Migalhas Quentes

Cotado para o STF, Ives Gandra Filho é criticado por publicação em livro

Confira manifestações e a íntegra dos textos polêmicos.

26/1/2017

O ministro Ives Gandra Martins Filho se viu em meio a uma polêmica nos últimos dias: listado entre os principais candidatos à vaga no STF, pipocaram críticas a uma possível nomeação por conta de um artigo do ministro.

O texto desenterrado consta na obra "Tratado de Direito Constitucional", coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, o ministro Gilmar Mendes e Carlos Valder do Nascimento.

No artigo intitulado “Direitos Fundamentais”, Ives Gandra Filho discorre em cerca de 70 páginas sobre a evolução histórica do tema. Alguns de seus posicionamentos seguem, de fato, a orientação religiosa do ministro.

As opiniões externadas pelo ministro foram consideradas retrógradas, especialmente diante de recentes decisões do Supremo. Entre os críticos, a OAB/RJ, que divulgou nota repudiando “possibilidade de Ives Gandra no STF”, a OAB/PA e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.

Após essa série de manifestações, o próprio ministro Ives Gandra Filho divulgou nota em que afirma que os trechos do artigo foram divulgados na imprensa sem contexto, e reafirmou que não tem postura "nem homofóbica, nem machista".

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NOTA DA OAB/RJ

A OAB/RJ repudia veementemente a possibilidade de o presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, tornar-se o novo ministro do STF. Sua visão, revelada em artigo técnico e agora amplamente divulgada pela imprensa, demonstra grave retrocesso quanto aos princípios do Estado democrático de Direito e sério risco à igualdade constitucional de gênero defendida pela OAB. Esperamos que as autoridades estejam empenhadas em modificar a nossa tradição patriarcal e, por consequência, a cultura machista e homofóbica, infelizmente até hoje existente em nosso país. Os avanços sociais que possibilitaram que a vida das chamadas minorias seja atualmente um pouco menos sofrida foram fruto de incessantes lutas, mas ainda há um longo caminho a percorrer até chegarmos a uma efetiva equidade.Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a redução das desigualdades e não podemos permitir que seja indicado para a vaga do STF um nome cujos posicionamentos técnicos violam direitos e garantias em vigor no país.A OAB/RJ entende que o novo ministro deve ser capaz de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2017

Felipe Santa Cruz

Presidente da OAB/RJ

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NOTA DA OAB/PA

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará, vem repudiar a possível escolha do Sr. Ives Gandra Martins Filho, atual Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, como novo Ministro do Supremo Tribunal Federal. Não é de hoje que o pensamento do Sr. Ives Gandra encontra-se totalmente divorciado da imensa maioria da sociedade brasileira e que, agora, tornou-se público ao defender posições machistas e homofóbicas. No âmbito do judiciário, suas posições são reprovadas pela grande maioria dos magistrados trabalhistas e demais operadores do Direito, por atentarem contra a própria Justiça Especializada que preside, atingindo sua infraestrutura e atacando seus princípios fundamentais. Por óbvio que esse perfil não se coaduna com o desejado para um Ministro do STF, em especial neste momento de profunda crise ética e moral, onde as apurações dos mal feitos são essenciais e devem ser levadas até o final, preservando em todos os aspectos o Estado Democrático de Direito e eterna luta pela redução das desigualdades. A OAB-PA espera que o novo Ministro seja digno das melhores tradições da Corte Constitucional do Brasil, defendendo a Carta Magna no que ela tem de principal, que é o respeito à dignidade humana.

