Foi assinado nesta segunda-feira, 5, o acordo de leniência entre o MPF e o Grupo J&F. Da parte do MPF, o documento foi assinado pelos procuradores da República que estão à frente das operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono (desdobramentos da Lava Jato) e Carne Fraca. Responsáveis por outras investigações em curso, e que tenham entre os alvos empresas do grupo, também poderão aderir ao acordo.
Pela negociação, a holding pagará R$ 10,3 bi a título de multa e ressarcimento mínimo. Desse total, R$ 8 bi destinados a entidades e órgãos públicos lesados em consequência de atos criminosos praticados pelas empresas ligadas à J&F e o restante, R$ 2,3 bi, ao financiamento de projetos sociais indicados pelo MPF.
O prazo de pagamento será de 25 anos, período em que o valor de cada parcela será corrigido pelo IPCA. A previsão é que, ao final, o valor pago supere R$ 20 bi.
A distribuição dos valores reservados às entidades e órgãos lesados será feita da seguinte forma: BNDES, União, Funcef e Petros receberão R$ 1,750 bi cada, enquanto CEF e o FGTS, ficarão com R$ 500 mi cada. O acordo ainda será homologado 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF e 10ª vara da JF/DF.
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Veja quem assinou o acordo.
Representando o MPF: os procuradores da República, Alexandre Melz Nardesa, Andrey Borges de Mendonça, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, Paulo Gomes Ferreira Filho, Sara Moreira de Souza Leite e o procurador regional da República Márcio Barra Lima.
Representando o Grupo J&F: Francisco de Assis e Silva e Igor Sant'Anna Tamasauskas (Bottini & Tamasauskas Advogados).
Exigências e contrapartida
O termo que oficializa a leniência estabelece uma série de obrigações a ser cumprida tanto pela holding quanto pelas empresas controladas e pelos dirigentes que aderirem ao acordo. Boa parte delas refere-se a compromissos que deverão ser seguidos pelos colaboradores como condição de vigência da leniência. Entre as providências:
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remoção de Joesley Batista de todos os cargos diretivos e de conselho das companhias;
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não recondução pelo prazo de cinco anos;
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manter o regular pagamento de dívidas e obrigações junto a entes federativos (como Receita, INSS, FGTS e Procuradoria da Fazenda Nacional).
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fornecimento de informações, documentos, relatórios periódicos e depoimentos complementares ao MPF, bem como a outras instituições que cooperam com as investigações abarcadas nas operações que integram a leniência.
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entrega de uma lista consolidada e discriminada das doações eleitorais nos últimos 16 anos pelas empresas do grupo, incluindo o nome de quem autorizou o pagamento e o valor repassado.
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entregar uma relação consolidada com todos os beneficiários de pagamentos de vantagens indevidas que, atualmente, possuem prerrogativa de foro, em 90 dias a contar da homologação do acordo.
Outro aspecto contemplado no rol de exigências impostas ao grupo diz respeito à mudança de procedimentos internos com o objetivo de “cessar completamente” a prática de crimes e infrações. Um exemplo é a previsão de que, em no máximo três meses, seja aprimorado o programa de integridade, conforme previsto no decreto 8.420/15, que regulamentou a lei anticorrupção.
As empresas do grupo, seus prepostos, empregados e dirigentes que aderirem ao acordo ficam isentos de condenação judicial que importe punições em decorrência de atos que caracterizam improbidade administrativa, definidos na lei 8.429/92 ou que sejam caracterizados como ilícitos pela lei anticorrupção, desde que tais fatos tenham sido narrados pela empresa nos anexos do acordo de leniência.
O documento – ainda sob sigilo parcial – deixa claro que, em relação a fatos que não são da atribuição do MPF, as informações e documentos fornecidos pelo grupo serão agrupados e informados aos respectivos responsáveis pelos procedimentos de apuração, incluindo o Ministério Público Estadual, que deverão analisar a possibilidade de aderirem ao acordo. Caso não ocorra a adesão, o material será devolvido à empresa e não poderá ser usado como elemento de prova nas respectivas investigações.
Ressarcimento mínimo
A assinatura do acordo de leniência não retira dos órgãos públicos e instituições lesadas mencionadas no documentos o direito de exigir que as empresas controladas pelo Grupo J&F (363, conforme lista fornecida pela colaboradora) paguem multas ou façam o ressarcimento de eventuais prejuízos. O acordo prevê apenas que, caso ocorram pagamentos dessa natureza, em favor de BNDES, União, Funcef, Petros , CEF e FGTS, o Grupo J&F poderá pedir que sejam abatidos até o limite de 80% do total devido à respectiva entidade. Não há entretanto, a possibilidade de restituição de valores pagos acima do estipulado no acordo.
Caberá as irmãos Joesley e Wesley Mendonça Batista, na condição de intervenientes garantidores, assegurarem o cumprimento integral acordo, incluindo as cláusulas financeiras. Para isso, eles deverão, no prazo de cinco dias após a assinatura, firmar Termo de Fiança em que conste as obrigações assumidas pela holding. Ainda segundo o documento, em caso de inadimplemento também por parte dos fiadores, serão adotadas, por parte do MPF, as providências previstas na lei 12.846/13, que prevê a responsabilidade solidária de entidades controladas.
Projetos sociais
Um dos diferenciais do acordo de leniência é que, pela primeira vez, recursos financeiros adquiridos em decorrência de crimes como a corrupção poderão ser usados no combate a essa prática. É que, entre os projetos sociais que poderão ser executados pelo Grupo J&F, estão iniciativas educacionais focadas em direitos humanos, cidadania e prevenção à corrupção. A lista completa tem 49 temas que abrangem todas as áreas de atuação do MP.
A empresa poderá executar desde projetos destinados à reinserção de egressos do sistema prisional até a inclusão digital. Há ainda previsão nas áreas de preservação cultural e artísticas de comunidades indígenas e quilombolas e construção e gestão de creches destinadas a crianças carentes. O leque de iniciativas conta ainda com projetos ambientais, destinados à saúde (caso de pesquisas que buscam a cura para o câncer) e de valorização de conhecimentos tradicionais.
Conforme previsto no acordo, a definição, elaboração e execução dos projetos sociais deverão ocorrer de forma simultânea ao pagamento pecuniário das multas e ressarcimento. Com o objetivo de assegurar o monitoramento das medidas, o acordo previu a contratação de um auditoria independente por parte da holding. O resultado da auditoria deverá ser consolidado em relatórios anuais que deverão ser submetidos a um comitê de supervisão independente. Formado por três pessoas de reputação ilibada, o comitê será indicado pela colaboradora, sendo assegurado ao MPF, o direito de vetar eventuais nomes.