Migalhas Quentes

Universidade pública pode cobrar por cursos de especialização

Tese foi fixada em RE com repercussão geral julgado pelo STF.

26/4/2017

O plenário do STF julgou nesta quarta-feira, 26, RE com repercussão geral e decidiu ser possível a cobrança de mensalidade em curso de pós-graduação lato sensu por universidade pública de ensino. Por maioria de votos, os ministros acompanharam entendimento do relator, ministro Edson Fachin, e aprovaram a seguinte tese:

“A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por Universidades públicas, de mensalidade em cursos de especialização.”

O RE foi interposto pela Universidade Federal de Goiás contra decisão do TRF da 1ª região, que considerou inconstitucional a cobrança de mensalidade pela frequência de um curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional, oferecido pela instituição. O acórdão recorrido entendeu que "afigura-se ilegítima a cobrança de mensalidade, por instituição de ensino pública, em curso de pós-graduação lato sensu, tendo em vista a garantia constitucional de gratuidade de ensino público (artigo 206, inciso IV, da CF)".

No STF, a universidade sustentou ao contrário do que ocorre com os cursos nas áreas de graduação e de pós-graduação stricto sensu, os cursos de pós-graduação lato sensu não contam com recursos financeiros do Poder Público, “tendo em vista que estes seriam destinados apenas ao aprofundamento de estudos feitos na graduação e que a cobrança era resultado do cumprimento da Resolução CEPEC nº 147, que aprovou o regulamento geral dos Cursos de Pós-Graduação lato sensu".

Afirmou, ainda, que "os cursos de pós-graduação lato sensu tratam de interesse individual para o desenvolvimento do participante, o que se distancia, em absoluto, da esfera social das garantias constitucionais que se encaixam no artigo 206, IV, da CF".

Em seu voto, o ministro Fachin ressaltou entender que a garantia constitucional da gratuidade do ensino não elide a cobrança por universidades públicas para cursos de especialização.

“As universidades não dispõe de competência para definir a origem dos recursos que serão indenizadas para manutenção e desenvolvimento do ensino, mas podem elas definir quais são as atividades de pesquisa e extensão passiveis de realização em regime de colaboração com a sociedade civil.”

De acordo com ele, quando a característica do curso for preponderantemente a de manutenção e de desenvolvimento do ensino, a gratuidade deverá obrigatoriamente, ser observada, nos termos do inciso 4, artigo 206, da CF/88. Contudo, para a matéria relativa a pesquisa e extensão, a universidade pode contar, por expressa previsão constitucional, com recursos de origem privada.

Para o ministro, tanto a Constituição quanto a lei, dão margem a um juízo de conformação a ser realizado pelas universidades para definir se determinado curso de especialização se destina a manutenção e desenvolvimento do ensino.

“Nem todas as atividades potencialmente desempenhas pelas universidades se referem exclusivamente ao ensino. A função desempenhada por elas é muito mais ampla do que as formas pelas quais obtêm financiamento. Assim, o princípio da gratuidade não as obriga a perceber exclusivamente recursos públicos para atender sua missão institucional. O princípio, porém, exige que, para todas as tarefas necessárias para a plena inclusão social e o direito fundamental à educação, haja recursos públicos disponíveis para os estabelecimentos oficiais.”

O entendimento foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

Divergência

O ministro Marco Aurélio afirmou que o STF não pode legislar ao estabelecer distinção entre as esferas e os graus de ensino que a Constituição Federal não prevê. Único a divergir do voto do relator, o ministro destacou ainda que o inciso IV do artigo 206 da CF garante a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais e que, em sua avaliação, isso é um princípio inafastável.

A seu ver, as universidades oficiais são públicas e não híbridas e a Constituição estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. “Onde o texto não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”, disse. Nesse sentido, o ministro votou pelo desprovimento do RE.

Sustentações orais

O julgamento foi iniciado na última quinta-feira, 20. Na ocasião, foram feitas as sustentações orais e leitura do relatório. O procurador Federal João Marcelo Torres, que se manifestou pela recorrente, afirmou que os cursos de pós-graduação lato sensu não contam com recursos financeiros do Poder Público, uma vez que seriam destinados apenas ao aprofundamento de estudos feitos na graduação. Além disso, argumentou que tais cursos se distanciam da esfera social da garantia da gratuidade do ensino por se tratarem de interesse individual para desenvolvimento do participante. “Os cursos de especialização não conferem graus acadêmicos a quem os conclui. Destinam-se ao aperfeiçoamento profissional dos seus estudantes e não, como mestrado e doutorado, às atividades de pesquisa e docência, estas sim, sempre dependentes de apoio do Estado."

Para Torres, o vocábulo ‘ensino público’ do texto constitucional “designa apenas os cursos regularmente oferecidos pelas universidades. “A interpretação contrária tem como consequência obrigar a sociedade a custear cursos dessa natureza”.

O advogado Paulo Roberto Pegoraro Júnior, que se manifestou em nome da Univel, admitida como amicus curiae, defendeu a possibilidade da cobrança. Para ele, se não houver possibilidade de convênios de entidades privadas com universidades públicas e a consequente contraprestação desse serviço, os estudantes no interior do país serão prejudicados, uma vez que tais cursos só estão disponíveis nos grandes centros.

Pelo Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), o advogado José Lisboa da Gama Malcher defendeu que a capacitação que se oferece nos curso lato sensu não estão relacionadas necessariamente à formação, mas muito mais ao preparo de profissionais para uma intervenção na dinâmica social. “Oferecer ensino público gratuito na universidade pública brasileira, seja na graduação, no mestrado e doutorado, tem garantia orçamentária. Agora, esperar que os cursos de extensão tenham também que participar do já difícil sistema orçamentário nacional, para responder pelo seu financiamento, seria demais”, enfatizou.

Já a advogada Monya Ribeiro Tavares, que falou em nome do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), afirmou que o comando constitucional é expresso e claro no sentido da gratuidade do ensino. “Não traz nenhuma distinção em relação aos níveis da educação, se fundamental, médio ou superior. Também não traz nenhuma distinção entre as diversas modalidades de curso: ensino, pesquisa ou extensão”. Para o sindicato, somente seria possível permitir tal cobrança se houvesse uma reforma da Constituição Federal que revertesse o comando hoje expresso.

Segundo o advogado Cláudio Santos da Silva, representante da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra), a graduação, e não somente os cursos de pós-graduação lato sensu, tem o condão de formar profissionais para o mercado. E, no entanto, aquela não é cobrada. “O orçamento destinado às universidades é para o ensino. E é indissociável na universidade, de acordo com o artigo 207 da Constituição, o ensino, a pesquisa e a extensão. E esse ensino é gratuito."

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