Alberto Campos - Presidente da OAB/PA

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Desseguridade social, desigualdade social, pacto dissocial

O matrimônio possui dupla finalidade: a) geração e educação dos filhos; b) complementação e ajuda mútua de seus membros. Tendo em vista, justamente, essa dupla finalidade, é que o matrimônio se reveste de duas características básicas que devem ser atendidas pela legislação positiva, sob pena de corrupção da instituição: a) unidade – um homem com uma mulher; b) indissolubilidade – vínculo permanente

Por simples impossibilidade natural, ante a ausência de bipolaridade sexual (feminino e masculino), não há que se falar, pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo (pode ser qualquer tipo de sociedade ou união, menos matrimonial)

O princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido.”

O divórcio vai, pois, contra a lei natural, não se justificando como solução para os casos limite, já que a lei não existe para generalizar a exceção … A admissão do divórcio no direito positivo tem ocasionado apenas: maior número de separações (…); maior número de filhos desajustados (…); maior despreparo para o casamento (…).”

Essas não são ideias que eu defenda, mas são a fonte de inspiração, confessa, do Ministro Presidente do TST Ives Gandra Martins Filho, que deseja transferir para o STF a sua própria convicção, centro em torno da qual gravita, em seu entender, a Constituição Federal.

Adapta a Constituição aos seus valores e não subordina os seus valores aos da Constituição, que revela o projeto de um povo e o não o pensamento individual de um intérprete.

Ao intérprete cabe buscar os signos e os significados da norma constitucional e não fazer oposição a ela, como o faz o Excelentíssimo Ministro Presidente, atualmente, da mais alta corte trabalhista.

Aliás, o Ministro cotado para a Vaga do no STF, também, já deu declarações na imprensa, ( Estado de São Paulo – 30.10.2016), atacando a Justiça do Trabalho, o Direito do Trabalho, Magistrados e Advogados trabalhistas, maculando as suas atuações como inescrupulosas e parciais.

O STF é um Tribunal Constitucional, que deve respeito aos princípios fundamentais de democracia, respeito e igualdade, cláusulas pétreas, que correm o risco, com a nomeação de um fundamentalista, de serem vergonhosamente atacadas, retrocedendo a sociedade em milênios, numa interrupção do processo democrático.

Quem assim o faz em um Tratado de Direito Constitucional pode ser juiz defensor da Ordem Constitucional?

Alessandra Camarano Martins

Vice Presidente Nacional Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas

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NOTA DO MINISTRO IVES GANDRA FILHO

Diante de notícias veiculadas pela imprensa, descontextualizando quatro parágrafos de obra jurídica de minha lavra, venho esclarecer não ter postura nem homofóbica, nem machista. Deixo claro no artigo citado, de 70 páginas, sobre direitos fundamentais, que as pessoas homossexuais devem ser respeitadas em sua orientação e ter seus direitos garantidos, ainda que não sob a modalidade de matrimônio para sua união. Por outro lado, ao tratar das relações familiares, faço referência apenas, de passagem, ao princípio da autoridade como ínsito a qualquer comunidade humana, com os filhos obedecendo aos pais e a mulher ao marido no âmbito familiar, calcado em obra da filósofa judia-cristã Edith Stein, morta em campos de concentração nazista.

O compartilhamento da autoridade sempre me pareceu evidente, tendo sido essa a que meus pais casados há 58 anos viveram e a qual são seus filhos muito gratos. Por outro lado, cabe lembrar que fui relator no Plenário do TST do processo que garantiu às mulheres o direito ao intervalo de 15 minutos antes de qualquer sobrejornada de trabalho, decisão referendada pela Suprema Corte.

As demais posturas que adoto em defesa da vida e da família são comuns a católicos e evangélicos, não podendo ser desconsideradas "a priori" numa sociedade democrática e pluralista”

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7.1. Direito à vida

A vida é o principal e mais básico dos direitos humanos fundamentais e condição de existência de todos os demais. Se hoje o direito a um meio ambiente saudável tornou-se direito humano fundamental de 3a geração (direitos de solidariedade), e o direito ao trabalho já se buscava garantir no início do século XX como direito humano fundamental de 2a geração (direitos positivos – prestação estatal), é porque o descuido nessa matéria compromete a vida humana, direito humano fundamental de 1a geração (direitos negativos – vedação à supressão) e sustentáculo de todos os demais. Sem garantia à vida, tudo o mais é perfumaria.

