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STF: Desvio de mão de obra paga pelo poder público não é peculato

2ª turma absolve Celso Russomanno por contratar como secretária parlamentar na Câmara mulher que era gerente em produtora particular.

9/8/2016

Após quase três horas de julgamento, a 2ª turma do STF absolveu nesta terça-feira, 9, Celso Russomanno do crime de peculato. No caso, sobressaiu-se a discussão no colegiado acerca da tipicidade ou não da conduta imputada a Russomano.

O deputado foi condenado pela 10ª vara Criminal do DF por ter nomeado como sua secretária parlamentar na Câmara dos Deputados, entre 1997 e 2001, uma mulher que exercia funções de gerente de seus negócios privados, na produtora Night and Day Promoções Ltda.

A denúncia foi recebida pelo plenário do STF em outubro de 2008, vencidos os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que votaram à época pela atipicidade da conduta.

A defesa do deputado alegou que a mulher foi dispensada devido a problemas financeiros da empresa, mas por ser excelente profissional foi nomeada para o cargo de secretária parlamentar.

Em sustentação oral, o advogado Marcelo Leal de Lima Oliveira destacou a existência de provas nos autos de que a secretária parlamentar efetivamente prestou serviços ao gabinete político, à Câmara dos Deputados – especialmente por meio do atendimento ao público externo.

Condenação - Peculato-desvio

A relatora da apelação, ministra Cármen Lúcia, apontou que a controvérsia era saber se a mulher continuou no serviço da atividade privada embora recebendo recursos públicos como secretária particular. E, em seu entender, documentos comprovam que Russomanno “confessadamente a despediu por estar a empresa em dificuldades financeiras e valendo-se da condição de deputado Federal, antes da rescisão, para recontratá-la”.

Assim, concluiu pela prática do delito de peculato-desvio e a comprovação material em desfavor do erário, considerando também a exigência da exclusividade no exercício das atividades de secretária parlamentar.

Também assim votou o ministro Teori Zavascki, que destacou a confusão das atividades, já que o trabalho particular antes de Russomanno ser deputado também era de atendimento ao público. “A rigor não houve modificação substancial do trabalho que ela exercia entre o período anterior à nomeação e posterior à nomeação. Mas o cargo de secretária parlamentar é de dedicação exclusiva.”

Absolvição - Atipicidade da conduta

Inaugurou a divergência no julgamento o ministro Toffoli, revisor, que votou pela absolvição do deputado. Inicialmente S. Exa. consignou que os fatos relatados na denúncia podem ser vistos sob duas perspectivas:

(i) como uso de mão de obra pública em desvio para atender interesses particulares;

(ii) como uso de dinheiro público para pagamento de empregado particular.

No primeiro caso, apontou se tratar de figura ilícita, reprovável e gravemente sancionada, entretanto, no âmbito extrapenal, "mais especificamente configuradora de improbidade administrativa".

"A utilização dos serviços de um funcionário público por outro funcionário público no seu interesse particular não é conduta típica na órbita penal, por esbarrar na descrição do art. 312 do Código Penal."

Destacou o revisor que o referido tipo descreve como criminosa a conduta de se apropriar ou desviar em proveito próprio ou alheio dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular.

"A utilização, em proveito próprio ou alheio, dos serviços executados por quem é remunerado pelos cofres públicos não se configura em desvio ou apropriação de bem móvel."

Toffoli considerou que a mulher, ainda que praticasse atos de interesse particular do condenado na produtora, prestou serviços enquanto secretária parlamentar. "Ela efetivamente exerceu as funções inerentes ao cargo de secretária parlamentar". E, também, que o simples fato da mulher ter trabalhado na produtora não era impedimento para que fosse nomeada secretária parlamentar.

Sob óptica exclusivamente penal, o ministro absolveu Russomano:

"A prova colhida sob o crivo do contraditório autoriza a conclusão de que a conduta do apelante é penalmente atípica, uma vez que consistiu no uso de funcionário público que, de fato, exercia as atribuições inerentes ao seu cargo para prestar outros serviços de natureza privada."

Celso de Mello, que havia votado contra o recebimento da denúncia contra Russomanno quando do julgamento do plenário, acompanhou o voto do revisor Toffoli, por concluir que a conduta "não se reveste da necessária tipicidade" - para o decano, o desvio de mão de obra pública não caracteriza o delito do peculato, pois esse tem como pressuposto o desvio de coisa corpórea:

"A própria jurisprudência dos tribunais define peculato como proveito próprio de bem ou valor que o funcionário público tenha posse em razão de seu cargo. Coisa muito diversa é o uso de mão de obra da Administração Pública. Pode ser responsabilizado [o agente] por ilícito de natureza administrativa, até mesmo improbidade, mas o uso de serviços públicos somente configurará delito tipificável no ordenamento se for o prefeito municipal, e não é do que se cuida na espécie."

O voto do presidente da turma, Gilmar Mendes, garantiu a maioria: o ministro também concluiu pela atipicidade da conduta.

"A prova preponderante é que ela atuou em larga medida como secretária parlamentar, embora se desviou. E isso é fato atípico."

Dessa forma, a 2ª turma absolveu o deputado. Veja o voto do ministro Toffoli.

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