Migalhas Quentes

Afetação de processo sobre capitalização de juros como repetitivo divide STJ

Ministro Salomão é contra afetação proposta pela relatora Isabel Gallotti.

16/11/2016

A Corte Especial do STJ vai decidir se julga como repetitivo um recurso relatado pela ministra Gallotti que trata da capitalização de juros na fórmula da Tabela Price.

O ministro Salomão quer desafetar o processo, por entender que afronta o que foi decidido em repetitivo pelo mesmo colegiado em fins de 2014 (e no qual foi relator): o REsp 1.124.552, em que ficou assentada a seguinte tese:

“A análise acerca da legalidade da utilização da Tabela Price - mesmo que em abstrato - passa, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros (ou incidência de juros compostos, juros sobre juros ou anatocismo), que é questão de fato e não de direito, motivo pelo qual não cabe ao Superior Tribunal de Justiça tal apreciação, em razão dos óbices contidos nas súmulas 5 e 7 do STJ. É exatamente por isso que, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação antes da vigência da lei 11.977/09, que acrescentou o art. 15-A à lei 4.380/64. Em se verificando que matérias de fato ou eminentemente técnicas foram tratadas como exclusivamente de direito, reconhece-se o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial.”

Novo repetitivo - Conceituação

Ao decidir pela afetação deste novo caso, a ministra Gallotti afirmou que a questão jurídica afetada para julgamento é dirigida à definição do conceito jurídico de capitalização de juros vedada pela lei de Usura e permitida pela MP 2.170-01 no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, e pela lei 11.977/09, no Sistema Financeiro da Habitação, desde que expressamente pactuada.

Deverá ser estabelecido se a proibição legal dirige-se apenas ao anatocismo (cobrança de novos juros sobre juros vencidos e não pagos) ou compreende a própria formação da taxa efetiva de juros estabelecida no contrato, por meio do uso da técnica matemática de juros compostos.”

Foi realizada audiência pública no início do ano acerca do tema.

Instabilidade x Conceituação

Ao propor a questão de ordem de desafetação, Salomão foi incisivo ao dizer que “a dispersão da jurisprudência no próprio STJ não é saudável para a jurisdição”.

Permitir que no julgamento feito em dezembro de 2014, onde debatemos em recurso repetitivo, se deveríamos ou não analisar aspectos jurídicos da capitalização, e lá firmamos tese de que é matéria de fato, e portanto depende de prova pericial na instância ordinária, reabrir essa questão agora não me parece saudável para a estabilidade da jurisprudência desta Corte. Volto a reconhecer a excelente intenção da ministra Isabel, que tem posição há muito tempo a respeito do assunto, que, em que pese aplicar o entendimento da Corte Especial, nunca se conformou com o resultado.”

Defendendo a afetação, a ministra Isabel Gallotti reiterou que o julgado anterior não definiu a conceituação em torno da capitalização de juros.

O que não foi definido e o STJ deve decidir, aquele voto foi um avanço, mas não disse o que o perito tem que investigar, e cabe ao STJ e não ao perito interpretar a lei de usura. É nesse ponto que entendo irá reiterar a divergência dos tribunais. Ou o juiz será um mero sancionador do que o perito disser. Isso transcende financiamentos habitacionais: serve para os financiamentos do FIES, de carro, qualquer compra no Ponto Frio, na Casas Bahia.”

Debates

Primeira a proferir voto, a ministra Nancy aderiu à preocupação de Salomão em favor da “harmonia da jurisprudência”, no sentido de que “não é bom fazer pequenos ajustes”.

Para formar o 2 x 2 no placar, João Otávio de Noronha manifestou-se contra a “estabilidade perpétua, engessamento ou cristalização do entendimento jurisprudencial da Corte”:

É possível mudar de opinião. Já dizia Alexandre Herculano que só não muda de opinião quem tem vergonha de mudar. Temos que medir sempre a repercussão da nossa decisão, ora é econômica, ora é social. Apreciar a questão não significa que vamos mudar, é debater. E se prosseguir o julgamento, vou pedir vista para fazer um estudo profundo, estou repleto de dúvidas.”

Logo Salomão lembrou que Noronha votou nos embargos, há menos de um ano, e insinuou que deveria “refletir sobre a estabilidade”. Ao que Noronha respondeu:

V. Exa. já levou muito à seção pedido de reconsideração de jurisprudência. De que adianta, só por ação do tempo, de alegada estabilidade, manter viva decisão que está equivocada? Ao longo do tempo, fazermos estrago maior do que benefício à sociedade? Nem sei se vamos mudar.”

Segue trecho do debate, com intervenções dos ministros Gallotti e Herman:

Salomão – V. Exa. deixou clara a intenção.

Gallotti – Li e reli o repetitivo, que é a base do meu voto que não pretendo mudar. Em que ponto do repetitivo diz o que é capitalização de juros e o que permite a lei de usura? O que há é uma tese dizendo que tem que ter perícia. Correto. Quem vai dizer se é proibido ou não? É o juiz.

Salomão – Se julgar, não vai ter necessidade de perícia. Parece complementariedade, mas na verdade choca. V. Exa. nunca se conformou com esse resultado, tenta sempre modificar. Na minha avaliação, choca. E agora, com base no entendimento do ministro João Otávio, para que julgar repetitivo?

Noronha – Quando a tese interessa a V. Exa...

Salomão – Interessa a quem?

Seguiu-se o voto do ministro Humberto, pela desafetação, e após a ministra Maria Thereza votou pela manutenção do repetitivo por entender que a relatora apontou que há elementos para avaliar.

O ministro Herman – que inicialmente tendia para a tese da relatora - assumiu que ficou confuso com as considerações do ministro Noronha sobre a mudança da jurisprudência, e Noronha então soltou: “Mas eu não disse que tem que mudar!”.

O ministro Raul também adiantou voto reiterando manifestação na época do julgamento do Salomão, reafirmando que a ideia conceitual, abstrata, acerca da legalidade ou não da Tabela Price, cabe ao Judiciário, e as perícias seguirão então o que ficar conceitualmente definido. “Por isso o passo a mais nesse novo caso. Aí se teria a vantagem maior. É possível e dever da Corte se debruçar e deliberar.”

A decisão ficou adiada com o pedido de vista do ministro Herman.

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