Ainda gera polêmica a questão em torno da definição do início da vida. Quanto ao tema, a doutrina aponta para a existência de cinco teorias, a saber: 1) teoria concepcionista – a vida começaria a partir da constituição do zigoto, pela fecundação do óvulo pelo espermatozoide, fazendo surgir uma pessoa com código genético diverso do que possuem pai e mãe; 2) teoria da nidação – a vida humana começaria com a fixação do embrião na parede do útero da mãe; 3) teoria do tubo neural – a vida começaria com a formação do tubo neural do embrião; 4) teoria do impulso elétrico – a vida se iniciaria a partir do primeiro impulso elétrico no sistema nervoso do embrião; 5) teoria natalista – a vida somente começaria a partir do nascimento com respiração57.

Mesmo que não se pretenda adentrar em discussões científicas no presente artigo, parece mais do que razoável, e até mesmo lógico, concluir que a vida humana se inicia no momento da concepção, em decorrência da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, pois é nesse preciso momento que passa a existir um novo ser, claramente distinto da mãe, com seu código genético próprio, em desenvolvimento intrauterino.

Assim sendo, não pode haver dúvida de que defender o início da vida em momento anterior à formação do zigoto é antecipar o que ainda não ocorreu (surgimento de uma vida nova, distinta da mãe) e sustentar o início da vida em momento posterior é postergar um marco já existente (até mesmo porque, por exemplo, a nidação pode se dar in vitro).

Por outro lado, não há argumento mais acientífico do que estabelecer como marco de início da vida humana o nascimento com vida, conforme pretende a teoria natalista. Do embrião ao ancião, a vida humana caminha inexoravelmente, se não for interrompida por causas naturais ou pela ação do homem58.

De toda sorte, ainda que se admita a existência de dúvida científica quanto ao momento do início da vida humana, essa simples incerteza deveria ser razão suficiente para se concluir pela absoluta preponderância do direito à vida, quando em ponderação com outros direitos fundamentais. Esta prevalência do direito à vida deve ser reconhecida mesmo quando não existe certeza de que a preponderância de um interesse importará risco à vida humana. É precisamente esta a lição de Paulo Gonet Branco:

“A vida é o pressuposto para todos os direitos fundamentais. É curial, portanto, que se reconheça ao direito à vida uma primazia no contexto dos demais direitos. É defensável dizer que o direito à vida não é absoluto, sob a nossa Constituição, que prevê a possibilidade, ainda que restrita, da pena de morte em caso de guerra declarada. Em outros casos, não parece que o Estado disponha do poder de ponderar vidas, sobretudo com outros direitos fundamentais, e tomar deliberações que importem o sacrifício de existências humanas. [...]

O acervo de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal igualmente avaliza a doutrina de que certos direitos fundamentais não admitem ponderação com pretensões contrárias, no sentido de reconhecer que certos direitos fundamentais são insuscetíveis de ponderação e de aplicação modulada segundo o princípio da proporcionalidade, vale referir o HC 80.949 (RTJ 180/100123).

É compatível com a jurisprudência da nossa Suprema Corte, portanto, e não destoa da inteligência elaborada em outras jurisdições ou da mais atenta doutrina, afirmar que o direito à vida, pela sua própria importância e significado para o sistema constitucional, não admite ser ponderado com outras pretensões, se a alternativa dada para a solução do conflito é o sacrifício certo de uma existência humana.

Mesmo quando se admite um exercício de ponderação envolvendo a possibilidade de risco para o direito à vida (nos casos em que não há certeza de que a atuação em favor de um interesse importará sacrifício a uma vida), ainda aí, há que se ver reconhecido, em favor do direito à vida, um peso em abstrato mais elevado que os demais direitos confrontantes, o que haverá de se refletir no momento de se apurar o resultado da ponderação. Alexy, a esse respeito, anota que o direito à vida sobreleva os demais, em peso, mesmo considerado esse direito em abstrato”59.

