Migalhas Quentes

Ao libertar homem, juiz diz que prisão preventiva não pode remediar ausência do Estado

O indiciado furtou whisky para trocar por crack.

13/2/2017

O juiz de Direito substituto Pedro Camara Raposo Lopes, em exercício na Vara Criminal de Pará de Minas/MG, libertou preso em flagrante por ter furtado garrafa de whisky de um supermercado para trocar por pedras de "crack", apesar dos maus antecedentes do indiciado.

O magistrado reconheceu que a jurisprudência majoritária é no sentido do decreto de prisão preventiva em hipóteses em que o indivíduo reiteradamente vem praticando crimes, a fim de resguardar a ordem pública.

Considerou, no entanto, que se deve ter "redobrada cautela" sob pena de banalização da prisão, "máxime em se tratando de crimes ligados à drogadição" e que conceitos como "ordem pública" e "periculosidade social" devem ser interpretados à luz do resultado útil para o processo, evitando-se a punição por antecipação.

Ao fazer referência à atual situação carcerária do país, com seus quase 700 mil presos e dos quais um terço aguarda julgamento, o juiz asseverou: “Prende-se pouco. Prende-se mal.” Isso porque, afirma, embora com o título de um dos países que mais encarcera pessoas no mundo, “apenas 9% dos homicídios são apurados”.

O magistrado é um homem de seu tempo. O conceito de ordem pública do vetusto Código de Processo Penal, editado sob o regime ditatorial do Estado Novo, não é o mesmo conceito de ordem pública dos tempos de normalidade institucional, ou dos anos plúmbeos, ou dos anos de verdadeira guerra urbana que atravessamos. A rotina judiciária não pode e não deve servir de sucedâneo de políticas públicas ligadas às áreas de saúde e de segurança.”

De acordo com o julgador, ordem pública a que se refere o Código de Processo Penal, no atual contexto brasileiro, “não pode se traduzir numa opção discricionária do magistrado a respeito da conveniência e da oportunidade de se eliminar episodicamente do convívio social o indivíduo carente de políticas de Estado inclusivas, atulhando as penitenciárias com um contingente imenso de usuários de drogas cometedores de pequenos delitos de irrisória ofensividade e que acabam virando massa de manobra de facções criminosas que grassam nas unidades de norte a sul, de leste a oeste deste país”.

Assim, conclui, é preciso que exista evidências de que o indiciado não só é dado à prática de injustos com a finalidade de adquirir as drogas, “mas que faz disso seu modus vivendi, de modo que ele, em liberdade, possa solapar a ordem pública”.

Lembrando lição do jurista Daniel Sarmento, na ocasião da ADPF 347 e do reconhecimento pelo STF do chamado "Estado de coisas inconstitucional" do Sistema Penitenciário brasileiro, pontuou "que a prevenção geral e especial se resolvem com a justa aplicação da pena, a seu tempo e modo, de forma proporcional".

Ao conceder alvará de soltura, o magistrado determinou o acompanhamento do caso pelo Conselho da Comunidade com o encaminhamento do preso para o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas do município.

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