Ajuizada pela Associação Nacional de Defensores Públicos, a ação questiona dispositivos da lei 13.301/16, que dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde em função da presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, chikungunya e zika.
No documento, Janot sustenta a inconstitucionalidade da criminalização do aborto em caso de infecção pelo vírus da zika, destacando que a continuidade forçada de gestação em que há certeza de infecção pelo vírus representa, no atual contexto de desenvolvimento científico, risco certo à saúde psíquica da mulher.
"Ocorre violação do direito fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura e agravos severos evitáveis."
Saúde da mulher
Segundo o procurador-Geral, o direito à saúde e à integridade física e psíquica possui natureza fundamental, que se encontra sob forte ameaça em epidemias. No caso da zika, conforme o PGR, são as mulheres os indivíduos primeiramente atingidos – "Elas é que sofrem antes mesmo que exista uma criança com deficiência à espera de cuidado. Por não haver conflito entre os direitos envolvidos, cabe prestigiar o direito fundamental à saúde da mulher, inclusive no plano mental."
"Isso não significa desvalor à vida humana ou à das pessoas com deficiência – até porque não se está criando imposição de interrupção da gravidez. A decisão será, sempre, da gestante, diante do diagnóstico de infecção pelo vírus. Trata-se simplesmente do reconhecimento de que tomar a reprodução humana como dever, nessas condições, é impor às mulheres autêntico estado de tortura, imenso sofrimento mental."
Janot afirma que, se conforme a Organização Mundial de Saúde saúde é "o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de enfermidade", criminalizar a mulher que interrompa a gravidez em razão do extremo sofrimento que esta lhe provoca é definir, contra a Constituição, "que a reprodução é dever da mulher e não um direito".
ADPF 54 - Anencefalia
Na ADPF 54, destaca Janot, embora o julgamento tenha ficado restrito ao caso de interrupção da gravidez mediante diagnóstico de anencefalia, o STF reconheceu que a imposição da gravidez pode ser forma de tortura das mulheres, em alguns casos.
"O Direito Penal é forma de recuperação e reafirmação da autoridade do estado por violação de direitos, não meio de tortura. A lei penal não pode esvaziar o sentido dos direitos fundamentais, criminalizando quem age em estado de necessidade (arts. 23, I, e 24 do CP) causado por extremo sofrimento mental."
Portanto, segundo o procurador-Geral, deve-se conferir interpretação conforme a CF aos arts. 124, 126, 23, I, e 24 do CP, para considerar que na interrupção da gestação em caso de infecção comprovada pelo vírus da zika, deve ser reconhecida a existência de causa de justificação genérica de estado de necessidade, cabendo às redes pública e privada realizar o procedimento, nessas situações.
Janot ainda propõe ao Supremo a realização de audiência pública, no menor prazo possível, para esclarecimentos acerca das políticas públicas associadas à epidemia do vírus zika e que o Executivo federal apresente, em até 90 dias, propostas de reformulação de seus planos de ação, "a fim de assegurar proteção suficiente dos direitos constitucionais violados pela negligência estatal".
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Processo relacionado: ADIn 5.581
Confira a íntegra do parecer.