O Estado Democrático de Direito existe para promover o bem comum, que são as condições necessárias para que cada pessoa integrante da sociedade politicamente organizada possa atingir os seus fins existenciais lícitos. Assim, o primeiro direito a ser resguardado e protegido pelo Estado para cada um dos integrantes da sociedade, em suas dimensões de Estado-Legislador, Administrador ou Juiz, é o direito à vida.

Para o Estado Democrático de Direito não podem existir cidadãos de primeira e de segunda categoria. Se a personalidade humana existe desde a concepção, o fato de o indivíduo não ser ainda nascido não o torna passível de destruição para fins de utilização por outros indivíduos.

O uso de células-tronco embrionárias com fins terapêuticos, admitida pelo STF quando do julgamento da ADI-3510-DF60, a par de não ser o melhor método de tratamento de doenças, já que as células-tronco adultas têm se mostrado mais eficazes (basta verificar que o próprio Thompson, iniciador das pesquisar com células-tronco embrionárias, já abandonou essa linha de pesquisa, para centrar-se nas células-tronco adultas), representa nitidamente processo de canibalização do ser humano, incompatível com o estágio de civilização da sociedade moderna. Doação de órgãos “post-mortem” ou voluntariado de enfermos para pesquisas de novas terapias não se confundem com a destruição de uns para cura de outros.

Se a pesquisa com células-tronco adultas se mostra cientificamente mais bem-sucedida e eticamente não reprovável, por que a insistência na liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias? A única resposta compreensível está na necessidade de romper a barreira de defesa da vida, para depois se poder sustentar o direito ao aborto, partindo-se da premissa de que a vida humana só existe com o nascimento61. Se assim fosse, o seio materno, de berço seguro passaria ao pior campo de concentração, já que sujeito às técnicas mais cruéis de eliminação da vida, como mostram os vários métodos de aborto (sucção, dessalinização etc.).

Admitida a manipulação de embriões ou a relativização do direito à vida de seres humanos ainda não nascidos, começou-se a trilhar o caminho para a substituição da força do Direito pelo Direito da Força, pelo Estado em que impera a Lei do Mais Forte. As experiências recentes da Humanidade, com os flagelos dos regimes nazista e stalinista, estão a demonstrar como, pela transigência no aparentemente pequeno, se chegam às grandes aberrações no campo da supressão dos direitos humanos fundamentais.

No clássico “Julgamento de Nuremberg” (1961), o presidente da Corte Internacional que julgou os principais juízes alemães, juiz Daniel Haywood, no voto final, lembrava que a nação é uma extensão de nós mesmos.

Assim, não se pode dividir a Ética, como o fez Norberto Bobbio, em ética da convicção, aplicável aos indivíduos, e ética da responsabilidade, aplicável ao Estado, como se o que fosse vedado a cada indivíduo em particular, deixasse de ser moralmente reprovável, quando, juntos, constituem uma sociedade. Justamente para controlar o Estado-Executivo e o Estado-Legislativo nos seus desvios éticos ao governar e legislar é que existe o Estado-Juiz, que aplicará a mesma e única Ética que norteia a conduta de governantes e governados.

No diálogo final entre o juiz Haywood e o juiz alemão condenado Ernest Janning (que redigira a Constituição de Weimar de 1919), este diz àquele: “Saiba que tens o respeito de um dos condenados” (por não ter cedido às pressões políticas para absolvê-los, em face da necessidade de contar com o apoio alemão contra os russos na Guerra Fria que começava).

E prossegue: “Aqueles milhares de pessoas... (falando a respeito dos campos de concentração nazistas). Não podia imaginar que chegaria àquilo”. Ao que Haywood responde: “Chegou àquilo da primeira vez que condenou um inocente”.

