Em discurso proferido na sessão solene de posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do STF, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, ressaltou a importância da chegada da segunda mulher ao cargo como forma de reconhecimento do direito como espaço de promoção da igualdade e repúdio à discriminação de gênero. O ministro destacou também a necessidade de se reprimir os atos de corrupção, enfatizando, porém, que o Supremo respeitará os direitos e garantias fundamentais que a Constituição assegura a qualquer acusado.
"A investidura de Vossa Excelência, agora, no elevadíssimo cargo de presidente desta Suprema Corte constitui, sem qualquer dúvida, momento impregnado de densa expressão político-institucional, a significar que se consolidou, na história judiciária de nosso país, uma clara e irreversível transição para um modelo social que repudia a discriminação de gênero, ao mesmo tempo em que confere primazia à prática afirmativa e republicana da igualdade pela consagração do talento, da competência e do conhecimento."
Votos de prestígio
O ministro destacou votos da ministra Cármen Lúcia em alguns casos relevantes, como a questão das biografias não autorizadas, em que a ela revelou sua preocupação com o interesse geral, não subordinando a publicação à autorização do biografado, e no caso da lei da ficha limpa, quando manifestou que “o objetivo da norma constitucional é assegurar a proteção ética do processo eleitoral”. Mencionou ainda o julgamento da causa das pesquisas sobre células-tronco, quando revelou seu compromisso com a natureza laica do Estado, assim como no julgamento da união civil homoafetiva, quando repudiou todas as formas de preconceito.
Em seu discurso, também saudou a posse do ministro Dias Toffoli no cargo de vice-presidente do Tribunal e destacou a importância da atuação do ex-presidente Ricardo Lewandowski, que ao longo de sua gestão promoveu causas relevantes e modernizadoras para o aprimoramento do Judiciário. Entre elas, menciona o trabalho em favor de práticas alternativas de solução de litígios, como a conciliação e a mediação, e o projeto de implantação das audiências de custódia, que garante o respeito a liberdades fundamentais e à efetivação de tratados internacionais de direitos humanos adotados pelo Brasil.
Repressão à corrupção
O decano falou ainda sobre a importância de se reprimir todo e qualquer ato de corrupção, ressaltando que “o dever de probidade e de comportamento honesto e transparente configura obrigação cuja observância impõe-se a todos os cidadãos”.
Ele afirmou mostrar-se intolerável, "em face da ação predatória desses verdadeiros profanadores dos valores republicanos", transigir em torno de princípios fundamentais que repudiam práticas desonestas de poder, "pois elas deformam o sentido democrático das instituições e conspurcam a exigência de probidade inerente a um regime de governo e a uma sociedade que não admitem nem podem permitir a convivência, na intimidade do poder, com os marginais da República".
"É por isso que se impõe proclamar, com absoluta certeza moral, que os cidadãos desta República têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis, pois, afinal, o direito ao governo honesto constitui prerrogativa insuprimível da cidadania. E que deste Tribunal parta a advertência, severa e impessoal, de que aqueles que transgredirem tais mandamentos expor-se-ão, sem prejuízo de outros tipos de responsabilização - não importando a sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, se governantes ou governados -, à severidade das sanções criminais, devendo ser punidos, exemplarmente, na forma da lei, esses infiéis da causa pública e esses indignos do poder."
Enfatizou, porém, que o STF, ao decidir os litígios penais, respeitará os direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República assegura a qualquer acusado, “observando, em todos os julgamentos, além do postulado da impessoalidade e do distanciamento crítico em relação às partes envolvidas no processo, os parâmetros legais e constitucionais que regem os procedimentos de índole penal”.
Ele também ressaltou a atuação da Suprema Corte como garantidora da CF e defensora de valores ético-jurídicos necessários à condução do Estado e na garantia de atuação de seus governantes em busca do bem comum.
"É por essa e por outras razões, Senhora Presidente, que se impõe repudiar e reprimir – sempre, porém, sob a égide dos princípios que informam o Estado Democrático de Direito e que consagram o regime dos direitos e garantias individuais – todo e qualquer ato de corrupção, pois não constitui demasia insistir no fato de que a corrupção traduz um gesto de perversão da ética do poder e de erosão da integridade da ordem jurídica, cabendo ressaltar que o dever de probidade e de comportamento honesto e transparente configura obrigação cuja observância impõe-se a todos os cidadãos desta República que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper."
Leia a íntegra do discurso do ministro Celso de Mello.