, parece que a magistrada tenha sido censurada pela sua conduta e compreensão de mundo incidindo sobre os fatos por ela examinados, e isto é grave”, disse a ministra Cármen Lúcia.

Para a ministra, nenhum país democrático, e nenhum cidadão, pode dormir sossegado se não tiver a certeza de que o juiz foi conduzido pela convicção do direito. “É isto que dá a necessária segurança jurídica de direitos e liberdades”, disse. A ministra ressaltou ainda que o tribunal alegou que haveria diferença nas decisões da juíza em relação à jurisprudência prevalecente. “Se jurisprudência prevalecente fosse determinada vinculante, o direito morreria. Porque ele se torna vivo e atualizado exatamente porque o voto vencido de hoje pode ser o vencedor de amanhã”.

Para o conselheiro Carlos Eduardo Dias, a juíza Kenarik fez aquilo que se espera do magistrado, sobretudo no que diz respeito à liberdade. “Esta magistrada foi punida por trabalhar”, diz o conselheiro. Para ele, as onze pessoas que foram soltas pela juíza são pobres, já que, se não o fossem, teriam advogados muito bem pagos que iriam manejar a ordem de habeas corpus.

Os conselheiros do CNJ ressaltaram que as referências da juíza Kenarik Boujikian são as melhores possíveis. Conforme o processo, é de conhecimento comum que a magistrada se destaca pelo seu engajamento na defesa dos direitos humanos, da democracia, das garantias individuais e processuais, com especial preocupação para a situação carcerária e para condição da mulher presa.

A juíza é uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia (AJD), da Pastoral Carcerária Nacional (CNBB) e atuou no caso do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão em 2010, pelo estupro de 56 pacientes.

A sustentação oral foi feita pela advogada Débora Rodrigues, também do do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados. Para os advogados que defenderam a juíza, a decisão recolocou ordem à atividade da magistrada. “O Conselho Nacional de Justiça reparou uma enorme injustiça que estava ocorrendo contra uma pessoa séria, preparada, preocupada com sua jurisdição. Justiça à Kenarik.”

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