É preciso dizer não à cultura da morte e afirmar o direito à vida, principalmente nas condições em que mais se ressente da segurança ofertada pelo Estado. Parafraseando um ilustre poeta magistrado, “chega de trevas” que obscureçam a busca da verdade a respeito da ciência e do direito.

Dizer que a defesa da vida é obscurantismo de caráter religioso é lançar sombras sobre o debate central que se trava em torno dos embriões humanos, para saber quando tem início a vida humana e se o direito à vida pode ser relativizado. E a luz nesse debate só vem dos argumentos científicos e jurídicos, pois a verdade não é fruto de consenso, como pretendeu Habermas, mas da adequação da mente à realidade extramental, como expressou ponderadamente Aristóteles.

Sob o prisma do Direito Positivo Internacional, temos o Pacto de São José de Costa Rica sobre Direitos Humanos (1969), ratificado pelo Brasil, que garante o direito à vida desde a concepção, verbis:

“Art. 1º –Obrigação de respeitar os direitos.

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

(...)

Art. 4º –Direito à vida.

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (grifos nossos).

Sobre o Pacto de São José, chegamos a manifestar nossa perplexidade diante da posição do Supremo Tribunal Federal, que admite a relativização do direito à vida, mas ao da liberdade, verbis:

“HABEAS CORPUS – DEPOSITÁRIO INFIEL – CONFIGURAÇÃO – PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA SOBRE DIREITOS HUMANOS (1969) E POSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL – RECURSO DESPROVIDO. 1. Em que pese a existência de precedentes turmários do STF, não vinculativos, anatematizando a prisão civil de depositário infiel, a jurisprudência do TST é firme e pacífica quanto à possibilidade jurídica dessa modalidade de constrangimento ao direito de ir e vir, não a título de pena, mas como meio extremo de pressão para resgatar bem recebido em depósito e afetado ao cumprimento de obrigação de caráter alimentício. 2.

Paradoxalmente, o mesmo Supremo, que fez letra morta do art. 4.1 do Pacto de São José da Costa Rica, ao referendar lei que autoriza a morte de embriões humanos para fins de pesquisas científicas, quando a referida Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, garante o direito à vida desde a concepção, vem esgrimir o art. 7.7 da mesma convenção, para afastar do Direito Positivo Brasileiro a prisão civil do depositário infiel. 3. A par da Constituição Federal prever expressamente a prisão civil do depositário infiel (CF, art. 5º, LXVII), o próprio art. 7.7 do Pacto de São José excepciona a prisão por descumprimento de obrigação alimentar, como é o caso dos créditos trabalhistas garantidos por depósitos judiciais. Nesse diapasão, não há de se falar em conflito entre o Acordo Internacional e o Direito Interno. 4. In casu, a condição de depositária infiel da Impetrante restou demonstrada tanto nos presentes autos quanto nos da ação trabalhista principal, uma vez que assumiu o munus publicum de depositária, nos termos do art. 629 do CC, negligenciando a guarda dos bens penhorados e não os restituindo quando instada a fazê-lo.

Daí a legalidade da decretação prisional e a ausência de direito à concessão preventiva do habeas corpus impetrado. Recurso ordinário desprovido” (TST-ROHC- 311/2008-000-03-00.8, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, In DEJT 07/11/2008) (grifos não constantes no original).

Reconhecido o direito à vida desde a concepção, como o faz o Pacto de São José de Costa Rica sobre Direitos Humanos (1969) em seu art. 4º, não se admitem as exceções do aborto (matar o ainda não nascido) e da eutanásia (suprimir a vida em seu estágio terminal).

Questão final que se coloca é a de se saber se a pena de morte é compatível com o respeito ao direito à vida.

Como diz o Pacto de São José, ninguém pode ser privado do direito à vida arbitrariamente, o que se traduz em que a vida inocente não pode ser condenada.

Com efeito, a exceção ao respeito à vida humana é a legítima defesa, que supõe:

a) agressão injusta à vida;

b) matar o agressor como único meio de defesa.

Pode-se falar em legítima defesa individual e legítima defesa social, em que esta última se consubstancia em duas situações básicas:

a) agressão externa, em caso de guerra, fazendo com que o soldado que mata o inimigo não seja responsabilizado penalmente (fora excessos);

b) agressão interna, no caso de crimes contra a vida praticados na sociedade, em que, pela periculosidade do criminoso, continua, enquanto vivo, a ser uma ameaça para a sociedade, restando como único meio de defesa sua eliminação (matéria altamente discutível, quanto à conveniência e oportunidade de previsão da pena de morte num dado país).

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7.6. Direito de família

Parece ser o campo da família aquele em que há maior dificuldade de se verem com clareza as normas de Direito Natural, em face do influxo que as paixões exercem sobre a inteligência, obnubilando o discernimento daquilo que, em raciocínio simples e desapaixonado, se concluiria ser a norma mais adequada à convivência humana63.

Com efeito, na sociedade atual, fortemente impregnada de erotismo, o sexo passou a ser visto como fonte principalmente de prazer e satisfação pessoal, desvinculado da razão pela qual, na Natureza, a diferenciação sexual existe, que é a procriação e perpetuação da espécie. Para o homem moderno, o prazer sexual deixou de ser meio e passou a ser fim em si mesmo. Daí a dificuldade em contextualizá-lo no âmbito da família e tirar as consequências morais e jurídicas quanto ao comportamento adequado à natureza racional do homem.

Os desvios éticos nessa seara são de tal ordem que chegam a atingir no seu âmago o direito mais básico do ser humano, que é a vida. Nesse sentido, o aborto tem sido defendido como o último recurso do sexo irresponsável, no caso de todos os outros meios falharem para evitar a concepção.

É de fundamental importância, dentro desse contexto, recordar ideias básicas sobre a natureza da família, para compreender como a realidade humana do sexo, maravilhosa participação na transmissão da vida, pode e deve ser encarada.

A celula mater da sociedade (núcleo básico) é a família, como sociedade natural e primária, constituída numa comunidade de vida e de amor, para a propagação da espécie humana e ajuda recíproca nas necessidades materiais e morais da vida cotidiana.

O homem, desde a sua origem, surgiu no seio de uma família, que é a primeira sociedade humana.

Não há que se falar, pois, em estado pré-social ou situação originária de promiscuidade sexual como na vida animal.

A família tem seu núcleo constitutivo no matrimônio, que se caracteriza pela convivência legítima e estável entre um homem e uma mulher, visando à procriação e educação dos filhos, bem como à mútua ajuda e aperfeiçoamento.

No contexto do matrimônio é que se entende em sua plenitude o sexo, pois a união física se dá juntamente com a união espiritual, ou seja, num contexto de amor e doação mútua. Sexo sem amor é próprio do animal.

A base do matrimônio é o consentimento mútuo na outorga e recepção do direito perpétuo e exclusivo sobre o corpo de cada um com vista aos atos aptos à procriação.

A diferenciação sexual do ser humano tem como finalidade natural a conjugação dos dois sexos para a perpetuação da espécie. Com efeito, homens e mulheres têm constituições física e psíquica distintas, complementares entre si. Trata-se do princípio filosófico-antropológico da diferenciação e complementaridade entre os sexos, consoante ensina Edith Stein64.

Na união homossexual, como os parceiros possuem compleição física e psicológica semelhantes, fica de antemão vedada a possibilidade de que haja a mencionada complementaridade dos contrários. Por simples impossibilidade natural, ante a ausência de bipolaridade sexual (feminino e masculino), não há que se falar, pois, em matrimônio entre dois homens ou duas mulheres, como não se pode falar em casamento de uma mulher com seu cachorro ou de um homem com seu cavalo (pode ser qualquer tipo de sociedade ou união, menos matrimonial).

À luz de tais considerações, parece-nos carecer de legitimidade a recente decisão proferida pelo STF na ADIN 4277 e na ADPF 132, de relatoria do Min. Ayres Britto (julgamento em 05/05/2011), por meio das quais aquela Corte reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como sendo entidade familiar, colocando a união homossexual num plano jurídico análogo ao do casamento entre homem e mulher.

O que mais chamou a atenção na decisão foi o fato de a fundamentação centrar-se quase que exclusivamente na discriminação existente, tecendo longos comentários sobre ela, e não analisar a questão antropológica subjacente e seus desdobramentos sociológicos.

Em que pese não ter reconhecido o “casamento” entre homossexuais, mas somente a “união estável”, isto é, civil, entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo acabou, na prática, colocando em pé de igualdade as relações heterossexuais e as homossexuais. Ao reconhecer que as uniões homoafetivas detêm o mesmo “status social” que as relações heterossexuais, equiparando-as em termos de direitos (no campo patrimonial, previdenciário e no direito de família, com a possibilidade de adoção de crianças), o STF acabou por esvaziar o sentido da união homem-mulher.

Indivíduos de orientação heterossexual e homossexual possuem a mesma dignidade perante a lei, e as pessoas homossexuais devem, sem sombra de dúvida, ser respeitadas nas suas opções. Além disso, das uniões homoafetivas derivam direitos que devem ser tutelados pelo Estado, conforme antes mesmo da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal já vinha ocorrendo, mormente em questões patrimoniais. Contudo, isso não é o mesmo que dizer que os casais homoafetivos devem gozar, irrestritamente, dos mesmos direitos de que gozam os casais de orientação heterossexual, sob pena mesmo de se deturpar o conceito de família, em termos antropológicos e sociológicos.

Não obstante todas as vozes que se levantam em favor de uma suposta igualdade de direitos entre casais hetero e homossexuais, o fato é que não é possível igualar o que, por lei natural, é desigual. A indiscutível igualdade essencial de todos os seres humanos, que outorga a cada indivíduo o direito de ser respeitado e protegido enquanto pessoa humana, não afasta a natural desigualdade fisiológica e psicológica entre homens e mulheres. E o direito positivo não tem o condão de alterar a natureza das coisas.

Dessa forma, “querer atribuir ao homossexualismo um estatuto sexual equivale a confundi-lo com identidade sexual. Ora, não existem senão duas identidades sexuais: masculina e feminina;

não existe identidade homossexual, e o indivíduo só pode socializar-se e enriquecer o vínculo social a partir da sua identidade (de homem ou de mulher) [...]”65.

Por outro lado, quanto ao fato de haver uniões heterossexuais estéreis não invalida-se a sua finalidade natural, uma vez que a reagra é a fecundidade, a qual, no caso de pessoas inférteis, não é excluída de forma deliberada ou proposital. Haverá, nesse caso, a complementação mútua entre os dois sexos.

O matrimônio possui uma dupla finalidade, de acordo com a natureza própria do ser humano:

a) geração e educação dos filhos;

b) complementação e ajuda mútua de seus membros.

Tendo em vista, justamente, essa dupla finalidade, é que o matrimônio se reveste de duas características básicas que devem ser atendidas pela legislação positiva, sob pena de corrupção da instituição:

a) unidade – um homem com uma mulher;

b) indissolubilidade – vínculo permanente.

Nesse diapasão, Javier Hervada distingue o âmbito de regulamentação do matrimônio pela legislação positiva, em contraposição aos elementos constitutivos da natureza do pacto nupcial que não podem sofrer alteração:

“La legislación positiva no da origen al matrimonio, ni de ella recibe su fuerza la dimensión jurídica de éste. Los ‘sistemas matrimoniales’, o legislación positiva del matrimonio dentro um ordenamiento jurídico concreto, se limitan a regular y ordenar el matrimonio – en aquello que sobrepasa su núcleo de derecho natural – y el ‘ius connubii’ de los contrayentes.

Los ‘sistemas matrimoniales’ comprenden: 1º) las normas que regulan el pacto conyugal en lo que se refiere a sus requisitos formales y a la capacidad y legitimación de los contrayentes; 2º) la ordenación de los vicios y defectos de la voluntad al contraer; 3º) la separación de los cónyuges y la posible nulidad del matrimonio celebrado; 4º) la eficacia del matrimonio contraído em orden a las demás relaciones y situaciones jurídicas reguladas por el ordenamiento.

Quedan fuera de la posible regulamentación positiva: la esencia del matrimonio, las propriedades esenciales, los fines, los derechos y deberes conyugales, el desarollo de la vida conyugal, la esencia del pacto conyugal, etc. En estas esferas el derecho positivo carece de fuerza instituyente, de modo que, por exceder de la competencia del legislador, la pretensión de conformar dichas esferas por el derecho positivo carecería de fuerza vinculante”66.

Atentam contra a unidade natural do matrimônio:

Poliandria – casamento de uma mulher com vários homens: vai contra o fim primário do matrimônio, por tornar impossível a identificação da paternidade da prole, pressuposto fundamental da educação dos filhos;

Poligamia – casamento de um homem com várias mulheres: vai contra o fim secundário do matrimônio, por relegar a mulher a condição secundária e meramente instrumental, desatendendo a ajuda mútua que deve haver entre os esposos.

A indissolubilidade do matrimônio é requerida para a consecução plena do seu fim primário, pela educação da prole. No mundo animal, quanto mais evoluído é um animal, maior a dependência da prole em relação aos progenitores, exigindo maior estabilidade na união entre eles:

os peixes já nascem independentes dos progenitores;

os mamíferos dependem da mãe até se desmamarem;

muitos pássaros dependem da fêmea e do macho para serem alimentados até poderem voar sozinhos.

Como o ser humano depende até bem passada a puberdade da ajuda material e psicológica dos pais, a união dos cônjuges deve prosseguir até serem educados todos os filhos (fim primário) e, terminada a tarefa educativa, quando os pais já estão mais velhos, a indissolubilidade tem por base a ajuda mútua que se devem os cônjuges, justamente quando mais necessitam dela (fim secundário).

O divórcio (ruptura do vínculo matrimonial) vai, pois, contra a lei natural, não se justificando como solução para os casos limite, já que a lei não existe para generalizar a exceção, mas para determinar a regra geral, que atenda ao bem comum e não ao particular. A admissão do divórcio no direito positivo tem ocasionado apenas:

maior número de separações – qualquer desavença é motivo de separação, sem se buscar solucionar a questão;

maior número de filhos desajustados – carência do componente paterno ou materno na constituição do caráter;

maior despreparo para o casamento – precipitação e desconhecimento temperamental prévio, fundado na possibilidade de divórcio se a experiência não for satisfatória.

O princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido. A educação dos filhos pertence primariamente aos pais (formação moral, ensinando os filhos a administrar a própria liberdade e respeitando-a quando chega o momento de escolher seu próprio estado ou profissão) e não ao Estado, que atua supletivamente (ministrar conhecimentos técnicos).

No caso do direito de família, a Constituição Chinesa, contraditoriamente, assenta ser garantida pelo Estado a proteção ao casamento, à mãe e aos filhos, mas, no mesmo dispositivo, coloca como dever do marido e da mulher praticar o planejamento familiar, eufemismo para limitar substancialmente os filhos, de acordo com os interesses do Estado (Const. Chinesa, art. 49), interferindo em seara afeta exclusivamente à deliberação do casal.

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